“7 Dias em Havana”: Olhos de Cegos

Filme de cineastas de várias nacionalidades tenta captar as nuances e as contradições da capital cubana

“7 Dias em Havana”, mosaico de curtametragens, não é uma homenagem ou um perfil da capital cubana, é simplesmente leitura pessoal dos diretores. As histórias, uma para cada dia da semana, se passam durante o tradicional Festival de Cinema de Havana e se prestam a um olhar estrangeiro sobre a vida na cidade. E são dirigidas por cineastas de diversas nacionalidades. Esta variedade de olhares prende-se, muitas vezes, à região histórica da cidade, com seus casarões e prédios antigos, habitados por trabalhadores cubanos. E repetem os clichês reforçados pela mídia burguesa na maioria dos países.

Há neles, no entanto, uma tentativa de captar o clima popular, como no curta de abertura, “Yuma”. O portorriquenho Benício Del Toro (“Chê”) põe o estadunidense Teddy Atkins (Josh Hutcherson), estudante da Escola de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, a percorrer os lugares já vistos em outros filmes. Dentre eles a casa da família que sofre escassez de alimentos, os prédios que viram bordéis, o travesti barrado pelo recepcionista do hotel. Atkins acha que pode comprar todas as cubanas. O travesti que tenta seduzir lhe mostra que o dólar não compra tudo. A crise de 2008 o fragilizou.

A falsa visão de que o melhor está do lado capitalista é reforçada no curta “Tentação de Cecília”, do espanhol Julio Medem. O jovem empresário (Daniel Brühl) se diz apaixonado pela cantora cubana Cecília (Melvis Estevez) e lhe oferece bom contrato para viver com ele em Madri. Não bastasse isto, o companheiro dela, José, sonha com brilhante carreira como jogador de beisebol nos EUA. Medem resolve este impasse em cenas picantes, sem o temor de que sexo entre afrodescendentes choque as platéias classe média, como acredita Hollywood, e não só lá. A mentalidade escravista ainda persiste.

Seduzidos pelo capitalismo

O cubano Juan Carlos Tabio completa esta história em seu emblemático “Doce Amargo”, em que deslinda as agruras do casal Mirta (Mirta Ibarra) e Daniel (Jorge Perugorria). Às voltas com o orçamento escasso, eles driblam a vigilância do sistema fazendo bolos e confeitos para festas. Ela, psicóloga, conselheira comportamental de um programa de TV, sofre com o alcoolismo do companheiro, general reformado. Não bastasse isto, a filha Cecília cede ao ímpeto de José embarcando numa precária balsa rumo à Flórida. Tabio e Medem não encontram outras alternativas. É uma saída dramatúrgica fácil.

Se Tabio e Medem arranham os problemas, o francês Laurent Cantet (“Entre Os Muros da Escola”) decide em “A Fonte” ir adiante ao entrar na casa da idosa Marta, devota de Oxum. Ela assegura que a Virgem Maria lhe pediu para mudá-la de lugar, construindo uma fonte para “adoração”. Desta forma Cantet entrelaça a crença e o jeitinho cubano de resolver seus problemas de fé. Nem que tenha de burlar as autoridades. A solidariedade se estabelece e Marta, afinal, em nome de Oxum, consegue o que quer. Embora sofra preconceito em muitos países, a religião de matriz africana é fonte de unidade popular. Cantet bem o aprendeu.

Mas o argentino Gaspar Noé beira o ridículo com seu curta “Ritual”. Ele o começa bem, flagrando o comportamento de adolescentes, dançando música ocidental longe dos pais. E o aprofunda mostrando a relação do casal de lésbicas – uma afrodescendente, outra branca. O pai da primeira tenta, através do pai de santo, exorcizar o suposto demônio que dela se apossou. Noé não toma partido, deixando o espectador avaliar o que viu na tela. Não poderia ser mais acintoso, afinal não se trata de doença ou de pecado.

Dois outros curtas procuram desvendar Havana por outros métodos. O argentino Pablo Trapero (“Elefante Branco”), em “Jazz Sesson” prefere perambular com o cineasta sérvio Emir Kusturica pela noite. Este, entediado com festivais de cinema, prefere fugir de tudo e de todos. É o mais enfadonho dos curtas. Inventivo e satírico é o israelense Elia Suleiman em “O Diário de Um Principiante”. Em suas caminhadas por Havana, com pouco diálogo e em planos sequência, ele, como personagem, fica diante de diversas situações, como Jaques Tati em “Meu Tio”. Observa pessoas estáticas, em locais desertos, como se nada acontecesse. Foge ao lugar comum, embora seu propósito seja a de denunciar a suposta “imutabilidade do sistema”.

“7 Dias em Havana”, como se vê, é um filme desigual. Pelas nesgas das abordagens surgem várias havanas. Suleiman chega perto de desvendá-las ao deter-se no discurso de Fidel Castro. Ali aparecem as reais causas das fraturas cubanas. Sem falar no radical cerco a Cuba, ampliado pela Lei Helms-Burton. Mas cada cineasta tem a sua Havana. Para alguns, ela se resume aos velhos prédios, aos carros antigos e a escassez. Nenhum deles revela o cotidiano da cidade, seus personagens, seus recantos, o que ela contém de reflexo do sistema. Só cresce quando deixa de lado os clichês e enfrenta, de verdade, as contradições do sistema que está em franca mutação. Isto não está na tela.

“7 Dias em Havana”. (“7 Dias em la Habana”). 
França/Espanha.
Drama. 2012. 129 minutos.
Fotografia: Daniel Arroyo.
Roteiro: Leonardo Padura.
Direção: Benício Del Toro, Elia Suleiman, Gaspar Noé, Juan Carlos Tabio, Julio Medem, Laurent Cantet, Pablo Trapeiro.
Elenco: Josh Hutcherson, Melvis Estevez, Daniel Brühl, Emir Kusturica, Jorge Perugorria, Mirta Ibarra.

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