O fracasso da Rodada de Doha

O fracasso da chamada Rodada de Doha revela que as expectativas otimistas em relação à Organização Mundial do Comércio (OMC) e à possibilidade de instituição de normas e relações comerciais mais justas entre ricos e pobres, no contexto de uma ordem mun

Deflagrada no final de 1991, no rastro dos atentados terroristas de 11 de
setembro nos EUA, a rodada de negociações no seio da OMC, que reúne 149 países, devia resultar numa redução expressiva dos subsídios bilionários à agricultura praticados pelas potências capitalistas (EUA, Japão e União Européia). Sabe-se que tais subsídios distorcem os preços relativos dos alimentos no mercado mundial e suprimem o que poderia ser uma modesta vantagem comparativa das nações situadas na periferia do capitalismo mundial, reduzindo o valor de suas exportações, compostas predominantemente por produtos agrícolas, provocando prejuízos e estimulando mais desigualdade no comércio exterior.


 


Egoísmo imperialista


 


Em tese, a periferia seria beneficiada se as negociações chegassem a um
final feliz, embora os termos do acordo em gestação incluíssem a
contrapartida da abertura dos mercados nos setores industrial e de serviços das nações mais pobres, o que poderia configurar para essas uma troca desvantajosa em médio e longo prazo, de acordo com observadores mais críticos. “A maioria dos países em desenvolvimento vai se expor a um grave processo de desindustrialização se as condições básicas das atuais negociações forem aceitas”, alertou o economista Roberto Wade em recente artigo publicado pelo jornal britânico The Guardian.


 



De todo modo, quando o francês Pascal Lamy, diretor geral da OMC, anunciou na última segunda-feira (24-7) a suspensão da chamada Rodada de Doha, já se sabia que a responsabilidade pelo insucesso das negociações deve ser atribuído exclusivamente às potências capitalistas, que exigem “flexibilização” dos mercados periféricos nos setores industrial e de serviços mas pouco ou nada querem ceder na agricultura. União Européia e EUA culpam-se mutuamente pelo impasse, evidenciando que no frigir dos ovos o que prevaleceu mesmo foi o egoísmo imperialista. “Os Estados Unidos têm pedido muito dos outros em troca de muito pouco”, acusou o Comissário de Comércio
Europeu, Peter Mandelson. A Casa Branca, por seu turno, contra-atacou
divulgando um comunicado onde sugere que a oferta européia sinalizava um “acesso ao mercado ainda menor do que o pensado originalmente”.
O jornal inglês “The Independent” concluiu, em editorial, que o mundo ficou “à beira de uma nova onda de guerras comerciais e protecionismo, após cinco anos de frágeis negociações sobre um novo acordo comercial terem fracassado”, acrescentando que o novo fiasco da OMC “deverá retardar o crescimento econômico e aumentar a pobreza mundial”, além de estimular “acordos bilaterais que favorecerão os países ricos em detrimento dos mais pobres”. São previsões que podem parecer exageradas, mas a verdade é a conjuntura econômica internacional não justifica o otimismo.


 



Protecionismo versus livre comércio


 


Na realidade, a tendência predominante na economia mundial não está
orientada no sentido do livre comércio, muito pelo contrário. Ao lado do
protecionismo agrícola, acumulam-se desequilíbrios extraordinários e
insustentáveis nas trocas internacionais que também conspiram contra
relações mais harmoniosas e justas no comércio exterior. A expressão mais dramática desses desequilíbrios é o fabuloso déficit comercial dos EUA, provavelmente a expressão mais acabada do irrefreável parasitismo da potência hegemônica.


 



O saldo negativo na balança de mercadorias traduz uma crescente perda de competitividade e, conseqüentemente, de mercado em muitos ramos da indústria e desperta interesses protecionistas nos capitalistas estadunidenses e iniciativas correspondentes por parte do Estado imperialista. Os conflitos comerciais que em passado recente opuseram os EUA ao Japão (envolvendo a indústria automobilística), à União Européia (aço) ou à China (têxteis e calçados) são sinais inegáveis disto, assim como as recorrentes pressões para que o governo chinês adote o câmbio flutuante.


 



O imperialismo evolui em meio a contradições e compreende tanto a unidade quanto a luta entre seus agentes. As forças sociais envolvidas nas contradições que emergem da atualidade são do tipo que promovem mais divergências e luta do que a unidade de interesses nas relações comerciais entre as nações. Acresce a isto o fato de que o desequilíbrio comercial (crescente) acarreta instabilidade e turbulências não apenas no comércio mas igualmente em outras esferas da vida econômica, acabando por afetar a situação geopolítica, o que já constitui tema para um próximo artigo.

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