Lula confronta G7 no Canadá: “Nada justifica a matança indiscriminada em Gaza”
Presidente critica apoio a Israel e à escalada da guerra contra o Irã, cobra compromisso climático e diz que o G7 não precisa mais existir. Líder brasileiro busca protagonismo internacional e reforça convite à COP30, em Belém
Publicado 17/06/2025 19:51 | Editado 17/06/2025 21:16

Em um gesto ousado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desafiou diretamente a declaração final do G7, durante sessão ampliada da cúpula do grupo realizada nesta terça-feira (17), em Kananaskis, no Canadá. Lula condenou as ações de Israel contra Gaza e o Irã, e responsabilizou o bloco das sete economias mais industrializadas por um posicionamento enviesado e perigoso.
“Os ataques de Israel ao Irã ameaçam fazer do Oriente Médio um único campo de batalha, com consequências globais inestimáveis”, disse o brasileiro, em referência ao documento divulgado pelo G7, que responsabilizou o Irã como “fonte de instabilidade e terror” e reafirmou o “direito de defesa de Israel” — fórmula que tem justificado bombardeios em série contra civis.
Sem meias palavras, Lula acusou: “Nada justifica a matança indiscriminada de milhares de mulheres e crianças e o uso da fome como arma de guerra em Gaza.”
Choque de visões: paz versus escalada
Embora o comunicado do G7 mencionasse um cessar-fogo em Gaza, a exigência de resolução prévia da “crise iraniana” foi criticada por Lula como incoerente e excludente. O texto, ambíguo, levou a interpretações divergentes entre os próprios líderes ocidentais. Enquanto o presidente francês Emmanuel Macron sugeriu que os EUA iniciariam negociações de paz, o presidente Donald Trump — que deixou a cúpula antes do fim — negou com ironia: “Seja propositalmente ou não, Emmanuel sempre erra.”
No mesmo dia, Trump endureceu sua retórica, apoiando a retirada definitiva dos palestinos de seus territórios, sinalizando disposição para uma nova escalada no Oriente Médio. Lula, por sua vez, reafirmou a defesa do Estado palestino e criticou o que chamou de “seletividade na defesa da justiça e do direito internacional”.
Clima, energia e a crítica à festa dos ricos
Além da crise no Oriente Médio, Lula também dedicou boa parte de sua fala à transição energética e às mudanças climáticas. Em crítica velada à decisão de Trump de abandonar o Acordo de Paris, o presidente brasileiro alertou: “A mudança do clima não espera, nem pode ser combatida sem esforço coletivo.”
Ao ressaltar que o Brasil tem mais de 90% de sua matriz elétrica oriunda de fontes limpas e é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, Lula afirmou:
“É impossível discutir a transição energética sem falar deles [dos biocombustíveis] e sem incluir o Brasil.”
O objetivo do presidente brasileiro é obter dos líderes presentes o compromisso de participação pessoal na COP30, que será realizada em novembro, em Belém. Segundo ele, a próxima conferência do clima pode ser “a última com capacidade real de transformação global”.
“Parcerias reais, não rivalidades geopolíticas”
Em outro recado direto aos EUA, Lula condenou a guerra tarifária iniciada por Trump, a retórica isolacionista e o desmonte da governança multilateral. “Parcerias devem se basear em benefícios mútuos, não em disputas geopolíticas”, declarou.
Lula defendeu que a segurança energética só será possível com estabilidade e paz no mundo, citando o Haiti como exemplo de fracasso da comunidade internacional: “É patente que o vácuo de liderança agrava esse quadro. É o momento de devolver o protagonismo à ONU.”
“O G7 não precisa mais existir”
À imprensa, antes mesmo do encontro oficial, Lula disparou: “O G7, no fundo, não há nem necessidade de existir. O G20 é mais representativo, tem mais densidade humana e econômica.”
O brasileiro também defendeu o retorno da Rússia ao bloco, do qual foi expulsa após a anexação da Crimeia, em 2014. Ao ser questionado sobre sua presença constante na cúpula dos “primos ricos”, Lula ironizou: “Sou convidado desde 2003. Eu participo para não dizer que recuso a festa dos ricos.”
Contradições e bastidores diplomáticos
Apesar da dureza do discurso, Lula protagonizou momentos de descontração, como durante a tradicional “foto de família” do G7, quando posou ao lado do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da italiana Giorgia Meloni. “Lula, Lula, a foto!”, gritou o anfitrião canadense Mark Carney, rindo com Macron, enquanto o petista conversava animadamente com o europeu António Costa.
Nos bastidores, Lula manteve reuniões bilaterais com líderes do Canadá, Coreia do Sul, Alemanha e, principalmente, com Zelensky — com quem tem relação conturbada desde o início da guerra na Ucrânia, por contrariar a disposição do ucraniano para escalar o conflito envolvendo ajuda de outros países. Ao comentar o conflito, Lula reafirmou: “Qualquer conflito me preocupa. Sou um homem que nasceu pra paz.”
Protagonismo global e o caminho para Belém
A participação de Lula na cúpula do G7 — embora o Brasil não integre o grupo — é vista como sinal do crescente papel diplomático do país no cenário internacional. A insistência em pautas como a multipolaridade, o fortalecimento da ONU e a transição verde visa projetar o Brasil como ator-chave na próxima COP30.
Lula busca usar o G7 como plataforma para consolidar o protagonismo brasileiro na agenda climática. A expectativa agora é que a pressão de Lula sobre os líderes ricos resulte não só em presença política em Belém, mas também em compromissos financeiros concretos.
“Se a rivalidade prevalecer sobre a cooperação, não existirá segurança energética”, alertou Lula. E encerrou seu discurso com um apelo: “Não repetiremos os erros do passado. A prosperidade econômica não pode custar a destruição da natureza.”