Movimento social tem de reagir ao lobby do mercado, defendem economistas

Luiz Gonzaga Beluzzo e Paulo Kliass veem como crucial a mobilização de movimento social e sindicatos não só para influenciar na luta contra os juros altos, mas também em defesa de um novo rumo para a economia

Ato das Centrais em frente ao Banco Central, na Av Paulista, em 30 de julho de 2024. Foto de Roberto Parizotti

Sob pressão no Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontra dificuldades para aprovar medidas em direção a um sistema tributário mais justo em que os pobres paguem menos e os super-ricos contribuem com o que devem.

Em entrevista ao Portal Vermelho, os economistas Luiz Gonzaga Beluzzo e Paulo Kliass veem como fundamental a mobilização urgente dos sindicatos e do movimento social não só para influenciar nessa briga, mas em defesa de um novo rumo para a política econômica.

Beluzzo diz que há uma relação de poder desfavorável ao governo por conta do lobby do mercado financeiro.

“Você junta o mercado financeiro como um coletivo que tem muito poder. O governo, na medida em que está cercado, vai tentando convencer os que participam do mercado que ele vai agir de forma correta para não causar instabilidade”, disse o professor.

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De acordo com ele, para contornar a situação é preciso maior poder político. “Como, na verdade, o governo não consegue ganhar no Congresso, está sendo bloqueado o tempo inteiro. Essa é a questão central, porque não há nenhum caso de calote na dívida pública”, lembra.

Segundo o experiente economista, os índices são favoráveis ao governo, como a reserva cambial de US$ 360 bilhões e a relação dívida Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 78%.  

“A dívida líquida, na qual você tem que descontar as reservas e mais alguma coisa, está em torno de 60%. Por que ninguém fala da dívida líquida?”, diz Beluzzo. “É um estratagema do mercado para enrolar as pessoas. E o poderio deles não é só no Congresso – eles têm a chamada mídia corporativa ao lado para propagar corte de gasto e questão fiscal o tempo inteiro.”

Por outro lado, o professor critica o compromisso com a política econômica da meta de déficit zero, o que prejudica os investimentos. “Você tem um compromisso, digamos assim, de levar a inflação para a meta. O sistema de meta é muito falho, muito imperfeito”, critica.

Dívida Pública

Kliass concorda com Belluzo e também vê o mercado financeiro extremamente beneficiado com o sistema da dívida pública.

“Quando você aumenta a taxa Selic, o que que acontece? Você provoca um aumento nas despesas financeiras com os juros, porque a Selic é a taxa referencial de juros.  Ela é a referência pro pagamento dos juros do estoque da dívida”, explica. “Ao longo dos últimos 12 meses, o governo gastou alguma coisa em torno de R$ 950 bilhões para pagamento de juros, aproximando de despesas financeiras na ordem de R$ 1 trilhão por ano.”

Na gestão Gabriel Galípolo, que assumiu a presidência do Banco Central (BC) no governo Lula, Kliass diz que o aumento da Selic foi de 2,75 pontos percentuais, o que representa uma despesa anual extra de juros de R$ 220 bilhões.

Em sua opinião, há um problema que nunca mudou desde o primeiro mandato Lula: fazer uma diferença entre despesas financeiras e as não financeiras. Desse modo, o economista critica o equilíbrio fiscal primário propagado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“Esse adjetivo, ‘primário’, é toda a malandragem. Pela definição metodológica, é uma tautologia. A conta primária é a conta não financeira”, diz. “Se quero fazer o equilíbrio fiscal primário, tudo você consegue comprimindo despesas primárias, que são saúde, educação, previdência, assistência social, segurança pública, saneamento e salários de servidores públicos em geral.”

Por isso, o economista vê como urgente o movimento social pressionar o governo para mudar a política econômica na questão dos juros e do corte de despesas.

“Tem que começar ontem a fazer essa mudança, porque se não a gente caminha  para uma certeza de derrota nas eleições de outubro do ano que vem”, projeta. “A situação está muito grave e o comando tem de ser do presidente Lula. Ele precisa tomar as rédeas e mudar o eixo da política econômica.”

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