Quer passar de ano? Vem com nois!
Minha mãe não entende direito o que faço, de onde vem meu dinheiro, o que fico fazendo até muito tarde na rua, porque viajo tanto. Mas às vezes descobre, foi assim quando chegou à intimação…
Publicado 12/12/2008 11:29
Entro na sala 601-A dum prédio luxuoso de vidro na região nobre da Vila Olímpia. Lá 20 pessoas discutem a estratégia do plano. No final eu disse que achava aquela idéia muito louca. Receber de quem tem, 250 dólares em seis meses pra cada um é um bom começo, pena que na época a moeda estava em baixa. No final do plano bem executado dividiríamos dois mil reais pra cada, como recompensa.
Dinheiro vindo dos EUA, invertendo uma rota histórica de mais de 500 anos, mandando riqueza daqui pra lá. E o que teríamos que roubar? Conhecimento.
Comparsas
Geisson é um garoto do bairro de São Mateus zona leste de São Paulo, tímido, calado. Gosta mesmo é de cinema, luz apagada, as diferenças somem. Criou o CineMatheus como resposta à falta d´agua. Passou a jorrar água na comunidade, eram de lágrimas de emoção.
João é lá do morro do querozene, mestrão do projeto Treme-Terra. Faz jus ao nome, que você ainda vai ouvir muito. Quando as crianças do projeto tocam os imensos tambores de ferro, como se brincassem de roda. Fazem, tremer a alma.
Júlio Barros tem história parecida de muitos garotos que sonham jogar futebol na Europa. Morador de rua, foi pra Alemanha não para jogar no Bayer, mas estudar restauração em Raesfelder.
Sua filha Cecília é mineira da terra de Aleijadinho, de aparência tranqüila e personalidade inquieta. Formou-se em direito cansada de coisas tortas. Prefere o trabalho social de restauração de patrimônios culturais, que também restaura as pessoas.
Cláudio é conhecido de outros carnavais, mestre sala da Camisa Verde e Branco. Tinha dia que chegava na voadora, noutro como ninja, ainda noutro fintava como jogador da NBA. Mas os passos do carnaval, inspiraram Cláudio a conduzir mais do que a porta bandeira, criou o Pavilhão da Manhã, ensinando a mulecada a caminhar no mundão.
Daniel é carismático, parece sósia do apresentador Netinho. Acaba de receber pelo segundo ano consecutivo o título de voluntário do ano do banco Santander, pelo desenvolvimento da ORPAS, entidade de educação infantil no fundão da sul onde não há nenhum órgão público. Foi criado em uma instituição semelhante, e está passou ser sua missão.
Rosiane Bombom, é chamada sempre pelo apelido do doce de chocolate. Dorme nas aulas cansada do dia de serviço. Trabalha como heroína, salva crianças pobres do Taboão, indefesas de vermes. Prefere diagnosticar e tratar antes que as pobrezinhas fiquem doentes. É conhecida como menina dos vermes, mas dela eles correm.
Diego tem a cabeça raspada e dentro dela ferve as idéias. Menino rebelde, lutador, atento, negro por opção. Desenvolve em São José dos Campos projeto com a mulecada de conscientização sobre doenças sexualmente transmissíveis, drogas, AIDS, gravidez… Tudo pretexto pra municiar a mulecadinha de informação para que tenham empoderamento de suas próprias vidas.
Edson é do bairro dos Pimentas em Guarulhos. Não cheguei a conhece-lo. Mas conheço a comunidade dos Pimentas, o mano Formiga, o finado Tal e muitos guerreiros de lá.
Janaina tem vida dura, e sorriso suave. “Invadiu”, diz eles, “ocupou” afirma ela, prédio abandonado no centro de São Paulo junto o movimento sem teto. Sem emprego, passou a ser sua atuação para dar dignidade aos jovens como ela. Escreveu num papel amarelo “Quem não luta, ta morto” que guardo comigo.
Jackson, vi só duas vezes, porta piercing no rosto, moecano colorido, camisa colada. Morador de cortiço em Santos. Não sei o que amedrontou mais a elite, se o Quilombo do Jabaquara ou o estivadores que fizeram de Santos a Cidade Vermelha. Mas sei que o menino de estilo clubber criou uma espécie de clube a associação dos cortiços que começou pra ajeitar sua quebrada, virou um mutirão monstro levando emprego, cultura, saúde pros favelas da cidade.
Juliana tenta ser discreta, mas seus cabelos com cachinhos dourados roubam atenção. Economiza fala, mas não simpatia, tem voz forte e a delicadeza dum capoeirista. Representante da Casa do Mestre Ananias, um senhor de 80 anos que é considerado a síntese da herança africana do povo brasileiro.
Lucas é o bom menino de estilo mauricinho. Pertence ao Instituto Muda, mas faz muito barulho com sua banda de rock ou na hora de falar com propriedade sobre ecologia, economia ou administração pública que optou por estudar mesmo sabendo que administração de empresas é bem mais rentável.
Maíra esta gestando uma indiazinha que ainda não tem nome. Lembra a personagem Mafalda, dos quadrinhos engajados argentinos do tempo de nossos pais. Descende da população Krenaki. Mantem a tradição do ensino oral. Quando fala mesmo as coisas mais simples dá uma aula de antropologia tão forte que não sei como suportou concluir o curso de história da USP.
Paula tem rosto de menina, o tamanho e a potência de um Kalashnikov. Fuzil adequada para exercito de camponeses. Na porta de sua casa bateu a polícia com coturnos para cumprirem o mandato de despejo de toda a favela Real Parque. Se viu no olho do furacão da especulação imobiliária. Se armou de câmera para combater bomba de gás lacrimogêneo e escopeta. O trator que arrancou barracos em volta, plantou no lugar a ironia de ter como vizinhos um luxuoso shopping, prédios milionários e pra decorar tudo o mais caro cenário de tv do mundo, ao vivo no jornal diário SPTV, a ponte estaiada.
Rogerinho tem estatura de gigante dentro do pequeno corpo. No primeiro dia usou romântico como característica que o define. Quem o vê tímido no meio dos demais não faz idéia para quantas pessoas Rogerinho fala diariamente no programa que comanda na Rádio Heliópolis, na maior favela da américa latina.
Priscila gosta é de brincar dês de criança. Fez disso profissão. Deu cambalhota na pedagogia e levou brincadeira aonde não tem creche, não tem, mas muitas crianças, na segunda maior favela de São Paulo, Paraisópolis.
– Então você brinca em serviço – provoquei num dia desses.
Ela rebateu – Estudei pra isso – E foi com os cidadelos brincar.
Thiago parece o Bill Gates mais novo, com óculos de aro e tudo. Não tem o dinheiro dele, e nem precisa pra dar rodas a quem não anda. Algumas crianças aprisionadas em camas por deficiência motoras, não tem o direito de conhecer o mundo nem em cadeiras de rodas, que custam mais de dois mil reais. Thiago passou a criar cadeiras para os mais necessitados com materiais alternativos, com baixo custo. Prepara um manual de montagem para que os próprios pais possam rodar com seus filhos.
Wendy é do teatro, faz de sua vida um palco. Articulada, rede de contatos é seu papel. Só não me envolveu no Sanca Hip-Hop que acontece em São Carlos por que na data eu estava fora do estado. Sonhadora como todo artista, criou uma cooperativa que mantem a Janela Aberta pro mundo.
Rafael Passariti esse é zica! Um apaixonado pela planeta. Inventor, é uma mistura de Da Vinci com a musicalidade de um Chico Science e a tranqüilidade de Ghandi. Rastafari-mam sempre com uma mochila nas costas que ia da cintura até acima da cabeça. De dentro saia serra tico-tico, estilete, cola, papel, tesoura, canetas, lápis… e tudo que alguém levaria se fosse escalar o Everest. Pensa, reflete, repensa, medita, cada palavra de falar. Chama a Terra de casa, quando fala até as pedras ouvem. Entre suas frases únicas, numa apresentação chegou a dar boa noite a todos os presentes e todos os ausentes. No Java Rural onde mora chegou a desenvolver ações conjunta com Edy Rock dos Racionais Mc´s. Seu sobrenome, vem de um dos instrumentos musicais que criou, o Passariti.
E eu…
Ah! Eu você já ta ligado…
Minha mãe é que não entende direito o que faço, … Mas às vezes descobre, foi assim quando chegou à intimação, o convite da universidade para a cerimônia de minha certificação. Comigo rodou os 19 que relatei.
A misssão
Quero o direito de ser forgado, entrar na universidade pela porta da frente. E num é que entrei sem precisar de carterinha, sem ter feito vestibular, sem taxa de matrícula, sem pagar mensalidade. Fazia questão de pegar o elevador panorâmico, junto com os boys, são bem expertos! Uma vez vi uma campanha publicitária da instituição: “Você escolhe a Anhembi Morumbi, o mundo escolhe você.” Discordei. Não quero ser escolhido pelo mundo, mas poder escolher um mundo melhor, sem sair daqui.
Hoje a Iniciativa Jovem Anhembi Morumbi me contempla. Me deu uma oportunidade única. Uma bolsa de estudos na primeira turma do curso de empreendedorismo social, por este projeto Hip-Hop a Lápis. Bons professores deram o direito de aprendermos uns com os outros. Quem é sabe!
Bom, não disse que foi fácil!
“Mais vale lágrimas pela derrota, que a vergonha de não ter lutado”
Juntar tanto explosivo numa única sala é nitroglicerina pura. O culpado é m professor chamado Maurício, sabedoria oriental, paciência samurai e sua fiel escudeira Gabriela. Gaspar do Z´África Brasil tem razão; “Não é questão de cor, é questão de coragem!”
Estudei pouco, mas aprendi muito, seguidor de Ruben Alves, depois que li o livro que ganhei com carinho da gaúcha Sharon. Notei entre outras coisas, só pra você ter uma idéia que os três de pele mais escuras da sala, eram os mais gentis, mais sorridentes e carinhosos… O que não significa que a vida pra eles sejam mais suave.
Nunca tive como meta tirar nota 10 na escola, mas se for necessária pra revolução. Manda a prova então!
A turma não parece querer parar por aqui…
… “Quer passar de ano? Vem com nois!” DMN. (clique para ouvir)