O velho (novo) paradigma faz 61 anos
Março é o mês de aniversário do famoso relatório da Hutchins Commission – “Uma imprensa livre e responsável” (A free and responsible press) – publicado em 1947, nos EUA. A Comissão, formada por 13 personalidades do mundo acadêmico e empresarial, financiad
Publicado 28/03/2008 20:39
Criada em 1942, no correr da Segunda Guerra Mundial, antecipando as mudanças que estavam por vir e respondendo a uma onda crescente de críticas à atuação da mídia, a Comissão tinha como objetivo principal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Objeto de muitas críticas ao longo dos seus 61 anos, o relatório da Hutchins Commission deu origem à chamada teoria da responsabilidade social da mídia.
Responsabilidade social
A responsabilidade social (RS) não é um conceito novo e sua origem está associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século 19, de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham e John Stuart Mill.
Nos anos pós-Segunda Grande Guerra, a RS se constituiu como um modelo a ser aplicado às empresas em geral – e às empresas jornalísticas norte-americanas, em particular – e começou a ser introduzida por meio de códigos de auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de setores como rádio e televisão. Esse modelo está ligado diretamente à defesa da liberdade, inclusive à liberdade de imprensa e ao desenvolvimento do capitalismo e dos direitos civis.
A RS se baseia na crença individualista de que qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a sociedade – daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma evolução de outra teoria da imprensa – a libertária – que não se preocupava em garantir um fluxo de informação em nome do interesse público. A RS aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático e ao esclarecimento do público (“o público tem o direito de saber”).
Cinco pontos
O relatório da Hutchins Commission resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em cinco pontos:
1. Propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);
2. Servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;
3. Retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;
4. Apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e, por fim,
5. Distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.
Esses cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do chamado “bom jornalismo” – objetividade, exatidão, isenção, diversidade de opiniões, interesse público – adotado nos Estados Unidos e presente nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais nas democracias liberais.
Lições contemporâneas
Em livro lançado recentemente nos EUA (The Big Picture – Why Democracies need Journalistic Excellence; Routledge, 2008) o jornalista Jeffrey Scheuer chama a atenção para o fato de que o relatório da Hutchins Commission estabeleceu um precedente ajudando a legitimar a crítica da mídia como uma atividade importante das democracias maduras. Além disso, o relatório talvez tenha sido responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa.
Teria essa mudança de paradigma de fato ocorrido? Ela chegou ao Brasil?
Talvez o jornalismo brasileiro ainda tenha algo a aprender com o velho relatório da Hutchins Commission. Talvez já seja tempo de os empresários de mídia – que hoje incluem os donos, controladores e gerentes de provedores de internet – se darem conta de que os tempos são outros e a consciência dos direitos individuais e coletivos avança e ganha força dia a dia em camadas cada vez mais amplas de nossa população.
O sucesso empresarial da indústria privada das comunicações – da qual fazem parte as empresas de telecomunicações, seja através da distribuição de conteúdo ou do provimento de tecnologia – está cada vez mais ligado ao respeito aos direitos de comunicação do cidadão consumidor. Talvez seja tempo de pensar menos no surrado “escudo” da ameaça “de fora” à liberdade de imprensa e pensar mais na responsabilidade social daqueles que escolheram a mídia como atividade profissional e empresarial.
Com 61 anos de idade, o velho relatório da Hutchins Commission – “Uma imprensa livre e responsável” – permanece novo, válido e atual, pelo menos entre nós.
Artigo publicado no Observatório da Imprensa