Lula propõe reforma urgente da ONU e defende novo multilateralismo em cúpula do BRICS

Presidente brasileiro afirma que atual ordem internacional está esgotada e cobra ampliação do Conselho de Segurança, com protagonismo de países do Sul Global

06.07.2025 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a sessão plenária “Paz e Segurança e Reforma da Governança Global”, no Museu de Arte Moderna (MAM). Rio de Janeiro - RJ. Foto: Ricardo Stuckert / PR

“O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura da 17ª Cúpula de Chefes de Estado do BRICS, realizada neste sábado (6), no Brasil. Diante de líderes de um bloco ampliado — que já representa mais da metade da população mundial e quase 40% do PIB global —, Lula traçou um panorama crítico da atual governança internacional e propôs uma nova arquitetura multilateral, mais justa, representativa e eficaz.

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A cúpula, que marca os 80 anos da ONU e a quarta vez que o Brasil sedia o encontro, ocorre em um cenário de erosão do multilateralismo, agravado por guerras, sanções unilaterais, instrumentalização de organismos internacionais e retrocessos nos compromissos globais. A fala do presidente brasileiro foi, ao mesmo tempo, uma denúncia das falhas do sistema vigente e um chamado à renovação da governança global, com o BRICS como vetor de transformação.

Multilateralismo em colapso: “Mais fácil financiar a guerra do que a paz”

No início de seu discurso, Lula denunciou o que chamou de “colapso sem paralelo do multilateralismo”, com destaque para o Conselho de Segurança da ONU, que, segundo ele, perdeu credibilidade ao se tornar incapaz de prevenir conflitos e refém de interesses geopolíticos seletivos. O presidente destacou a escalada armamentista promovida por países da OTAN, contrastando com o descumprimento de metas de financiamento para o desenvolvimento sustentável.

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“É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para assistência oficial ao desenvolvimento.”

Ele citou ainda a inutilização do direito internacional, apontando os fracassos sucessivos das intervenções ocidentais no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria. Segundo Lula, o vazio deixado por essas ações alimentou o terrorismo e a radicalização, especialmente no norte da África e no Oriente Médio.

Palestina, Ucrânia, Irã e Haiti: o Sul Global exige coerência

A parte mais contundente do discurso tratou dos conflitos em curso. Lula condenou os atentados do Hamas, mas não hesitou em denunciar o “genocídio praticado por Israel em Gaza” e o uso da fome como arma de guerra. Defendeu a criação de um Estado palestino soberano nas fronteiras de 1967 como único caminho para uma solução duradoura.

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Sobre a guerra na Ucrânia, o presidente defendeu diálogo direto entre as partes, com mediação do grupo de “Amigos para a Paz”, liderado por Brasil e China. Reiterou também a condenação de violações territoriais contra o Irã e defendeu mais empenho da ONU na estabilização do Haiti.

“A ideologia do ódio não pode ser associada a nenhuma religião ou nacionalidade”, afirmou, em crítica à xenofobia crescente nas potências ocidentais.

A reforma do Conselho de Segurança: justiça ou irrelevância

A proposta central da fala de Lula foi a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com inclusão de novos membros permanentes da América Latina, da África e da Ásia. Para o presidente, isso não é apenas uma questão de justiça histórica, mas condição para a própria sobrevivência da organização.

“Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as crises que assolam a humanidade.”

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Lula citou ainda a iniciativa brasileira no G20, “Ação pela Reforma da Governança Global”, como tentativa de articular as forças do Sul Global em torno de um novo modelo de gestão internacional.

BRICS como força transformadora: herdeiro de Bandung e vetor de paz

Ao longo de sua fala, o presidente brasileiro evocou o legado histórico do BRICS como herdeiro da Conferência de Bandung (1955) e do Movimento Não-Alinhado, reiterando que o grupo tem legitimidade e diversidade suficientes para atuar como mediador de conflitos e articulador de consensos.

“Podemos lançar as bases de uma governança revigorada”, disse Lula, ao destacar a responsabilidade dos BRICS na construção de uma nova ordem multipolar.

A reunião ocorre em um momento de renovado protagonismo do bloco, com a adesão recente de países como Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Indonésia, ampliando sua diversidade geográfica e geopolítica.

O desafio de um novo mundo

O discurso de Lula foi um manifesto político contra a ordem unipolar liderada por potências ocidentais e um apelo à refundação das instituições internacionais sob critérios de equidade, legitimidade e justiça. Diante da paralisia da ONU e do uso seletivo do direito internacional, o presidente brasileiro propõe que os BRICS assumam o protagonismo de uma nova era de cooperação internacional, centrada na paz, no desenvolvimento e no respeito à soberania.

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Se a ONU foi fundada para evitar uma nova guerra mundial, conclui Lula, é hora de reformá-la para impedir que a instabilidade permanente se torne a nova norma.

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