A privatização no banco dos réus (2)

Parece que o pronunciamento das urnas, no segundo turno das eleições presidenciais, não arrefeceu o ânimo dos partidários da privatização, que continuam louvando os resultados do processo de desestatização levado a cabo no governo FHC e insistindo na tran

Uma profusão de artigos e “estudos” neste sentido vêm sendo divulgados pela mídia burguesa ao longo dos últimos dias. O tema constitui um divisor de águas entre direita e esquerda e, embora embaladas por números e argumentos aparentemente objetivos e imparciais, as opiniões divergentes refletem, no fundo, interesses de classes antagônicos. Há muito que a economia política já não é uma ciência única e foi cindida pelos interesses de classe, desdobrando-se fundamentalmente em duas disciplinas distintas: de um lado, temos uma economia burguesa; do outro uma economia operária ou popular.



 
Pode-se dizer que, em geral, os representantes do capital são fervorosos defensores da transformação de patrimônio público em propriedade privada, pois com certeza lucram com isto, ao passo que os representantes do trabalho são contra, já que se sentem com toda justiça prejudicados. A índole classista das idéias que rolam sobre o assunto transparece nas posições de entidades patronais como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) ou Federação Nacional dos Bancos (Fenabran), invariavelmente pró privatização. De outro lado, personalidades com espírito patriótico e organizações ligadas aos interesses da classe trabalhadora e do povo brasileiro, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras, têm por hábito e rotina a defesa das empresas públicas.


 


Quem melhor representa os interesses nacionais?


 


Karl Marx já notava que as classes dominantes gostam de identificar os seus interesses particulares com os interesses mais gerais da sociedade, procedendo como se, de fato, ambos coincidirem. É uma verdade filosófica que se ajusta perfeitamente à atual polêmica sobre as privatizações. Os ideólogos neoliberais alegam, entre outras coisas, que “a venda das estatais só traz benefícios ao país”, conforme insinua (na capa) a edição 880 da “Exame”, uma revista que ao lado da reacionária e entreguista “Veja” pertence à família Civita.


 



O principal argumento desta gente, que circula pelo andar superior da sociedade, é extraído da evolução dos lucros das empresas que foram privatizadas. Recente “estudo” divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que os lucros, embolsados agora por grupos capitalistas estrangeiros e nacionais, cresceram de forma apreciável na maioria das 13 empresas desestatizadas pesquisadas pelo órgão. É sinal de uma gestão produtiva mais eficiente, que a burguesia trata de destacar e exagerar para demonstrar a “infinita” superioridade da iniciativa privada comparativamente às empresas públicas.


 


 


Não seria sábio ignorar ou desprezar a melhoria da eficiência e o aumento dos lucros, até mesmo porque em tese esses constituem a base para novos investimentos e a expansão ou crescimento da produção, muito embora (como veremos mais à frente) isto não seja de todo verdadeiro no caso do Brasil. Também tem sido muito citado o crescimento do número de telefones fixos e móveis após a privatização do sistema de telecomunicações, ocultando-se no mais das vezes que isto ocorreu simultaneamente com um salgado e revoltante aumento das tarifas públicas.


 


 


Economistas burgueses são deliberadamente parciais, omitem fatos relevantes e não levam em conta os efeitos mais gerais (ou macroeconômicos) das privatizações em relação aos interesses da nação. Em primeiro lugar, é preciso ponderar que o crescimento dos lucros não é prova suficiente da superioridade do privado sobre o público. De longe, a empresa mais lucrativa do Brasil, hoje, é uma estatal que responde por algo em torno de 10% do nosso PIB e se chama Petrobrás. Por si só o desempenho da Petrobrás (que em 2005 teve um lucro de 23,7 bilhões de reais, superando o resultado obtido pelos três maiores bancos nacionais) é um desmentido cabal da presunção neoliberal de que empresa pública é sinônimo de ineficiência e desperdício. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal também têm colhido bons lucros ao longo dos últimos anos.


 


 


Todavia, é mais do que provável que os resultados seriam outros se os neoliberais tucanos tivessem vencido as eleições de 2002. O terreno para a desmoralização das empresas públicas e posterior privatização foi previamente preparado por FHC. Não podemos esquecer que no caso da Petrobrás (que virou Petrobras, sem o acento agudo, para agradar os ianques e adaptar-se ao idioma da globalização, de acordo com os entreguistas do PSDB), o leiloeiro tucano cogitava transformá-la em Petrobrax (e chegou a gastar alguns milhões de reais nos “estudos” encomendados para mudança de nome). O corte de investimentos das estatais foi profundo e generalizado durante o reinado de FHC e, além de levar muitas empresas a operar no vermelho, resultou na crise energética de 2001 e em recorrentes ameaças de apagão.


 



   
De todo modo, o lucro pode ser a razão maior ou o critério mais relevante para o capital e os capitalistas, mas não se pode dizer o mesmo em relação aos interesses do conjunto da sociedade brasileira. Neste sentido, é preciso ponderar os efeitos macroeconômicos da privatização, que dizem respeito às perspectivas de desenvolvimento nacional. Disseram que a “renda” das privatizações, estimadas em cerca de 100 bilhões de reais (boa parte em moedas e títulos “podres”), serviriam para abater a dívida pública, o que sanearia as contas públicas e liberaria recursos para investimentos, além de permitir uma redução da carga tributária, aliviando o setor privado. Teoricamente, tudo isto resultaria num aumento expressivo da taxa de crescimento do PIB e inauguração de um ciclo dourado e “virtuoso” de desenvolvimento.


 


 



Mas, não foi isto o que ocorreu. O que aumentou de modo extraordinário com FHC foi a relação dívida/PIB, em conseqüência da desastrosa política cambial, dolarização da dívida e brutal aumento das taxas de juros. Os débitos públicos correspondiam a 30,6% do valor da produção interna em dezembro de 1995 e pularam para 55,5% em 2002, de acordo com dados do Banco Central. O crescimento da produção foi medíocre, estacionando na média anual de 2,2% entre 1994 e 2002. Já a carga tributária subiu de 28% do PIB em 1996 para 35%, na esteira do maior comprometimento das finanças públicas com o pagamento dos juros.


 


 



As promessas supostamente desenvolvimentistas subjacentes ao programa de desestatização do governo FHC revelaram-se falsas, o que foi percebido com sabedoria pelo eleitorado brasileiro, que – para surpresa de muitos – desta vez não se deixou enganar pelo canto de sereia dos “formadores de opinião” que infestam os meios de comunicação de massa, monopolizados (nunca é demais repetir) pelos capitalistas. Acima do debate ideológico prevaleceram no jogo das privatizações poderosos interesses de classe que nem de longe estão em harmonia com os interesses nacionais. Muito pelo contrário. Como pretendo demonstrar no próximo (e último) artigo desta série, as privatizações ampliaram consideravelmente a vulnerabilidade externa da economia brasileira e, pela via das remessas de lucros e dividendos, subtraíram da poupança nacional bilhões de dólares que poderiam ser transformados em investimentos domésticos, mas foram apropriados por capitalistas estrangeiros e destinados a outras finalidades, o que com toda certeza contribuiu para deprimir a taxa de crescimento do PIB.


 


 



No final das contas, a privatização foi uma grande negociata e o dinheiro arrecadado acabou no bolso de agiotas e rentistas. Não restam dúvidas de que os interesses nacionais serão bem melhor servidos pela classe trabalhadora que pela burguesia nacional ou estrangeira e seus representantes, apesar do barulho e das dissimulações da mídia.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor