A Dama de Ferro: Retrato com retoques

Em filme sobre Margareth Thatcher, diretora inglesa Phillida Lloyd traça perfil nada lisonjeiro da líder que pretendia fazer diferença no planeta

A franqueza com que Margareth Thatcher (Granthan/1925) expõe seu reacionarismo é lapidar. É como se, para compensar sua origem de classe, tivesse de pisar nos pobres para garantir o caviar da burguesia britânica. Seu perfil nada lisonjeiro, neste filme da inglesa Phyllida Lloyd, apenas o confirma. E se ele foi produzido para retocar sua imagem, o espectador pode dizer que sua arrogância, individualismo e autoritarismo dão razão ao líder do Partido Trabalhista no Parlamento inglês, à época: ”Você não é uma mãe, você é um monstro”.

Suas políticas, baseadas nas idéias dos economistas conservadores Friedrich Hayek (1899/1992) e Milton Friedman (1912/2006), abriram caminho para o Consenso de Washington. Este Incluía desregulamentação financeira, privatização das empresas públicas, desmontagem da estrutura sindical e do Estado de Bem-Estar Social. O que redundou na tautológica redução do tamanho do Estado, seguida à risca inclusive no Brasil pelo governo FHC. Essas políticas, segundo o citado líder trabalhista, levaram a Inglaterra, em 1984, ao maior colapso da produção industrial inglesa desde 1921, as famílias perderem suas casas e ”os ricos ficarem mais ricos e os pobres irrelevantes”.

Filha de dono de mercearia, na qual trabalhou na juventude, ela teve, desde o início, a idéia fixa de recuperar os tempos de glória do império britânico. E, embora de classe média, formada em Química pela Universidade de Oxford, nenhuma identificação teve com a classe trabalhadora. Ninguém de sua família, tampouco o então namorado Denis Thatcher, previu que sua derrota nas eleições de 1950 seria o início de sua longa trajetória política. Mas o filme não é uma epopéia, é mais o ocaso da líder política direitista, chamada pelos russos de “Dama de Ferro”.
Ela surge na terceira idade, convivendo com a filha Carol (Olívia Colman) e os fantasmas do falecido marido Denis (Jim Broadbent), senil, curvada, tendo insigths sobre seus tempos de glória. Entre um e outro entrecho, Lloyd, a partir do roteiro de Abi Morgan, mostra sua trajetória – da juventude como Margareth Roberts (Alexandra Roach) ao Parlamento (Câmara dos Comuns), a liderança no Partido Conservador e a ascensão ao cargo de primeira-ministra (1979/1990). Única mulher a ocupá-lo em seu país.

Caricatura de si mesma

A opção de Lloyd por mostrá-la fragilizada é das mais acertadas, pois se contrapõe à sua época de vigor físico e intelectual. De uma mulher, mãe de um casal de gêmeos, apegada ao poder, cuja prepotência beirava a insanidade. E se vê reduzida a uma caricatura de si mesma. Mostra-a sem resquícios do suposto glamour intentado por seus marqueteiros para torná-la palatável para o eleitorado inglês. É a ex-poderosa entregue às fragilidades da terceira idade. Esta opção permite à narrativa oscilar entre o horror da decadência e sua trajetória de ascensão. Sem o realismo e o espetaculoso com que este tipo de filme normalmente é encenado e o dota de clima crepuscular.

Nada da ministra da Educação que condenou as greves que paralisaram as escolas e acusou o sindicato dos mineiros de ser contra a economia inglesa. E, depois, como primeira-ministra, escolheu como prioridades a derrota do Socialismo e os já citados pilares do neoliberalismo. Ela os levou adiante com ferocidade. Chegou a acusar seus colegas de partido de fraqueza diante das lideranças sindicais. “Vocês têm medo de enfrentá-las”, como se fosse uma questão de coragem ou não. Detestava inclusive ser desafiada.

Ao saber da tentativa de retomada das Ilhas Malvinas (02/04 a 15/06/1982) pela ditadura do general Leopoldo Gualtieri, chamou a junta militar argentina de gangue fascista e disse que não iria “negociar com bandidos”. E usou vinte e oito mil soldados e dezenas de navios e fragatas para derrotar as forças argentinas, com saldo de milhares de mortos. Esta retomada do território pertencente à Argentina ajudou-a a estimular a auto-estima britânica e expandir as políticas que privilegiavam o capital, enquanto os trabalhadores perdiam seus empregos e a assistência social. Mas não evitou a resistência popular.

Em 1984, começou a enfrentar grave crise econômica e se isolar no governo. Numa das emblemáticas sequências do filme, ela critica rispidamente seus ministros numa reunião de gabinete, enquanto corrige os erros gramaticais do documento que lhe foi entregue. “Isso aqui é vergonhoso”, desabafa. Embora a União Soviética tivesse ruído, em 1989, não lhe deu sobrevida. Acabou substituída em 1990, por seu ministro das Finanças, John Major. Suas malfadas políticas neoliberais a derrubaram.

Ainda que o filme seja nela centrado, faltam-lhe contrapontos reais, que não as intervenções do líder trabalhista e as manifestações de rua. Ampliariam a visão de sua época e do desacerto de suas políticas. Elas engendram as crises estruturais do sistema capitalista desde então. Melhor para os Brics. Não é um bom legado para quem “queria fazer diferença no mundo”.

“A Dama de Ferro” (“The Iron Lady”). Drama Histórico. Reino Unido. 2011. 105 minutos. Fotografia: Elliot Davis. Música: Thomaz Newman. Roteiro: Abi Morgan. Direção: Phillida Lloyd. Elenco: Meryl Streep, Jim Broadbent, Olívia Colman
(*) Oscar 2012: Melhor Atriz (Meryl Streep) e melhor maquiagem.

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