A amiga às turras com o smartphone
Uma crônica divertida e afetuosa sobre uma amizade que resiste ao tempo, aos esquecimentos e até aos desentendimentos com a tecnologia.
Publicado 22/05/2025 10:44 | Editado 22/05/2025 10:45

Ela já passou dos 60 e se mantém hígida, forte, competente e criativa em tudo o que faz; bonita, inteligente e ágil.
Cumprimentá-la pelo seu aniversário todos os anos é sempre um prazer.
Divertido.
Há muitos motivos que tiram da algibeira e contam com verve inigualável.
Mas desta vez foi diferente.
Liguei logo cedo, como sempre —silêncio.
No dia seguinte, novamente — o que estará acontecendo?
Não demorou muito, ela própria, em mensagem de áudio, deu conta de um desentendimento pessoal com o seu smartphone:
— Ligo e ele permanece nu. Quando “fala”, solta os grunhidos esquisitos. Acende e apaga aparentemente sem motivo. Esperneia e pula na minha mão…
Cá do outro lado da linha fiquei imaginando a repentina incompatibilidade de gênios entre o aparelho e seu proprietário.
Como teria surgido esse desentendimento? Da parte dela certamente não foi, bem humorada, compreensiva e afetuosa que sempre é.
O aparelho envelheceu e já não funciona como antes? Não seria motivo, pois ela tem uma paciência de Jó com velhinhos de todos os tipos. Velhos e jovens, inclusive com os que a paqueram.
Terá sido um golpe de inteligência artificial, que por obra de algoritmos descuidados produziu algum distúrbio mental no aparelho?
Talvez, pois dizem por aí que a todo instante somos substituídos por máquinas e nem percebemos!
Mas em sua mensagem de áudio confidenciou a compra de outro smartphone, top de linha. O atual, agora desgastado, permanecerá guardado, depositário de uma memória plena de amores e dores, paixões e mal-entendidos, criatividade e invencionice.
Pois a amiga é capaz de tudo — e encanta em qualquer circunstância.
Só há um senão.
Avisou que o novo smartphone operará número novo, que me mandaria logo em seguida.
Esqueceu.
Já é noite e permaneço aqui com o meu modesto celular chinês à mão, aguardando ansiosamente o comunicado do novo número da aniversariante.
Como diz a minha neta Alice em sua sabedoria de criança: “É a vida”.
E é mesmo. Quando as décadas de nossa existência se somam e se prolongam, a memória já não é a mesma… Quem sabe daqui a alguns meses a amiga amada lembre-se de mim dar seu novo número de celular.
Perseverante, pacientemente.