O ódio como estratégia política: a reconfiguração da mobilização no Brasil
Em vez de se apoiar em projetos políticos concretos, a extrema-direita têm canalizado ressentimentos e frustrações para consolidar adesões e formar identidades políticas
Publicado 08/05/2025 08:41

Nos últimos anos, a política brasileira tem sido marcada por um fenômeno inquietante: a utilização do ódio como ferramenta de mobilização e articulação. Em vez de se apoiar em projetos políticos concretos, a extrema-direita e determinados setores conservadores têm canalizado ressentimentos e frustrações para consolidar adesões e formar identidades políticas. Esse deslocamento na forma de engajamento sociopolítico levanta uma questão central: de que maneira o ódio substituiu propostas políticas tangíveis e se tornou um mecanismo estratégico de organização e manipulação social?
O capitalismo, ao longo da história, construiu uma narrativa baseada na promessa de riqueza e prosperidade. No entanto, os benefícios desse sistema concentram-se em uma minoria, deixando uma parte expressiva da população à margem. Esse quadro de exclusão econômica e social gera ressentimento e indignação, sentimentos que sempre estiveram presentes na sociedade, mas que, no passado, eram mediados por instituições como igrejas e partidos políticos. Essas entidades desempenhavam um papel crucial na canalização do descontentamento, transformando-o em projetos sociais e políticos estruturados.
A configuração política brasileira mudou significativamente ao longo das últimas décadas. Durante os anos 1990, a implementação de políticas neoliberais resultou no desgaste da direita governante, enquanto a esquerda soube transformar a indignação popular em uma agenda eleitoral vitoriosa, assumindo o governo nos anos 2000. No entanto, o desgaste natural do poder, somado às manifestações de 2013 e à Operação Lava Jato em 2014, levou a uma crise de confiança na política institucional e ao enfraquecimento da esquerda, que culminou no golpe parlamentar na Presidente Dilma.
Novos mediadores do ressentimento e a ascensão da direita conservadora
Paralelamente a essa crise política, dois fenômenos socioculturais redefiniram o cenário nacional: o declínio de parte da Igreja Católica – representados pela teoria da libertação – e a ascensão das igrejas evangélicas. Os setores evangélicos, mais conservadores e resistentes a pautas progressistas, passaram a desempenhar um papel cada vez mais relevante na organização da indignação popular. Além disso, grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e os “indignados online” compreenderam o potencial das redes sociais como ferramenta de mobilização e manipulação da opinião pública.
Atualmente, aproximadamente 30% da população brasileira se declara evangélica, consolidando esse grupo como um dos principais pilares da nova direita. Associado ao bolsonarismo e aos movimentos liberais-conservadores como o MBL, o setor evangélico compõe uma estrutura de mobilização conservadora (desenvolvo essa análise no vídeo: Quem é a extrema direita hoje – https://youtu.be/P6bwlkbR9P0?si=GggttoSXWM-VIZSG) que se fortalece a partir de discursos simplificados e narrativas populistas. As redes sociais desempenham um papel essencial nesse processo, permitindo que líderes políticos e influenciadores moldem a percepção pública, oferecendo explicações reducionistas para problemas estruturais e canalizando frustrações para um inimigo em comum.
Essa lógica de mobilização se sustenta em uma retórica que transfere a culpa do insucesso individual para um outro—o governo, a esquerda, as pautas feministas ou progressistas. Frases como “se você não é rico, a culpa é do governo” ou “se sua família enfrenta dificuldades, é culpa da esquerda e sua ideologia de gênero” tornam-se explicações sedutoras e de fácil assimilação. Esse tipo de narrativa simplifica a realidade e evita análises aprofundadas sobre a estrutura social.
A propagação do ódio e a construção de um discurso populista
As redes sociais desempenham um papel crucial na disseminação da desinformação, favorecendo a ampliação de discursos extremistas. Frases como “bandido bom é bandido morto” ou teorias conspiratórias sobre o Pix exemplificam como a mentira se propaga com rapidez, enquanto a verdade exige explicações complexas e, por isso, encontra menos espaço. Estudos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) indicam que a desinformação se espalha com mais velocidade e alcance do que conteúdos factuais, reforçando discursos populistas que legitimam ressentimentos e promovem antagonismos sociais.
O desmantelamento dos mecanismos institucionais que historicamente regulavam a indignação social permitiu que novas formas de mobilização emergissem. Igrejas e partidos políticos, antes responsáveis por direcionar demandas sociais (Igrejas) e estruturar o debate público (Partidos Políticos), foram gradativamente substituídos por movimentos genéricos como Vem Pra Rua, Indignados Online e MBL, que se apropriam das redes sociais para moldar percepções e mobilizar indignação de forma desorganizada e sem compromisso com projetos políticos concretos. Além disso, a igreja evangélica consolidou sua posição como pilar central da extrema-direita, especialmente após episódios como a reação ao projeto “Escola Sem Homofobia” durante o governo Dilma Rousseff.
Desafios para a esquerda e a defesa da democracia
Diante desse cenário, a esquerda brasileira enfrenta desafios estruturais e estratégicos. A reorganização política exige novas formas de engajamento e mobilização, capazes de competir no espaço digital e enfrentar a narrativa simplificada que sustenta a extrema-direita. Embora alguns setores progressistas defendam o uso de discursos populistas e simplificados como forma de disputa, essa abordagem contradiz os princípios transformadores da esquerda, que não pode se basear na desinformação e no ódio como estratégia política.
A verdadeira alternativa reside na elevação da consciência política, no fortalecimento dos sindicatos e partidos políticos e na apresentação de uma concepção de democracia mais avançada e inclusiva. A defesa da democracia liberal, embora essencial, não é suficiente. É necessário conquistar corações e mentes, oferecendo um projeto coletivo que inspire e mobilize a sociedade. Somente por meio de um compromisso genuíno com a transformação social e a reconstrução do tecido democrático será possível enfrentar os desafios impostos pelo ódio como política e construir um futuro mais justo e igualitário.
No canal do Youtube “A questão Política” pretendo aprofundar mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para que se inscrevam no canal. (https://www.youtube.com/@Aquestaopolitica).