2020: tragédia ou farsa? [1]

“Desenvolvimento e energia necessitam andar juntos, e são fatores decisivos para a liderança geopolítica”.

A questão crucial, no sistema de relações internacionais sintetiza-se no processo de decadência [2] dos EUA, e de vigorosa ascensão da China. A “guerra comercial” é aríete americano contra o avanço chinês. Expressa a enorme dificuldade do reposicionamento imperialista, para exercício da hegemonia. O que, como bem definiu Antonio Gramsci (1891-1937), exige “coerção e consenso”. Isolados e longe de consensos, apenas o poderio militar norte-americano sustenta hoje o papel do dólar no Sistema Monetário Internacional.

Simultaneamente, Rússia e China reforçam a cooperação bilateral estratégica com a inauguração do mega-gasoduto “Força da Sibéria” (US$ 55 bilhões), [3] que fornecerá gás da região de Yakutia, na Sibéria, para o norte da China. Chamado “acordo do século” e trabalhado desde 2014, o presidente chinês Xi Jinping disse: “o lançamento do gasoduto é um resultado transitório importante e o começo de uma nova etapa” de cooperação entre os países.

Desenvolvimento e energia necessitam andar juntos, e são fatores decisivos para a liderança geopolítica. E, não à toa, após a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em Bruxelas (19-20/11), atacou M. Pompeo, hoje secretário de Estado dos EUA: “Finalmente, nossa aliança deve tratar da ameaça atual e potencial a longo prazo representada pelo Partido Comunista Chinês”.

Conforme interpreta o experiente ex-diplomata indiano M. K. Bhadrakumar, [4] os EUA preparam a OTAN para enfrentar a China e a Rússia. Mas a resposta russa também é notável: a parcela de armas e equipamentos modernos na Marinha e no Exército russos atingiu um nível impressionante de 70%; os tanques T-14 Armata, de próxima geração chegarão às tropas russas entre 2019, início de 2020; em 26 de Novembro, o Ministério da Defesa da Rússia informou: o inovador sistema de mísseis “Avangard” de Moscou, (com veículo hipersônico de impulso deslizante) estará  pronto a combate, na Força Estratégica de Mísseis, neste dezembro. [5]

O professor L.A. Moniz Bandeira (1935-2017) escrevera que o objetivo permanente dos EUA era criar a “full spectrum dominance” (dominação de espectro total). Para isso, a OTAN servia “de gendarme do sistema financeiro e das corporações internacionais” (“A segunda guerra fria”, Civilização Brasileira, 2013). A derrota dos EUA na Síria, para a Rússia, parece ter truncado “o jogo”.

Karl Marx (1818-1883), em seu livro de ciência política mais importante, “O 18 Brumário de Louis Bonaparte” (1869), adverte G. Hegel (1770-831): os grandes fatos da história universal aparecem como que duas vezes – mas esqueceu de completar: “uma vez como tragédia e a outra como farsa”.

NOTAS

[1] Artigo publicado, sem as notas, na “Tribuna Independente” (AL), 27/12/2019. Lamento o “espírito da coisa”, mas os insignes professores João Manuel Cardoso, de Mello e Ariano Suassuna chamavam de “tolos” os otimistas. Referiam-se – digo eu – ao moinho satânico (Karl Polanyi) do capitalismo liberal em geral, e ao do Brasil em particular. Concordo, mas Gramsci, para mim, resolveu magistralmente a questão, num espécie de aforismo: “pessimismo da razão, otimismo da vontade” (“l’Ordine Nuovo”,1920). Para o revolucionário Gramsci, “O pessimismo implica certa cautela, na análise da situação e da relação de forças, bem como dada desconfiança, de qualquer intento de subestimar aos inimigos. Mas é o otimismo a sua contraparte. E é essa a parte quem não se pode esquecer” – busca decifrar Beto della Santa.Ver um resumo proveitoso da ideia em: https://blog.esquerdaonline.com/?p=3017

[2] No portentoso “Formação do império americano – da guerra contra Espanha à guerra no Iraque” (Civilização Brasileira, 2005), L. A. Moniz Bandeira demonstra, concluindo, que a guerra de Bush Jr. Contra o Iraque foi o ponto de inflexão da posição dos EUA: como havia previsto Z. Brzezinski levou o país à “dangerous isolation” e uma “isolated America” (p. 789). Antes, citara Niall Ferguson: o “declínio e a queda” dos EUA deviam-se não aos “terroristas”, mas a crise fiscal do estado de bem-estar nacional (p. 757).

[3]Aqui: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50658563?fbclid=IwAR2ESgC8Lzj3z2CorPIe4sZHatUvyzq4viObkItIiliUIR1ZcN6nkeK3aQ

[4] As informações e análise importantes, de M. K. Bhadrakumar  estão aqui:https://indianpunchline.com/us-primes-nato-to-confront-russia-china/

[5] Horas após a publicação do nosso artigo na “Tribuna Independente” (AL), a Folha de S. Paulo online publicou a seguinte matéria. Aqui: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/12/russia-anuncia-entrada-em-servico-de-misseis-hipersonicos.shtml

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