Marighela: “Não podia nem rir”
A vida agitada do dirigente, poeta e teórico comunista Carlos Marighela é tema deste documentário de sua sobrinha, a cineasta Isa Ferraz A soma das partes de uma obra de arte deve ser maior que o todo. A diretora Isa Grinspum Ferraz leva o espectador a isto ao traçar o carinhoso perfil de seu tio Carlos Marighela (1911/1969), a partir de suas próprias memórias.
Publicado 13/09/2012 16:29
Em seu documentário “Marighela”, ela pega seus tempos de garota, o vai-e-vem do tio misterioso, a brutalidade da Ditadura Militar (1964/1985), a guerrilha urbana e a Guerra Fria para desvendar o mito familiar. E ao fazê-lo traça um quadro do movimento comunista no Brasil de 1932 a 1969.
Como se trata de memória, Isa Ferraz mescla sua narrativa na primeira pessoa e a do tio na terceira, na voz do ator baiano Lázaro Ramos. Tem-se desta forma o amálgama de duas vozes se sobrepondo para dar conta mais das ações do tio do que de suas próprias, como é natural. Esta estética dá conta de seu objetivo com imagens em preto e branco e sépia de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, intercaladas por depoimentos a cores de Clara Charf, companheira de Marighela, do crítico Antonio Cândido, do antropólogo baiano Antonio Risério e dos que com ele militaram.
Poderia ser um mergulho pessoal não fosse Marighela. Poeta, teórico, político e revolucionário comunista, nascido em Salvador, ele é central para o entendimento do movimento comunista no Brasil. Como se trata de um perfil, Isa Ferraz mostra suas várias facetas, sem deixar de contextualizá-las, dando a dimensão do cinebiografado. Risério sintetiza sua vida, dizendo que ele trazia no sangue o anarquismo do pai imigrante italiano Augusto Marighela e da mãe Maria Rita do Nascimento, descendente de escravos malês.
Foram 37 anos de militância comunista. Começa com sua primeira prisão em 1932 por escrever contra Juracy Magalhães, interventor na Bahia, durante o Estado Novo (1930/1937) e a entrada no Partido Comunista do Brasil (PCB), ainda nos anos 30, e termina durante a Ditadura Militar, numa emboscada em que foi executado pelo delegado do Dops (Delegacia de Ordem Política e Social), Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca, na área central de São Paulo, em 04/11/1969. Sua vida foi sob perseguição, fuga, prisão, tortura, sem jamais abandonar a luta revolucionária.
Foquismo se perdeu
Esta caça imposta pela burguesia nacional por temer o crescimento do movimento comunista, tornou-o, e a todos militantes e dirigentes, preocupado com segurança. Clara Charf conta que tudo entre eles era sigiloso. Nunca sabia onde ele estava ou quando voltaria, e alertava-a para não relaxar a vigilância. Disse-lhe para tomar cuidado na rua, pois algum agente do Dops poderia identificá-la apenas pela maneira de rir. “Imagine a vida que levávamos; a gente não podia nem rir”, lamenta ela entre risos e lágrimas. No entanto, Isa Ferraz não entra nos meandros das divergências partidárias do tio.
Depois do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), em 1956, no qual Nikita Kruschev adotara o revisionismo, o PCB havia mudado de nome. Era agora Partido Comunista Brasileiro. Deixara de ser um partido revolucionário. Marighela divergia desta mudança. Foi expulso do partido em 1967. E fundou a ALN (Ação Libertadora Nacional) em 1968, adotando como estratégia o foquismo (cerco das cidades a partir do campo), influência da revolução cubana, e a guerrilha urbana. Entre as ações da ALN está o sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, em conjunto com o MR-8 (Movimento Oito de Outubro), em 1969.
É este revolucionário comunista que emerge das imagens estruturadas por Isa Ferraz. Ela consegue, numa ágil montagem, articular as etapas agrárias e urbanas da “revolução comunista no Brasil”, projetadas por Marighela, com sequências de “Deus e o Diabo da Terra do Sol” (Glauber Rocha, 1964) e de “Macunaíma” (Joaquim Pedro de Andrade, 1969). A exploração no campo, tratada por ele em “Alguns Aspectos da Renda da Terra no Brasil (1958), e a estratégia