Isenção do imposto de renda – gol de placa do governo federal
“Ao preservar uma maior fatia do salário líquido do povo, a isenção pode estimular o consumo interno, fator essencial para o dinamismo da economia.”
Publicado 26/03/2025 10:40

A recente proposta do governo federal de isentar do Imposto de Renda (IR) aqueles que recebem até cinco mil reais mensais tem gerado variados debates acerca de seus possíveis impactos. De maneira direta, essa medida pode ser entendida como uma tentativa de, minimamente, tentar reequilibrar a distribuição de renda em um país marcado por profundas desigualdades econômicas. Ao aliviar a carga tributária sobre a maior parte do povo, corrige-se (ao menos um pouco) uma distorção histórica que penaliza os menos favorecidos enquanto privilegia os setores que concentram a maior parte da riqueza.
O próprio Marx (2013) enfatizou que a estrutura econômica capitalista se fundamenta na exploração do trabalho. Nesse contexto, a isenção fiscal para esta faixa de renda é uma forma de se tentar reduzir a expropriação indireta da mais-valia produzida pela força de trabalho. Isso se dá, pois quando o trabalhador paga impostos abusivos sobre sua renda já reduzida, parte de seu poder aquisitivo é comprometido, ampliando a precariedade e reforçando (ainda mais) a desigualdade social.
A redistribuição de renda através da tributação progressiva é uma das principais ferramentas para a promoção da justiça social em uma sociedade capitalista. Luxemburgo (2010) destaca que o Estado, neste modo de produção, tende a reproduzir as desigualdades existentes. Por isso, medidas como essa têm potencial de mitigar um pouco o profundo abismo dessas desigualdades, devolvendo parte da riqueza gerada à quem lhe é de direito.
Ao preservar uma maior fatia do salário líquido do povo, a isenção pode estimular o consumo interno, fator essencial para o dinamismo da economia. Como bem ensinou Marx (2013), o capital se reproduz através da circulação de mercadorias. Ou seja: Quando as pessoas têm mais dinheiro em mãos, ampliam seu consumo, gerando demanda e estimulando a produção. Isso, por sua vez, pode resultar na criação de novos postos de trabalho e na dinamização do mercado interno.
Na perspectiva de Gramsci (1999), ao implementar uma medida que favorece diretamente parcela significativa do eleitorado, o governo pode fortalecer sua base de apoio popular e legitimar seu projeto político inclusivo. Contudo, é importante que essa isenção seja acompanhada por uma reforma tributária mais ampla, que inclua a taxação progressiva das grandes fortunas e dos dividendos.
No Brasil, a desigualdade econômica é agravada por um sistema tributário regressivo, em que os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Fagnani (2015) mostra como a carga tributária brasileira incide principalmente sobre o consumo, penalizando justamente quem mais precisa. Essa isenção contribui (mesmo que seja só um pouco) para atenuar essa distorção, permitindo uma maior equidade.
Outro ponto que merece destaque é pensarmos o papel do Estado na reprodução das condições materiais de existência (Poulantzas, 2000). A dispensa fiscal, ao garantir que a maior parte do rendimento do povo permaneça com eles, contribui para melhorar as condições de reprodução da força de trabalho, aumentando o acesso a bens e serviços essenciais.
Ademais, a medida pode colaborar para a redução do endividamento das famílias. Em um contexto de juros elevados como o que vivemos, muitos têm parte significativa de sua renda comprometida com dívidas. Com mais dinheiro em mãos, a população pode vir a reduzir o nível de endividamento e recuperar seu poder de compra, favorecendo o crescimento econômico.
Nunca é demais ressaltarmos que essa proposta não resolve as contradições fundamentais do nosso injusto sistema econômico, mas é uma ferramenta importante para a melhoria das condições de vida do povo. Essa ação não pode vir desvinculada de uma agenda mais ampla de transformação social, que inclua a democratização do acesso à renda e à riqueza.
Assim, ao mesmo tempo em que pode ser vista como uma medida paliativa, a proposta de isenção do IR é também um passo importante na direção de um sistema tributário mais justo. Embora a solução definitiva para as desigualdades passe por transformações mais profundas, medidas como essa é um passo necessário para reduzir o sofrimento imediato das camadas mais vulneráveis da população, bem como para construir um caminho em direção a uma sociedade mais justa e solidária.
Referências bibliográficas:
FAGNANI, Eduardo. Gasto Público, Tributação e Desigualdade no Brasil. Campinas: Unicamp, 2015.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução?. São Paulo: Boitempo, 2010.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo, 2013.
POULANTZAS, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2000.