Dia da Vitória em Moscou exibe novo eixo geopolítico com China e Brasil
Com presença de Xi Jinping, Lula e outros líderes do Sul Global, cerimônia na Praça Vermelha busca reafirmar papel da Rússia na nova ordem multipolar
Publicado 09/05/2025 10:02 | Editado 09/05/2025 12:03

O presidente Vladimir Putin liderou nesta sexta-feira (9) o desfile do Dia da Vitória em Moscou, evento que celebrou os 80 anos do triunfo sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Realizado na Praça Vermelha, o ato reuniu mais de 11 mil militares e marcou a maior exibição militar desde o início da guerra na Ucrânia, em 2022. A cerimônia contou com a presença de chefes de Estado de 27 países, entre eles o presidente da China, Xi Jinping, e o do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em seu discurso, Putin afirmou que “a verdade e a justiça estão do lado da Rússia” e que o país “não aceitará tentativas de minimizar o papel decisivo da União Soviética na derrota do nazismo”. Ele também elogiou os militares que lutam na Ucrânia e comparou o conflito atual às batalhas de 1941-1945, dizendo que a nação continuará unida “em nome da grandeza e prosperidade da Rússia”.
A presença de Xi Jinping ao lado de Putin simbolizou o fortalecimento da parceria entre China e Rússia. Na véspera do desfile, os dois presidentes divulgaram uma declaração conjunta em que acusam os Estados Unidos de aumentar o risco de guerra nuclear e prometem responder de forma coordenada a ameaças militares, tecnológicas e espaciais.
O presidente Lula, também presente na Praça Vermelha, destacou nas redes sociais que a participação brasileira celebra “a paz e a memória da luta contra o nazifascismo”. Ele escreveu: “Já estou na Rússia para participar das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória, que marcou o fim da Segunda Guerra. Esse dia, que define a vitória contra o nazismo. A vinda à Rússia reafirma nosso compromisso com o multilateralismo. Iremos assinar acordos de cooperação em Ciência e Tecnologia e buscar a ampliação das nossas parcerias comerciais.”

Líderes da África, América Latina e do ex-bloco soviético também marcaram presença, entre eles os presidentes de Cuba, Venezuela, Egito, Belarus, Sérvia e o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico – único representante da União Europeia. A lista de convidados serviu de contraponto simbólico à ausência de representantes dos países do Ocidente.
O desfile começou com a tradicional marcha da Guarda de Honra carregando a Bandeira da Vitória, hasteada sobre o Reichstag em 1945. Em seguida, tropas de 13 países aliados cruzaram a Praça Vermelha junto com mais de 180 equipamentos militares. Entre os destaques estiveram tanques T-90, sistemas de mísseis Yars com ogivas nucleares, lançadores Iskander-M e a estreia de uma unidade de drones de combate e reconhecimento.
Ao final, caças Su-25 coloriram o céu com fumaça nas cores da bandeira russa. A participação de 1.500 soldados que lutam na Ucrânia reforçou a narrativa oficial de continuidade histórica entre a Segunda Guerra e o conflito atual.
Vitória de 1945 como conquista do socialismo e do internacionalismo antifascista
Mais do que uma vitória militar, o 9 de Maio de 1945 simboliza o triunfo do socialismo e do internacionalismo proletário sobre a barbárie nazifascista. A União Soviética não apenas suportou o peso principal da guerra na frente oriental — com mais de 25 milhões de mortos — como libertou países do Leste Europeu, apoiou os movimentos de resistência e inspirou uma nova ordem mundial fundada nos princípios da soberania, autodeterminação e solidariedade entre os povos.
Ao derrotar o exército de Hitler, o Exército Vermelho não apenas livrou a Europa da ocupação nazista, mas também pavimentou o caminho para processos de libertação na Ásia, na África e na América Latina. Cuba, Vietnã, China e inúmeros países se beneficiaram da ajuda soviética em momentos cruciais de sua história.
Hoje, diante da tentativa de reescrever esse passado e marginalizar o papel da URSS na derrota do nazismo, a comemoração ganha novo sentido. Ela não é apenas um ato russo, mas um chamado à memória coletiva dos povos do mundo que resistiram ao fascismo — e que continuam a lutar, agora sob novas formas, pela justiça, soberania e paz.
Diplomacia e tensão: trêguas, ataques e recados cruzados
O desfile ocorre em meio a uma trégua unilateral de 72 horas declarada por Moscou para os dias 8, 9 e 10 de maio. A Ucrânia recusou a proposta e alegou falta de garantias.
Durante a parada, Putin evitou mencionar Trump diretamente, mas reforçou que qualquer acordo só será possível com reconhecimento internacional das regiões anexadas pela Rússia e o fim do fornecimento ocidental de armas a Kiev. Xi Jinping, por sua vez, declarou que a China deseja “uma paz justa, duradoura e aceita por todas as partes”, sem detalhar condições.
A celebração dos 80 anos da vitória de 1945 reatualizou, com novos contornos geopolíticos, a memória da guerra como elemento estruturante da identidade russa e como palanque de articulação global para o campo multipolar.