“O Concerto”: Passo em falso

Diretor romeno Radu Mihaileanu tenta equilibrar acerto de contas com a ex-URSS com abordagem sobre o que ela se transformou sob o capitalismo

               Conhecido por filmes que mesclam comédia, sátira e análise política, tendo israelenses como personagens, o diretor romeno, Radu Mihaileanu, decidiu tratar, em “O Concerto”, de um tema polêmico: o da queda da URSS e suas consequências. A exemplo de “O Trem da Vida”, sobre o holocausto, e “Um Herói do Nosso Tempo”, sobre as dificuldades dos judeus negros, africanos, serem aceitos em Israel, ele aborda os dilemas do maestro Andreÿ Filipov (Alexeï Guskov), destituído do cargo no período Leonid Brejnev (1964/1982) por defender músicos judeus na Orquestra Bolshoi.

                 Mihaileanu, no entanto, tenta equilibrar sua denúncia com um olhar crítico sobre o que resultou da dissolução da URSS. Mostra a ação dos oligarcas que se apoderaram das estatais soviéticas e da máfia controlando vastos setores da economia russa. E o abandono a que foram relegados os músicos e a Orquestra Bolshoi sob o capitalismo. Isto, no entanto, não afasta seu filme do acerto contas que trilham os filmes produzidos no Leste Europeu e na Alemanha (“Adeus, Lenin”, “A Vida dos Outros”), desde então.

                Há certo ranço e ódio direitista, conservadorismo, e, por que não, anticomunismo nestas produções. Perceber-se isto pela maneira como o dirigente do PC Russo, Ivan Gavrilov (Valeriy Barinov), é caracterizado: um espertalhão, disposto a tudo para atingir seus objetivos. Mihaileanu e seus co-roteiristas Alain-Michel Blanc e Mattheus Robbins o satirizam dizendo que ele contrata figurantes para suas manifestações. Porém, a história do PC Soviético não deve ser negligenciada, pois sua contribuição ainda não cessou. E tampouco a do PC Francês, mostrado como um arremedo do que foi. Entretanto, lança mão de dado verdadeiro, de que a sede projetada por Oscar Niemeyer e o famoso restaurante não permanecem sob seu domínio.

               Desse modo, “O Concerto” presta serviço aos virulentos direitistas que, mesmo com o “Crash de Wall Street”, em 2008, ainda defendem o sistema capitalista decadente. Se a idéia original de Héctor Cabello Reyes e Thieray Degrandi, na qual é baseado o filme, era desancar a ex-URSS, introduzindo crítica ao capitalismo russo, em ambos ficou pelo caminho. No entanto, Mihaileanu não é um cineasta qualquer, desses que não dotam seus filmes de contrapesos, ele usa diversos recursos, inclusive o melodrama, para emocionar o espectador e ganhá-lo para sua história.

               Máfia e Oligarcas
               mandam na Rússia

               São variados tipos de linguagem cinematográfica e entrechos que tornam “O Concerto” um delírio de música, dramaturgia e encenação. Usa flashbacks para desvendar as razões de Filipov para defender os músicos judeus; projeções para justificar-se perante a concertista Anne-Marie Jacquet (Mélanie Laurent), filha da violinista judia sentenciada por Brejnev; e a execução do Concerto para Orquestra e Violino de Tchaikovsky (Piotri Il´yich,1840/1893) para atestar sua eficiência. Sabe-se então que nada havia de solidariedade no comportamento de Filipov; ele só queria usar a violinista como solista da gravação do citado concerto.

            Mas a política o pegou em cheio. Relegado à limpeza do teatro, ele tem a chance, por acidente, de se redimir perante àquela a quem deve contar a verdade. Um mote não tão simples. Mihaileanu usa-o para mostrar no que se transformou, com a Queda da URSS, a famosa e respeitada Orquestra Bolshoi. Filipov não foi reconduzido ao cargo de maestro e ela própria foi dissolvida. A que a sucedeu tornou-se caricatura de sua antecessora. Seus músicos se tornaram padeiros, porteiros, portuários, ciganos. Seu brilho anterior se esfumou. Nem maestro à altura tinha.

            A Orquestra Bolshoi é metáfora da própria Rússia capitalista. Seu dirigente atual quando informado do telex vindo de Paris para uma apresentação, simplesmente diz: “estou saindo de férias”. Nada ali faz sentido, ninguém se interessa por sua reputação. Bem o sintetiza a sequência do casamento, do qual participam Filipov e o ex-Bolshoi, Sacha (Dimitri Nazanov). Bem no meio da cerimônia, ramos rivais da máfia russa se enfrentam. Há tiros de metralhadora para todos os lados. O vício capitalista, porém, contaminou aos próprios músicos. Um deles, o velho violinista judeu, contrabandista de caviar, aprende com o filho, em Paris, que é mais rentável hoje vender celular contrabandeado.

             Mais do que isto. O peso dos oligarcas russos é sentido na reunião com Oliver Duplessis (François Berléand), o produtor francês do espetáculo, quando este é impedido de usar a mídia francesa para transmiti-lo em rede global. O oligarca Tretyakin (Vlad Ivanov), patrocinador do concerto e violoncelista auto-imposto, simplesmente lhe diz que a transmissão será feita por sua equipe de TV russa. “Vocês querem perder o abastecimento de gás? Sou o dono da companhia”. A ameaça atesta o que é a Rússia hoje. Fica a impressão de que a Orquestra Bolshoi sob a União Soviética era competente e respeitada. Pode haver verdade nisto.

O Concerto” (“Le Concert”). Comédia Dramática. Bélgica/França/Itália/România/Russia. 2010. 119 minutos.  Roteiro: Radu Mihaileanu/Alain-Michel Blance e Mattheus Robbins. Direção: Radu Mihaileanu. Elenco: Alexei Guskov, Dimitry Nazarov, Mélanie Laurent.

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