Mais de dois mil veículos de mídia desapareceram no Brasil em uma década
Levantamento aponta crise no jornalismo tradicional, impacto da pandemia e desafios no financiamento de novas mídias digitais.
Publicado 14/03/2025 12:45 | Editado 16/03/2025 09:38

Um levantamento do projeto Mais pelo Jornalismo (MPJ) revelou que 2.352 veículos de mídia desapareceram no Brasil desde 2014. No período, 10.795 veículos, entre jornais, rádios, TVs e portais, foram criados, mas 13.147 encerraram suas atividades. O saldo negativo escancara as dificuldades do setor, especialmente no jornalismo tradicional.
“O saldo em uma década é negativo e nós não estamos falando de mídias pequenas. São mídias centenárias, que representavam cidades muito populosas e que simplesmente foram descontinuadas porque a transformação digital e a maneira que as pessoas consomem notícia impactou o negócio do jornalismo”, explica Fernanda Lara, CEO do I’Max, plataforma de mailings de imprensa que financiou o estudo.
Crise agravada na pandemia
A pandemia de covid-19 acelerou o fechamento de veículos jornalísticos. Entre 2021 e 2022, os números foram ainda mais alarmantes, conforme destaca Fernanda. “A partir de então, vemos uma recuperação. Nos últimos dois anos, 2023 e 2024, a produção jornalística brasileira ganhou fôlego, mas os números acumulados ainda assustam. Apesar dessa leve recuperação, o déficit permanece bem mais elevado do que tínhamos em 2020, quando o acumulado estava em 1.429”.
A análise também trouxe dados específicos sobre a presença digital dos veículos de comunicação em cidades com até 100 mil habitantes. Entre 2,4 mil estações de rádio analisadas, 52% (1.248) não possuíam portal de notícias. Já entre 1 mil veículos impressos, 21% (214) não tinham site próprio, evidenciando uma defasagem na transição para o ambiente digital.
Migração para o digital e desafios do financiamento
A jornalista e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho, da ECA/USP, Claudia Nonato, observa que a transição do jornalismo tradicional para o digital não ocorreu de forma equilibrada. “Nesse movimento, o número de impressos foi reduzido, enquanto as rádios se ampliaram (com a facilidade da internet), os veículos digitais (blogs, sites e plataformas) se fortaleceram e se tornaram muito mais atrativos para esses profissionais, que inclusive se motivaram a criar novas mídias”, afirma.
No entanto, a sustentabilidade financeira dessas novas mídias segue como um grande desafio. Para Claudia, os pequenos veículos enfrentam dificuldades na captação de recursos, sobrevivendo por meio de financiamento coletivo, editais públicos e apoio de fundações. “As grandes plataformas, como a Meta e Google, entre outras, viram nessas iniciativas uma oportunidade de investimento, em troca do trabalho, dos dados e informações desses profissionais”, observa.
O estudo mostra que, apesar da crise, há sinais positivos. O Atlas da Notícia registrou uma redução de 9,5% no número de municípios considerados desertos de notícias no Brasil, além do crescimento das rádios comunitárias e do jornalismo local. Ainda assim, a desinformação e as mudanças no consumo de notícias representam desafios constantes para a área.
“A grande dificuldade está no financiamento desses pequenos veículos. Mesmo com novas iniciativas e modelos de distribuição de conteúdo, garantir a sustentabilidade do jornalismo independente e de qualidade segue sendo uma tarefa árdua”, conclui Claudia Nonato.
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com agências