O cinema e sua dimensão política hoje

Hoje, o cinema continua importante, mas o cinema brasileiro prossegue perdido, dominado pela política norte-americana. É a cabeça da produção de Hollywood que manda no cinema brasileiro

Fotomontagem feita com as fotos de: Lucky/Pexels;

O cinema já nasceu como a arte de maior dimensão política, mais do que a literatura. E isso por causa da sua dimensão simbólica. Da representação que desde o início começou a ter da realidade. Uma das cenas primeiras mais famosas do cinema foi certamente a cena do trem entrando em uma estação na França. E assim os espectadores já reagiram como estando vendo e participando do total realismo. Os norte-americanos agiram com toda a competência e desse modo conseguiram ganhar para si o cinema chamado de Hollywood. Outro movimento fundamental foi na União Soviética, com um movimento cinematográfico grandioso, mas que, como seus filmes foram mais artísticos do que divertidos, não chegou ao total sucesso. Talvez se o cinema soviético tivesse sido tão popular quanto o de Hollywood, os soviéticos não tivessem perdido o poder. A História hoje seria outra. Outro movimento também muito importante no mundo foi o do Cinema Novo brasileiro, mas esse movimento foi destruído pelo golpe de 64.

Hoje, o cinema continua importante, mas o cinema brasileiro prossegue perdido, dominado pela política norte-americana. É a cabeça da produção de Hollywood que manda no cinema brasileiro. E eu lembro do caso recente do 49º Festival de Gramado, cujo filme de encerramento foi “Fourth grade”, dirigido por Marcelo Galvão. Este é conhecido como um produtor destacado no Brasil e reside nos Estados Unidos. Ele dirige filmes também. E esse filme é uma demonstração do que os produtores sempre quiseram que o filme brasileiro fosse. Uma cópia explícita do cinema de Hollywood. O contrário justamente do que o pessoal do Cinema Novo queria, que era criar filmes autenticamente brasileiros, expressão pura da nossa realidade cultural e foi o que foi destruído pelos ditadores de 64. Sem dúvida, o Festival de Gramado é o mais dominado pelo governo em sua feição oficial, e assim eles apresentam uma seleção de filmes como isenta, mas no final fazem esse gesto de colocar justamente uma obra que tenta mostrar como fundamental um cinema que é cópia. E não um cinema autêntico.

Olinda, 05.09.21

Entre nós, um segredo

Filme “Entre nós, um segredo”, de Beatriz Seigner

Um bem documentado filme sobre a cultura do Mali, África ocidental, feito pela cineasta Beatriz Seigner, que tem doze anos de atividade e com direção de alguns filmes, entre eles “Los silencios”, que fez sucesso na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Toumani Kouyaté e outros integrantes da família Kouyaté do Mali fez o convite para Beatriz, e ela se incorporou ao trabalho como se fosse uma malinesa. “Between us, a secret” está em cartaz no Mubi, com boa exibição e legendagem, embora dê para entender o francês dos griots que falam e contam as histórias reais do país. Reais e secretas. E bem expressivas de quanto eles ainda continuam a ser uma cultura primitiva. E autêntica, apesar da pressão da Civilização. Vale como um trabalho de antropologia, ao mesmo tempo que é agradável de ser conhecido. É uma produção de 2014.

Olinda, 11.08. 2021

Filme para poeta cego

Filme “Filme para poeta cego”, de Gustavo Vinagre

É certamente um título belo este, “Filme para poeta cego”, e o filme corresponde e também é belo. O autor é o cineasta carioca Gustavo Vinagre, que é um artista capaz de roteirizar, atuar e dirigir. E o que é na verdade essencial, sabe estruturar uma obra cinematográfica. O poeta é Glauco Matoso, poeta conhecido desde os tempos do tropicalismo nos anos 60 e na poesia de vanguarda. E poesia erótica. De uma forma precisa, o filme e o poeta discutem a autonomia que um criador pode ter no uso ou não do masoquismo e outras formas sexuais. Está muito denso o jogo que eles dois conseguiram na construção cênica do filme, com Gustavo Vinagre contracenando com Glauco Matoso em cenas masoquistas ou não.

Os outros filmes de Gustavo Vinagre que estão em exibição no Making Off são o “Vil.Ma”, que foi exibido no recente Festival do Rio de Janeiro, e “Nova Dubai”. Esses dois filmes não estão na altura construtiva de “Filme para poeta cego”. “Vil.Ma” é um longa de 1h30m de duração e durante todo esse período temos uma senhora narrando acontecimentos da sua vida como prostituta. E “Nova Dubai” cria alguns momentos de sessão psicanalítica, mas muito tempo é gasto com cenas de sexo explícito homo entre homens. Me parecem cenas desnecessárias e que se tornam grosseiras para o contexto do filme. O título “Nova Dubai” vem de um projeto de construção de enormes edifícios em conjunto financiado por um grupo capitalista do Oriente.

Enfim, o cineasta Gustavo Vinagre merece atenção, e certamente tem outras produções para mostrar.

Olinda, 06. 09. 21

A máquina de fazer espanhóis

Livro “A máquina de fazer espanhóis”, de Valter Hugo

Nunca tinha lido um romance de Valter Hugo Mãe. O primeiro foi esse “A máquina de fazer espanhóis”. Tinha uma certa antipatia pela pessoa do escritor. E li vários romances de Agualusa. Mas fui levado a ler “A máquina de fazer espanhóis” por indicação do cineasta Helder Pessoa Lopes, que me disse considerar essa obra ‘um excelente romance’. O livro tem vinte e um capítulos e meu gosto variou de acordo com o capítulo que eu estava lendo. Mas no final fui levado a concordar com Helder.

Existe muita diferença entre um romance brasileiro e um escrito por um português. O português de cada um tem muitas especificidades. Mas é claro que também existem diferenças fundamentais entre um Saramago e um Mãe ou um Agualusa. Eu mantive uma certa resistência para gostar dessa linguagem do Mãe. Falando especificamente sobre casas para idosos, me lembrei de muitos casos de autores japoneses. Mas para mim Mãe falava sobre uma estória que ele estava construindo. Essa estória não foi realmente vivenciada por Mãe, mas foi “construída” por um excelente romancista que ele prova ser. E por isso mesmo a sua emoção não é sempre fechada em torno de uma obra, como acontece quando leio um romance de Yasunari Kawabata. Cada sequência da narrativa cria uma emoção mais densa ou menos.

No final, porém, ficamos com a ideia de que “A máquina de fazer espanhóis” é um excepcional romance e obra fundamental para se conhecer a nação portuguesa e a cultura portuguesa. Particularmente nos seus anos próximos passados no século XX, quando o povo era dominado pelo ditador Salazar. Uma figura tão medíocre quanto o presidente do Brasil atual. Através da personagem principal, o senhor Silva, Mãe conta certamente que para os próprios portugueses como eles mesmos faltaram com a coragem necessária para que não houvesse o regime fascista. É incrível como através da estória do senhor Silva e de como ele narra a história da casa de saúde Feliz Asilo e de seus habitantes, o leitor ficará sabendo de forma fundamental sobre quem foi Portugal no período salazarista e também sobre a nação atual, claro.

Do ponto de vista da construção literária do romance, o que mais se destaca é o fato de Mãe ter utilizado a forma minúscula das letras quando normalmente seria maiúscula. Tem um significado e Mãe não fez isso apenas para “ser diferente”. Através desse formato o autor buscou explicitar uma unidade na história daqueles personagens. A impressão que tenho é que ele frisa uma força maior na narração daquela história.

A partir da leitura de “A máquina de fazer espanhóis”, vou tentar ler outros livros de Valter Hugo Mãe. E me aproximar mais da literatura portuguesa.

Olinda, 03. 08. 2021

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