Orfeu Negro, o filme que eternizou o Carnaval brasileiro no cinema mundial

Vencedor da Palma de Ouro e do Oscar, o longa de Marcel Camus apresentou ao mundo um Brasil de música, paixão e tragédia, embalado pelo lirismo de Vinicius de Moraes

Orfeu e Eurídice no Carnaval carioca: amor, tragédia e poesia no filme que levou o Brasil ao Oscar Foto: Reprodução/ Filme

No ritmo do Carnaval, a vida se desdobra em ciclos: alegria que explode na avenida, promessas de um amor eterno que dura apenas quatro dias, brilhos que se apagam na Quarta-Feira de Cinzas. No filme Orfeu Negro (1959), essa mesma efemeridade pulsa em cada cena. 

Há um amor que nasce no primeiro acorde de um samba, uma paixão tão intensa quanto passageira, e uma tragédia que já está escrita no compasso das batidas do tamborim. Como o Carnaval, a história de Orfeu e Eurídice é feita de excessos, delírios e desfechos que já se sabe inevitáveis.

Antes de Fernanda Torres, antes da expectativa por um Oscar para o Brasil, houve Orfeu Negro. Em 1959, o filme venceu a Palma de Ouro em Cannes. Em 1960, conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. 

Foi a primeira – e até hoje única – vez que uma produção em língua portuguesa recebeu o prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Mais do que um triunfo, foi um cartão de visita: a festa brasileira, sua música e sua tragédia se apresentavam ao mundo.

Orfeu Negro transformou o Brasil em um espetáculo para os olhos do mundo. A favela carioca virou o palco de um mito grego, e o Carnaval, a trilha sonora de uma tragédia antiga como o tempo. 

Mas se a consagração internacional parecia coroar o filme como um embaixador da cultura brasileira, dentro do próprio país a recepção foi um tanto mais ambígua: seria essa uma representação fiel do Brasil ou um reflexo distorcido, feito para encantar os estrangeiros?

O filme, dirigido pelo francês Marcel Camus, é uma adaptação livre da peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes. No palco, Vinicius imaginou um Orfeu negro, poeta e sambista do morro, para dar ao mito uma raiz genuinamente brasileira. 

No cinema, porém, essa essência se dilui em um colorido quase artificial, embalado pela visão romântica de um país onde a dor se dissolve em dança e a pobreza é apenas mais um elemento do cenário exótico.

A tragédia de Orfeu e Eurídice se desenrola sob os arcos do Sambódromo invisível da cidade: ele, condutor de bonde e sambista; ela, uma menina do interior que chega ao Rio de Janeiro fugindo de um destino que a persegue. 

O amor deles se perde nos becos da favela, se esconde entre os estandartes de uma escola de samba, desaba como um enredo mal contado quando a quarta-feira chega sem aviso. Porque é sempre assim: no Carnaval, quem brinca com a ilusão, inevitavelmente, encara a realidade quando o dia amanhece.

A trilha sonora, composta por Tom Jobim e Luiz Bonfá, é o que há de mais eterno na obra. Canções como A Felicidade e Manhã de Carnaval sobreviveram ao tempo, atravessaram gerações e foram regravadas mundo afora. Elas carregam o mesmo dilema que o filme: entre a beleza e a melancolia, entre a alegria passageira e a ressaca inevitável.

E então resta a pergunta: o que é mais forte em Orfeu Negro — a verdade ou a fantasia? O que se viu na tela grande foi um Brasil real ou uma versão cinematográfica feita para exportação? O filme nos imortalizou no cinema mundial, mas será que nos representou?

Para além das críticas e dos aplausos, uma coisa é certa: o Carnaval de Orfeu nunca terminou. Ele continua nas esquinas, nos desfiles, nas ruas que acordam ao som do surdo e se despedem ao som do violão.

No fim, talvez seja esse o maior mérito de Orfeu Negro: mostrar que a vida, como o Carnaval, é um samba eterno, feito de amores, tragédias e saudades que nunca se apagam.

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