Dilemas americanos no Iraque
A imprensa internacional vem anunciando que na primeira semana de dezembro, uma comissão presidida pelo ex-secretário de Estado dos estados Unidos, James Baker II, vai divulgar um relatório com propostas e alternativas para o atoleiro que esse país se met
Publicado 30/11/2006 17:37
Nesta quarta-feira, dia 29 de novembro, quando escrevo esta coluna semanal que é publicada ás quintas, completam-se exatos 1.350 dias de ocupação militar no Iraque. Não há de meu ponto de vista, a menor possibilidade de uma vitória política ou militar dos americanos nesse país árabe. Nem ele será “pacificado”, muito menos a tal democracia será construída e consolidada. Como temos dito e enfatizado, destruiu-se um dos estados nacionais mais laicos, dos poucos que funcionavam na região, com larga rede de assistência social para a população, apesar de 12 anos seguidos de bloqueio odioso determinado pela ONU, dos ataques diários dos EUA e da Inglaterra com sua aviação e dos quase dois milhões de iraquianos mortos nesse período (1991-2003), dos quais pelo menos 500 mil crianças.
As três alternativas
Tanto o relatório de Baker, como as propostas que vêm sendo estudadas pelo Pentágono relatam três possibilidades. Comentaremos brevemente todas elas. Claro que todas elas são bem fundamentadas, envolvem diversos gráficos, números, dados, cenários, simulações, aos quais não temos espaço para aqui publicá-las. Ao final, daremos uma opinião geral sobre o cenário que achamos mais provável.
Go Big – em uma tradução livre poderia ser chamada de “Ir grande”. O seu entendimento é bastante claro. Ampliar e muito, as forças terrestres de ocupação. Essa é uma proposta que vigorava desde o início da ocupação e um dos motivos da queda de Rumsfeld na Defesa. Boa parte do comando do Estado Maior dos Estados Unidos defendia uma força de ocupação de pelo menos 400 mil homens ou ainda mais. Foi assim na guerra do Golfo de 1991, com mais de 430 mil homens de 28 países e tal guerra que “libertou” o Kuwait, nem sequer ocupou o Iraque. No máximo, invadiram o país pela parte sul e com a fronteira com a Arábia Saudita, onde as tropas estavam aquarteladas. A opção que prevaleceu na invasão foi a de usar um máximo de 150 mil homens.
A cifra final hoje se situa na faixa de 140 mil soldados, dos quais, semanalmente, há um rodízio nas tropas, para descanso e folgas. Registrem-se alguns dados que não podem ser deixados de lado nessa aparente matemática de guerra. Se na guerra do Vietnã (1962-1975), foram mortos 58 mil americanos e até agora no Iraque morreram “apenas” três mil soldados, a relação com o número de civis é completamente diferente. No Vietnã, para cada dez soldados mortos, apenas 26 eram feridos. Agora, nesta guerra, os feridos triplicaram. Para cada dez que morrem 75 são feridos, mutilados. Assim, podem-se contabilizar pelo menos nove mil soldados veteranos que voltam ao seu país de origem, mutilados, sem pernas, mãos, loucos, paralíticos etc. (1). Há também os custos dessa operação de ampliação de forças. Hoje, os números mais pessimistas do congresso, dão conta de que a guerra já consumir nesses 1.350 dias mais de 400 bilhões de dólares.
Go long – uma tradução aproximada dessa expressão poderia ser “Ir longe”. Aqui o sentido é de manter a atual ocupação, sem aumento das tropas, mas ficar um longo período no Iraque, com retirada programada e gradual, mas não de imediato. Nos planos de Bush, está adotar essa proposta. Tanto que já declarou que a questão da retirada das tropas é assunto para outro governo, que tomará posse apenas em janeiro de 2009. Essa proposta é hoje bancada pelo alto comando, que sente que uma retirada imediata significaria uma derrota militar, como ocorreu no Vietnã em 1975, quando os americanos saíram literalmente fugidos do país. O grupo chamado de neocons, ou neo-conservadores, poderiam apoiá-la. Depois da derrota eleitoral para os democratas, é possível que implementem mesmo esta proposta. No entanto, o clima no momento no país é de completo aumento da violência sectária. A média diária de mortos vem subindo assustadoramente. No último final de semana a média chegou a quase 200 por dia. E são mortes cruéis, com vítimas de ataques á bomba de alto poder explosivo, que mutilam e matam indistintamente. Isso sem falar no famoso e já lendário Juba, o Franco
Atirador de Bagdá, que mata indistintamente soldados americanos com tiros certeiros em suas cabeças e aterroriza as tropas e a soldadesca que fica apavorada. Juba virou uma lenda urbana e vídeos produzidos por sua “equipe” são vendidos em todo o comércio ambulante por preços elevadíssimos. É um herói para a juventude. Somado a isso, a insistência em “julgar” e condenar à morte Saddam Hussein, em um “tribunal” sem nenhuma legitimidade, com completo cerceamento dos advogados de defesa para atuarem. Assim, ao mesmo tempo em que essa é a proposta que Bush mais tem simpatia, pode não ter condições políticas para implementá-la, por completa perda de controle da situação.
Go Home – também em uma tradução livre poderia ser entendida como “Ir para casa”. Isso significaria, na linguagem dos militares do Pentágono, a retirada praticamente imediata das tropas de ocupação. Teriam que sair, não da forma como o fizeram no Vietnã, cuja imagem mais marcante em 1975 era a de um helicóptero retirando muitas pessoas que se agarravam e disputavam um lugar na sua escada, no topo da embaixada americana em Hanói onde a aeronave estava pousada. Foi o último vôo que saiu do país. Uma verdadeira humilhação. Pessoalmente, não vejo que essa possibilidade de saída do Iraque dessa forma. Até porque a resistência vem avançando a passos largos, mas ela ainda não se unificou totalmente e boa parte da comunidade xiita, ainda é aliada dos americanos e com eles colabora. Isso destoa completamente dos mesmos xiitas do Irã, que fazem oposição ferrenha aos EUA e do Líbano, do Hezbolláh, que lutam contra os grupos pró-EUA que apóiam o primeiro ministro Fouad Siniora. Mas, já há fissuras no Iraque na comunidade xiita. O clérigo Moustafa El Sadr, vem dizendo que os americanos deveriam se retirar imediatamente.
Breves conclusões
Esta semana George Bush deve dar uma passada no Oriente Médio. Ele deve se encontrar com o primeiro Ministro colaboracionistas iraquiano, o xiita Nouri El Maliki. Claro que o governante iraquiano deverá pedir que Bush mantenha ainda suas tropas num prazo indefinido no Iraque. Ele sabe que suas “tropas”, seu “exército” não resiste um dia sem os americanos no país para lhe dar sustentação. É provável que uma guerra civil se instaure imediatamente e o caos, que já esta instaurado, se generalize.
A ONU, através de seu Conselho de Segurança, deve discutir a prorrogação do mandato outorgados aos EUA para que ocupasse o Iraque, concedido por unanimidade de votos no CS em julho de 2003, mas cuja data se expira em 31 de dezembro. É muito provável que a ONU prorrogue esse prazo, mas talvez haja espaço para que um calendário de retirada seja estabelecido.
Por fim, esta semana, esteve presente no Irã, o presidente do Iraque, o curdo Jalal Talabani, celebrando a reativação de relações diplomáticas entre os dois países, rompidas desde a guerra de 1980 (que durou até 1988 e matou mais de um milhão de iranianos). Sabemos que ele não preside nada, não tem poder e representa uma pequena minoria no país, que vive ao norte do país e decidiu aliar-se aos EUA para – quanta ilusão – ver se conseguiriam formar o seu país, o Curdistão.
Manteremos nossos atentos leitores em dia com as notícias e as análises das perspectivas com relação ao Iraque. Somamos nossas vozes aos que, lá e em todas as partes do mundo, seguem gritando com força o que fazíamos na década de 1960: “Yankees, Go Home!”.
Nota
(1) Ver artigo publicado no Financial Times http://www.ft.com/cms/s/7c5bd834-7a00-11db-8d70-0000779e2340.html de autoria de Edward Luce e Demitri Sevastopulo, do último dia 22 de novembro de 2006, intitulado “The real costs to the US are yet to surface from the war’s murki depths” (algo como EUA terão custo oculto na guerra).