Qual será o futuro da Igreja Católica após o papado de Francisco?

Dependerá de como o legado progressista de Francisco será interpretado em um cenário global cada vez mais conservador e polarizado.

Foto: EPA/Ansa - Brasil

Desde sua eleição em 2013, o papado de Francisco foi marcado por gestos simbólicos e reformas que sinalizam no sentido de uma possível guinada um pouco mais progressista para a Igreja Católica. Sua ênfase em temas como justiça social, Meio Ambiente, misericórdia e inclusão de marginalizados ecoa, em parte, o espírito do Concílio Vaticano II (1962-1965), liderado por João XXIII, que buscou modernizar a Igreja, e que teve seu breve papado sucedido por João Paulo II, que interrompeu esse ciclo. Contudo, Francisco caminhou além, desafiando estruturas hierárquicas rígidas e abordando questões sensíveis, como a abertura a divorciados e a crítica ao capitalismo desenfreado. 

A imprensa nacional e internacional se esforça para passar ao largo do termo “progressista” ao noticiar seu falecimento, buscando subterfúgios e adjetivos diversos que impeçam uma conotação tão transformadora para sua obra.

Na verdade, o argentino Jorge Mário Bergoglio pode ser considerado sim um progressista se analisarmos o seu papado no contexto de ascensão do conservadorismo e da ultradireita no mundo, ambiente propicio para ideias retrógadas. Sendo assim, seus pronunciamentos, escritos e posturas colaboram para um ambiente mais avançado, moderno, e mesmo progressista, na Igreja Católica e no mundo. Além de ter sido a ponta de lança de um movimento interno que busca reposicionar a Igreja Católica que vinha de denúncias de pedofilia entre seus padres, sem política de punição mais rígida, e dos escândalos na administração do Banco do Vaticano, heranças dos papados de João Paulo II e Bento XVI.

Franciso também realizou um papado com o desafio de enfrentar a diminuição dos fieis ao catolicismo no planeta, apenas 17% da população hoje se identifica com a religião, com queda expressiva na América Latina, que assiste a ascensão das igrejas evangélicas fundamentalistas. O movimento de retomada do catolicismo ocorre com força no continente africano, que traz números expressivos no aumento de fieis durante o papado de Francisco.

Historicamente, o papado vem oscilando entre conservadorismo e as reformas. Figuras como Pio IX (1846-1878), que condenou o modernismo no Syllabus Errorum, contrastam com João XXIII, que abriu diálogo com o mundo contemporâneo. A eleição de um papa, determinada pelo conclave de cardeais, reflete tensões internas: em 2013, a escolha de Jorge Mario Bergoglio, primeiro jesuíta e latino-americano, indicou um desejo de renovação pastoral e atenção ao Sul Global. 

Francisco, porém, enfrentou duras resistências. Seu estilo colegial, expresso em sínodos que ampliam a participação de leigos e bispos, e documentos como Laudato Si (2015) e Fratelli Tutti (2020), sugerem um projeto de Igreja mais sinodal e menos centralizada. Seu pontificado pode pavimentar o caminho para futuras mudanças ou não, como trazer a ordenação de mulheres a diaconisas ou uma abordagem mais pastoral para LGBTQIA+.

Contudo, a tradição católica, ancorada em dois milênios de doutrina, impõe limites à velocidade das transformações, bem como o ambiente ultraliberal e conservador que aqui já citamos, haverá grande pressão por um papa conservador, restaurador dos dogmas, com possível influência do atual presidente dos EUA e seu vice recém convertido ao catolicismo nesse processo. 

O legado de Francisco dependerá de como seus sucessores interpretarão seu pontificado. Se, no futuro, conclaves priorizarem cardeais alinhados a seu viés, a Igreja poderá consolidar um rosto mais aberto. Caso contrário, seu papado poderá ser visto como um parêntese, similar ao de João XXIII antes da reafirmação conservadora de João Paulo II. De qualquer forma, Francisco já redefiniu o imaginário do papado, provando que a instituição, mesmo milenar, não é imune à reinvenção.

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