O militante Coelho x o militante Dirceu

A Folha de S. Paulo de 16 de janeiro publicou um interessante e revelador artigo de um de seus editorialistas, Marcelo Coelho, atacando o líder petista e ex-ministro do governo Lula, José Dirceu. Já no título, não esconde sua animosidade e decreta o passa

Coelho não tem travas na língua. Vale-se de uma reportagem da revista Piauí e de seu amargor contra Dirceu para atacar, na verdade, a militância política de esquerda. Seu objetivo revela-se logo na primeira linha de sua maldisfarçada peça de propaganda arrivista: “O modelo do militante é o cadáver de Lênin: na impassibilidade está sua principal virtude”.


 


Letrado, o autor faz aqui uma referência a uma poesia na qual um russo, diante do corpo de Lenin mumificado em seu mausoléu em Moscou, alerta-o da vinda de inimigos da revolução invadindo a União Soviética. Lenin, é claro, não reage, e o russo conclui que, diante de evidência tão inapelável, o líder da Revolução de Outubro de 1917 estava, de fato, morto.


 


A partir dessa visão “poética”, Coelho usa a figura de José Dirceu para criticar, na realidade, a militância política revolucionária. Refere-se (não escondendo sua simpatia) a uma agressão gratuita sofrida pelo petista numa churrascaria e cita a reportagem: “O sorriso do ex-ministro se desmanchou e sua expressão facial se esvaziou. Ele não demonstrou surpresa, raiva, medo, constrangimento ou qualquer outra emoção. Ficou olhando impassível, enquanto os berros continuavam.'' E daí, o escriba da Folha revela que vê, em Dirceu, a figura do revolucionário que ele, Coelho, quer na verdade desancar: “Dá para intuir, pela reportagem, que tanta impermeabilidade não se construiu num dia. Não era muito diferente a atitude de José Dirceu nos tempos da clandestinidade”. E parte para o ataque:


 


“Está em curso a velha psicologia do militante bolchevique. Funcionário disciplinado do partido, cumpre-lhe assumir ou negar culpas, tanto faz, conforme o que lhe ditarem os interesses da revolução. Não existe fora da ‘causa’, e o rumo da história, com ‘h’ maiúsculo, é o único tribunal que merece o seu respeito.


 


No centro do poder ou fora dele, o militante continua a ter uma vida clandestina: a preservação dos segredos de Estado e o ocultamento prudente da existência privada tendem a ser duas faces de uma mesma moeda”.


 


Repete, para não deixar dúvidas: “O modelo do militante é o cadáver embalsamado de Lênin na praça Vermelha: na impassibilidade está sua principal virtude”.


 


Nada de novo. Não acusemos Coelho de originalidade na panfletaria anticomunista. Boris Pasternak, no seu Dr. Jivago (depois transformado em filme), ainda na primeira metade do século passado, colocou características inumanas nos personagens como Yevgraf (meio-irmão de Jivago), indentificados com a revolução. Em todas as produções da guerra fria – inclusive as mais tardias, como os filmes de Sylvester Stallone sobre Rock (quando enfrenta um pugilista russo) ou Rambo, os que estão por algum motivo vinculados ao socialismo (mesmo que seja só por terem nascido num país socialista) são os maus. Ou são idealistas ingênuos que ainda não se deram que, como escreve Coelho, as “‘grandes causas’, evidentemente, desapareceram do horizonte”.


 


“A maldade dessa gente é uma arte”, cantou Ataulfo Alves. Um panfleto direitista, bem ao gosto do que vem sendo chamado de “partido da grande imprensa”, tripudia em apoio a uma investida absurda contra um ex-ministro de Lula (sem dizer quem foi o agressor, que fica no cômodo anonimato de “um homem loiro e jovem”, provavelmente algum representante da “opinião pública”, uma “voz das ruas” – só que, desta vez, freqüentador da churrascaria ''Prazeres da Carne'' – ao qual a grande imprensa sempre se refere quando quer valer-se de biombo para expressar suas opiniões reacionárias e retrógradas) e agride os que não se conformam com as mazelas deste mundo e querem a revolução.


 


O que vale é que Marcelo Coelho, por linhas travessas, revelou que a militância não está morta – seja a dos seguidores de Lenin, que continuam batalhando pelo socialismo, seja a militância de direita, da qual o panfleto do editorialista da Folha é um lídimo representante.

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