A redução da maioridade penal é um disparate

“Acho que seria um disparate colocar na prisão um jovem de 15, 16 anos” – foi manifestada por alguém viveu […]

“Acho que seria um disparate colocar na prisão um jovem de 15, 16 anos” – foi manifestada por alguém viveu todo o drama envolvido na questão da redução da maioridade penal, o advogado Ari Friedenbach, cuja filha, a estudante Liana, foi seqüestrada, estuprada e assassinada em novembro de 2003 por R.C., o Champinha, que na época tinha 16 anos de idade. “Defendi a redução da maioridade no pós-choque”, disse o advogado. Mas, explicou, “com o tempo, elaborei meus pensamentos, discuti o assunto com especialistas, li muito”, até chegar à conclusão que defende hoje.



Não é esta, contudo, a posição da maioria da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que, dia 26, aprovou a PEC 20/99, que reduz a maioridade penal para 16 anos, e que atende a uma exigência histórica da direita e de setores conservadores. E que, tudo indica, seguirá caminho semelhante na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, onde o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), relator de 21 PECs semelhantes, anunciou seu parecer favorável à mudança.



Há um ranço revanchista nestas idéias, demonstrado pelo senador Demóstenes Torres (ex-PFL, atual DEM-GO), o relator da proposta no Senado, que comemorou a aprovação como uma vitória contra a esquerda. “Havia uma pressão grande, principalmente dos intelectuais que ainda estão naquele velho esquerdismo de acreditar que os crimes têm apenas causas sociais”, disse ele.



O clamor da direita cresceu nos últimos meses, depois da morte trágica do menino João Hélio, de seis anos de idade, preso ao cinto de segurança do carro de sua mãe e arrastado por vários quilômetros num assalto, no Rio de Janeiro, que teve a participação de menores.



O caso, comovente e dramático , foi explorado sem escrúpulos pela direita e pelos conservadores – principalmente pela televisão – criando um ambiente de linchamento emocional cujo resultado pode ser visto em uma pesquisa recente que revela o apoio à redução da imensa maioria da população (80% do total).


 


O que a mídia não divulga são informações mais precisas sobre a criminalidade de jovens e adolescentes. Elas são, aliás, cuidadosamente escondidas pois desmontam o argumento conservador de que a criminalidade juvenil tenha aumentado. Os dados revelam que crianças e adolescentes cometem menos de 10% dos crimes ocorridos no Brasil, abaixo da média mundial, que é de 11,6%. E a maior parte (70%) daqueles crimes são contra o patrimônio (roubos e assaltos), enquanto 8% são atentados contra a vida, médias que se mantém por mais de meio século.



O governo, através de suas lideranças parlamentares – e pelas vozes do presidente Lula e do ministro da Justiça, Tarso Genro – repudiou prontamente a insana aprovação dessa mudança que contraria a Constituição Federal, cujas cláusulas pétreas garantem que os direitos humanos não podem ser reduzidos nem submetidos a qualquer deliberação. “Vamos fazer o possível para derrubar a proposta onde ela estiver”, assegurou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).



Os que recusam a redução da maioridade penal estão amparados pela opinião de inúmeros juristas e entidades que reúnem homens do direito; entre eles o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a Ordem dos Advogados do Brasil, etc. Cezar Britto, presidente nacional da OAB acusou a decisão da CCJ do Senado de ser o “caminho mais cômodo pegar o adolescente que por algum motivo cometeu um delito e jogá-lo no sistema carcerário brasileiro; mas devemos perguntar se o sistema carcerário do País, uma verdadeira escola do crime, é o melhor local para re-socializar esse adolescente”, disse.



Posição semelhante é defendida pelo presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta, que ressaltou o conservadorismo da decisão da CCJ do Senado. “Os mais ortodoxos estão tomando medidas autoritárias como forma de manipular a sociedade. Devemos apresentar caminhos para que o Brasil tenha outra argumentação. Políticas públicas menos repressoras e mais culturais”, avaliou



Há uma unanimidade entre estes opiniões sobre a inutilidade da criminalização de jovens entre 16 e 18 anos de idade. A solução – este é o clamor geral – é a melhoria efetiva da educação, com mais oportunidades para os jovens, o aumento na oferta de emprego e a melhoria na distribuição da renda.



Pior: a mudança na lei pretendida pela direita e pelos conservadores pode agravar a violência e a criminalidade na medida em que, ao invés de mandar os adolescentes para a escola, ameaça confiná-los nestes verdadeiros santuários do crimes, esta perversa espécie de escola profissional em que se transformaram as prisões brasileiras e que, antes de recuperar os internos, aperfeiçoam-nos no mundo da marginalidade e forçam ligações com organizações criminosas, que se fortalecem ao receber “mão de obra” fácil oferecida pelo Estado e pela estrutura penitenciária e judiciária.



Mais escola e menos prisão, mais emprego e renda e menos abandono e punição. Educação ou cadeia para a juventude – esta é a tese defendida pela deputada federal comunista Manuela d'Ávila (RS) e pela União da Juventude Socialista que, no 1o. de maio e, depois, no dia 4, vai sair às ruas em Porto Alegre, contra a Redução da Maioridade Penal. Opinião compartilhada por aquele pai – o advogado Ari Friedenbach – que superou a dor de perder a filha num crime cometido por um jovem de 16 anos, e convenceu-se de que, “ao deixar centenas de milhares de pessoas sem escola, o governo cria o criminoso do amanhã. Não há política de segurança eficiente sem que seja acompanhado de políticas sociais”.