60 anos da reorganização do PC do Brasil – o veredito da história

O PC do Brasil foi o primeiro partido comunista fora do poder a enfrentar o revisionismo soviético e a impedir a degeneração do Partido em um agrupamento reformista e oportunista

Foto: Fundação Maurício Grabois

O processo de diferenciação e conflito que culminou com a reorganização do PC do Brasil, em 18 de fevereiro de 1962, há 60 anos, teve a sua origem mais próxima no surgimento do revisionismo contemporâneo, que veio à luz com força no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956), quando Nikita Kruschev assumiu a direção do PCUS, expurgou importantes dirigentes e, no seu denominado “Relatório Secreto” – logo divulgado pelo Departamento de Estado Norte-americano, em 04.06.56, e por toda mídia imperialista –, denunciou erros reais e fictícios de Stalin e o atacou como um reles “criminoso”.

Dessa forma, Kruschev desqualificou quatro décadas de conquistas e avanços da URSS e do movimento comunista internacional. Não satisfeito, pretextando o risco de uma guerra mundial, propôs o abandono da “revolução” e a sua substituição pela “competição pacífica” e a “convivência pacífica” com o imperialismo e o “caminho pacífico para o socialismo”. Internamente, os revisionistas passaram a alardear o “Estado de Todo o Povo” e o “Partido de Todo o Povo”, negando a existência de quaisquer contradições de classes na URSS. O 20º Congresso do PCUS deu início aos retrocessos que levaram a Gorbachov, a Yeltsin, à desagregação da URSS e ao abandono do socialismo.

Nikita Kruschev | Foto: Reprodução

As ditas “revelações de Kruschev”, além de fornecerem um poderoso discurso anticomunista aos porta-vozes do imperialismo, causaram uma enorme confusão nos partidos comunistas de todo o mundo.

No Partido Comunista do Brasil, esses acontecimentos causaram um acirrado confronto entre uma corrente liquidacionista – liderada por Agildo Barata, Osvaldo Peralva e outros dirigentes que defendiam abertamente a extinção do Partido ou a sua transformação em uma organização nacional-reformista – e o núcleo proletário da direção do Partido – que sem negar os erros cometidos, defendia a sua superação, preservando o caráter revolucionário do Partido. Entre ambos, surgiu um chamado “centro” ou “pântano”, que não chegava a defender o fim do Partido, mas aderiu o revisionismo soviético e passou a defender um caminho abertamente reformista:

“Formaram-se três grupos – os abridistas ou renovadores, que reunia reformistas e revisionistas de todos os matizes, partidários de uma reestruturação profunda da organização partidária, abandonando o programa revolucionário de classe e tornando o Partido semelhante aos da burguesia. Outro grupo, que alguns apelidaram de pântano e outros chamam de centro pragmático, defendia uma adaptação reformista ao revisionismo do XX Congresso do PCUS. Finalmente, alvo da crítica generalizada, estava o chamado núcleo dirigente, que tinha sob sua responsabilidade a manutenção da integridade organizativa e a defesa do pensamento marxista-leninista. O primeiro grupo era liderado por Agildo Barata e incluía alguns membros do Comitê Central, intelectuais e jornalistas […]. Faziam parte do pântano ou grupo baiano, Mário Alves, Giocondo Dias, Jacob Gorender, entre outros. Finalmente, o núcleo dirigente era formado basicamente pela corrente proletária que, desde 1947, prevalecia na direção do Partido: Diógenes Arruda Câmara, Maurício Grabois, João Amazonas, Pedro Pomar. No desenvolvimento da luta interna, dirigentes como Luiz Carlos Prestes, Carlos Marighela e Apolônio de Carvalho aproximaram-se do pântano, ao qual se incorporaram.” (RUY, 2002, p.29-30)

José Antônio Segatto explica como o pântano se tornou majoritário no Partido:

“Com uma política conciliatória e com a incorporação de Prestes […] [o pântano] atraira parte da corrente renovadora (Roberto Morena, Francisco Gomes, Zuleika Alambert, Armênio Guedes, Horácio Macedo e muitos outros) e, por outro lado, boa parte da corrente conservadora (Marighela, Luiz Teles, Orlando Bonfim Jr., Apolônio de Carvalho […]) tornando-se majoritária.” (Segatto, 1995, p. 65)

Ronald H. Chilcote dá mais detalhes:

“Com este debate, as divisões dentro do partido se definiram. O núcleo dirigente […] da velha guarda, conhecido primeiramente como fechadistas […] e posteriormente como conservadores […]. Opondo-se a esta velha guarda estavam os abridistas ou renovadores. […] Associados também aos renovadores estava o Sinédrio, um grupo de intelectuais e jornalistas […]. Uma terceira facção chamada de Pântano […] adotou a tática de apoiar os conservadores para derrotar os renovadores, com o objetivo final de destruir os conservadores e conquistar o controle do partido. Isto foi conseguido numa reunião do Comitê Central em agosto de 1957, quando o Presidium e o Secretariado foram alterados para dar o controle ao Pântano. […] Esta manobra acompanhou um desdobramento semelhante na União Soviética em junho de 1957, quando Molotov, Malenkov e outros foram afastados da direção do partido comunista. A virada do poder soviético aparentemente convenceu o pragmático Prestes a apoiar o revisionismo.” (Chilcote, 1982, p. 118-119)

O primeiro grupo, abertamente liquidacionista, foi derrotado e Agildo Barata expulso. Outros militantes, na sua maior parte intelectuais, afastaram-se do Partido e formaram a Corrente Renovadora do Marxismo Nacional, de curta duração. Mas, as ideias revisionistas e reformistas – respaldadas pelo PCUS – seguiram ganhando força na direção do PC do Brasil.

Da noite para o dia, mandonistas e autoritários contumazes transmutaram-se em defensores da democracia interna e passaram a debitar a camaradas da Comissão Executiva do CC a responsabilidade pela “falta de democracia no Partido”. Da mesma forma, notórios bajuladores de Prestes proclamaram-se paladinos do combate ao “culto da personalidade”.

Jacob Gorender, no livro Combate nas Trevas (1987), detalha as articulações do pântano– transgredindo todas as normas partidárias – para afastar Amazonas, Grabois, Arruda e Holmos da Comissão Executiva, por considerá-los um obstáculo à adoção de uma linha política reformista:

“Em longas conversas [com Mário Alves] chegamos à conclusão sobre a necessidade de mudanças substanciais na direção do PCB como pré-condição para uma virada na orientação política. […] estávamos convencidos de que já era inadmissível prosseguir com o Programa do Quarto Congresso. […] fazia-se urgente a elaboração de uma linha política nova nos aspectos essenciais. A questão estava em que era impensável tal mudança com Arruda, Amazonas e Grabois na Comissão Executiva. Especialmente delicado parecia o problema do secretário-geral […] consideramos que o problema do “culto à personalidade do secretário geral se colocava em um segundo plano, desde o momento em que ele emitiu sinais de aceitação da mudança na linha política. […] De imediato, o fundamental era a nova linha política. […] Prestes se convenceu da necessidade de introduzir modificações na Comissão Executiva que abrissem caminho a inovações na linha política […] [Giocondo] Dias recorreu a nós, ao Mário [Alves] e a mim, para redigir o documento justificador das alterações na direção. […] No final foram aprovadas as modificações. Arruda, Amazonas e Grabois saíam da Executiva e a ela subiam Giocondo Dias e Mário Alves.” (Gorender, 1987, p. 26, 28-29)

Dessa forma, na reunião de agosto de 1957 o Comitê Central afastou da Comissão Política – por apertados 13 votos contra 12 – João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda e Sérgio Holmos, acusando-os de serem “sectários”, “dogmáticos”, “mandonistas” e “stalinistas”. Na verdade, foram afastados por resistirem ao reformismo que os membros do pântano queriam impor ao Partido.

Anita Leocádia Prestes procura justificar essa aliança de Prestes com os reformistas pelo nobre intuito de manter a unidade partidária:

“A conciliação com as tendências reformistas na direção do PCB, com o intuito de assegurar a unidade partidária, foi a atitude adotada por Prestes durante cerca de 20 anos, até o final da década de 1970, quando viria a romper com o Comitê Central […] convencido de que se tornara inviável transformar o PCB num partido revolucionário […] que superasse o reformismo explicitado […] pela ideologia do nacional-desenvolvimentismo […].” (PRESTES, 2012, p. 24)

Depois de afastado, João Amazonas foi mandado para o Rio Grande do Sul, onde se tornou o secretário geral do Partido, até meados de 1961. Maurício Grabois assumiu a mesma função no Rio de Janeiro. Diógenes Arruda foi para Pernambuco, sem assumir funções partidárias. Em 1965, Arruda se reintegrará ao PC do Brasil, a convite de João Amazonas e Maurício Grabois. (Bertolino, 2012, p. 520)

O metalúrgico e dirigente comunista Eloy Martins – que em 1961 substituiu Amazonas na Secretaria Geral do Partido no Rio Grande do Sul, mas optou por ficar no PC Brasileiro – relata como a Plenária de agosto de 1957 deu início ao processo divisão do Partido, ao invés de preservar a sua unidade. Ao mesmo tempo desmente as acusações de mandonismo ou autoritarismo contra João Amazonas:

“Na reunião de agosto de 1957, com a presença de Prestes, tiveram início as medidas que levaram à primeira grande divisão dos comunistas brasileiros. Após acirrados debates, foram excluídos da Comissão Executiva quatro camaradas: João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara, Sérgio Holmos e Maurício Grabois. […] João Amazonas veio para o Rio Grande do Sul. Foi o dirigente nacional que melhor se comportou, do ponto-de-vista partidário, durante o tempo que permaneceu no Estado, constituindo-se em uma exceção, pois dificilmente permaneceram aqui companheiros que não fossem arbitrários e autossuficientes. Em setembro de 1960, o partido realiza o 5º Congresso, no Rio de Janeiro […]. Em defesa das ‘Teses para Discussão’ se destacaram: Jacob Gorender, Mário Alves e Carlos Marighela; e contra: Maurício Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar. Os congressistas excluíram da direção Arruda, Amazonas e Grabois, que posteriormente foram expulsos.” (Martins, 1989, p. 124)

A Declaração de Março de 1958

Com o afastamento da Executiva daqueles que resistiam ao avanço reformista, estava aberto o caminho para a aprovação pelo Comitê Central, em março de 1958, da Declaração sobre a Política do Partido Comunista do Brasil (mais conhecida como Declaração de Março de 1958) –, revogando o programa partidário e as resoluções aprovadas no 4° Congresso. Gorender relata:

“Outra resolução aprovada [no Pleno de agosto de 1957] designou uma comissão incumbida da elaboração de propostas acerca das questões políticas em litígio. […] Já se podia prever que a comissão eleita […] não produziria um trabalho satisfatório. […] a saída do impasse seria possível se Prestes apresentasse um documento alternativo […]. Tratava-se de formar uma comissão ultra-secreta, desconhecida para o Comitê Central e mesmo para a Comissão Executiva. […] chegamos à redação final do que tomou a denominação de Declaração Política de Março de 1958 […] aprovada com o voto contrário de Amazonas e Grabois. Antecipando-se ao Quinto Congresso, só realizado três anos mais tarde, a Declaração de Março apresentou uma nova linha política […].” (Gorender, 1987, p. 29)

Eloy Martins denuncia essas manobras visando a aprovação da Declaração de Março:

“Foi nessa época que surgiu a “Declaração de Março” de 1958. Como apareceu essa resolução? […] no pleno realizado em agosto de 1957 […] foi nomeada uma comissão para elaborar um anteprojeto de resolução […] que servisse para orientar o partido naquela difícil situação; foram escolhidos: Francisco Gomes, Leivas Otero, Sérgio Holmos, Moisés Vinhas e Jover Telles. Em janeiro de 1958, o trabalho elaborado foi enviado para ser debatido na reunião de março, porém foi discutido um anteprojeto apresentado por Prestes, elaborado por outros companheiros. Os defensores da chamada “linha pacífica”, numa posição golpista, no segredo do conchavo, por fora do Comitê Central, ajeitaram a seguinte Comissão: Giocondo Dias, Mário Alves, Jacob Gorender, Alberto Passos Guimarães, Armênio Guedes, Dinarco Reis e Orestes Timbaúva. Essa Comissão se caracterizava como de direita, pela posição da maioria dos seus membros nas reuniões da direção nacional. O documento passou a chamar-se “Declaração de Março” de 1958. […] Começou assim, de março de 58, uma longa caminhada para um comportamento cada vez mais à direita.” (Martins, 1989, p. 122)

Em sua biografia sobre Prestes, Daniel Aarão Reis confirma esse golpe:

“A orientação aprovada […] foi obtida mediante um autêntico ‘golpe de estado’ interno. Tudo foi preparado sem autorização ou conhecimento de nenhuma instância regular, salvo a Comissão Executiva, mas esta, apesar de localizada no vértice da pirâmide partidária, não podia elaborar uma nova linha política. Não custa recordar que o Partido tinha um programa, definido no IV Congresso, em 1954. Só outro Congresso poderia alterá-lo ou revogá-lo. Não foi o que aconteceu. O Comitê Central, passando por cima da ‘legalidade partidária’, proclamou, sob o nome de Declaração Política, uma nova linha política.” (Reis, 2014, p. 278)

O próprio Moisés Vinhas confirma o completo desrespeito à democracia interna nesse episódio:

“Moisés Vinhas relata que no pleno de agosto fora nomeada uma comissão formada por ele próprio, Luís Teles, Holmos, Leiva Otero e Francisco Gomes, incumbida de preparar um documento ‘analisando os reflexos do sistema de culto à personalidade dentro do PCB’. Tal comissão terminou seu trabalho em janeiro de 1958, o qual deveria ser discutido na nova reunião plenária convocada para março desse ano. Ainda segundo Vinhas, o mesmo nem entrou na ordem do dia do famoso pleno, sendo substituído por outro conhecido com ‘A declaração de março de 1958’.” (Santos, 1988, p. 218)

Mas, afinal, o que defendia essa “nova linha política” aprovada desrespeitando a democracia interna? Em aberta apologia à burguesia e ao capitalismo brasileiro, a chamada Declaração de Março afirmava:

“foi se processando um desenvolvimento capitalista nacional, que constitui o elemento progressista por excelência da economia brasileira […] se fortaleceu cada vez mais uma burguesia interessada no desenvolvimento independente e progressista da economia do país […] o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo […] Embora explorado pela burguesia, é do interesse do proletariado aliar-se a ela, uma vez que sofre mais do atraso do país e da exploração imperialista do que do desenvolvimento capitalista.” (Partido Comunista do Brasil, 1958, p. 2, 11, 15)

Pouco depois de Getúlio Vargas ter sido forçado ao suicídio – por pressão do generalato, que exigia sua renúncia – e quase às vésperas do golpe militar de 1964, a Declaração afirmava de forma “idílica”:

“o processo de democratização é uma tendência permanente […] pode superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente para diante. Vem-se firmando, assim, em nosso país, a legalidade democrática […] um governo nacionalista e democrático pode ser conquistado nos quadros do regime vigente […] esta orientação política pode vir a ser gradualmente realizada por um ou por sucessivos governos que se apoiem na frente única nacionalista e democrática. […] dispostos a participar dos governos de caráter nacionalista e democrático […] os comunistas os apoiarão de modo resoluto mesmo que não venham a fazer parte de sua composição.” (Idem, p. 5, 20-21)

Essa frente “nacionalista e democrática” englobaria desde a classe operária, até o latifúndio, pois:

“a contradição entre a nação em desenvolvimento e o imperialismo norte-americano e seus agentes internos tornou-se a contradição principal na sociedade brasileira. […] Tendem a unir-se e podem efetivamente unir-se no movimento nacionalista a classe operária, os camponeses, a pequena-burguesia urbana, a burguesia e os setores de latifundiários que possuem contradições com o imperialismo norte-americano.” (Idem, 12, 14)

Ou seja, haviam desaparecido os inimigos internos e o imperialismo estadunidense (e seus agentes) se tornou o único inimigo do povo brasileiro. Assim – afirmava a Declaração:

“existe hoje em nosso país a possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução antiimperialista e antifeudal. Nestas condições, este caminho é o que convém à classe operária e a toda a nação. […] O caminho pacífico da revolução brasileira é possível em virtude de fatores como a democratização crescente da vida política. […] O povo brasileiro pode resolver pacificamente os seus problemas básicos com a acumulação gradual, mas incessante, de reformas”. (Idem, 21-22)

A Declaração de Março – reformista até a medula – acirrou ainda mais a luta interna, dividindo o Partido em dois campos: o “reformista” e o “revolucionário”. Ambos se confrontarão no 5º Congresso.

O 5º Congresso do PC do Brasil (1960)

V congresso PCB | Foto: Fundação Maurício Grabois

Os debates do 5º Congresso – que se realizou no Rio de Janeiro de 28 de agosto a 6 de setembro de 1960 – tiveram início no mês de abril, tão logo foram publicadas as Teses, que reproduziam no essencial a Declaração de Março. As Teses deixam evidentes as profundas ilusões de classe da corrente reformista:

“a burguesia brasileira […] se situa no campo do antiimperialismo […] a burguesia industrial […] é uma força revolucionária. […] A tendência que predomina neste novo curso é a da democratização […] a tendência dominante é o processo de democratização. […] Podem-se notar também reflexos dessa tendência à democratização do Estado brasileiro […] nas Forças Armadas, principalmente no Exército. As tradições patrióticas e democráticas do Exército brasileiro ressurgiram e alcançaram […] um nível mais elevado que em qualquer período anterior […]. A contradição […] entre a nação brasileira […] e o imperialismo norte-americano e os seus agentes internos tornou-se a contradição principal […] O golpe principal […] se dirige, por isso, contra o imperialismo norte-americano e os agentes entreguistas que o apoiam. […] Ao inimigo principal da nação brasileira se opõem […] o proletariado, […] os camponeses, […] a pequena-burguesia urbana, […] a burguesia […] setores de latifundiários […]. orientação de emancipação nacional e de transformações estruturais […] realizada por um ou sucessivos governos, que se apoiem na frente única nacionalista e democrática […] dispostos a participar de tais governos, os comunistas os apoiarão de modo resoluto, mesmo que não venham a fazer parte de sua composição. […] A revolução antiimperialista e antifeudal pode ser conduzida […] em nosso país por um caminho pacífico […] o caminho pacífico da revolução é o que convém à classe operária […] A conquista de reformas de caráter antiimperialista e democrático é possível ainda nos quadros do regime atual. […] os comunistas confiam que é possível assegurar o curso pacífico da revolução brasileira […]. (Partido Comunista do Brasil, 1960, p. 39, 46-48, 55-58, 79, 80-83)

Travou-se na Tribuna de Debates, então, um debate aberto entre reformistas e revolucionários, que denunciaram a “nova”política partidária, deixando clara a existência de duas linhas antagônicas no Partido.

No artigo Duas concepções, duas orientações políticas, de abril de 1960, Maurício Grabois afirmou:

“as tendências oportunistas de direita […] se manifestam com maior nitidez na questão do poder […] limitando-se a reivindicar modificações parciais na política e na composição de sucessivos governos, nos marcos do regime vigente. Com essa tática gradualista, evolucionista […] pretende-se atingir um poder capaz de enfrentar as tarefas da revolução […] transformar o atual regime, em essência reacionário, num regime democrático e antiimperialista e […] o próprio capitalismo em socialismo. […] afirma que o Brasil é um dos países para o qual se abre a possibilidade real da via pacífica. […] na prática o torna o único caminho. […] é, assim, um documento que conduz à negação da luta revolucionária, à adaptação ao capitalismo e ao evolucionismo sob o disfarce de caminho pacífico.” (Grabois, 1983, p. 16-18)

Maurício Grabois |Foto: Fundação Maurício Grabois

E no artigo Uma defesa falsa de uma linha oportunista, em junho de 1960, arremata: “a tese da ‘democratização crescente da vida política’ não corresponde à realidade […] as forças reacionárias […] sempre que seus interesses são atingidos, apelam para a violência e atentam contra as liberdades democráticas. […].” (Idem, 1983, p. 20)

João Amazonas, no artigo Uma linha confusa e de direira, traz duas importantes contribuições à teoria da revolução brasileira: 1) que a persistência do latifúndio não era antagônica ao desenvolvimento capitalista no campo, como se afirmava, pois este poderia se dar sem a realização da reforma agrária, mantendo a grande propriedade da terra, através do chamado “caminho prussiano”; 2) que tampouco a existência da dominação imperialista era um impedimento absoluto ao desenvolvimento capitalista do país, ainda que lhe impusesse travas:

“depositar suas esperanças no desenvolvimento do capitalismo e na burguesia […] descrer na necessidade da revolução […]. É uma linha de apologia do capitalismo, de ilusões na burguesia e de subordinação do proletariado aos seus interesses. […] É equívoco pensar que as contradições entre o desenvolvimento do capitalismo e o monopólio da terra são antagônicas, como afirmam as Teses. O capitalismo, seguindo o caminho prussiano, pode se desenvolver no campo, conservando o latifúndio. Pode também o capitalismo crescer, subsistindo a dependência do país ao imperialismo. […] não é o crescimento do capitalismo que leva à independência e às transformações democráticas […] a liberdade não é inerente ao capitalismo.” (Amazonas, 1960/06/16)

Já no seu artigo Sobre a contradição principal, Amazonas refuta a tese de que a contradição principal se dá entre a nação brasileira e o imperialismo, afirmando que essa contradição só se torna “a principal num caso de guerra, quando existe a ameaça real de ocupação estrangeira pairando sobre toda a nação”. Ao apresentar “a contradição principal como sendo entre a nação e o imperialismo norte-americano e seus agentes, as Teses ocultam […] os inimigos internos nos quais se apoia a dominação imperialista”. Não “é a nação inteira que se opõe ao imperialismo ianque, mas a maioria da nação.” (Amazonas, 1960/08/04)

João Amazonas | Foto: Fundação Maurício Grabois

Pedro Pomar, no seu artigo Análise marxista ou apologia do capitalismo, critica a apologia das Teses ao desenvolvimento capitalista: “ao constatar o caráter progressista do capitalismo no Brasil […] é profundamente errôneo apresentar ao nosso povo a perspectiva de um desenvolvimento capitalista”. E prossegue: “é preciso “que se ponha a descoberto as contradições de classe, que se diferenciem com toda a nitidez os interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, do conceito geral da nação em seu conjunto, o qual corresponde aos interesses da classe dominante”. (Maklouf; Amazonas; et al, 1980, p. 117-118).

Pedro Pomar | Foto: Fundação Maurício Grabois

E no artigo Ainda sobre a apologia do capitalismo (conclusão) afirma: “O centro de nossas divergências reside […] na fundamentação […] apologética do desenvolvimento capitalista, pois isto leva a exagerar o papel da burguesia e […] a menosprezar o papel das classes revolucionárias […] e a abdicar […] do papel dirigente do proletariado”. (Idem, 1980, p. 127)

Na última edição da Tribuna de Debates. Pedro Pomar publicou o artigo “Observações sobre o artigo do camarada Prestes, onde afirmou:

“o camarada Prestes formula novamente a tese de que devemos lutar pelo desenvolvimento capitalista. Assim afirma, textualmente: ‘A pretexto de defender os interesses do proletariado do próprio país negam-se […] a participação da luta pelo desenvolvimento capitalista, esquecidos que o desenvolvimento capitalista dos países atrasados e dependentes, ao contrário de reforçar o sistema capitalista, o debilita […]’. Não posso concordar com essa tese, por considera-la profundamente errônea e apologética do capitalismo […].” (Bertolino, 2002, p. 83)

Diversos outros destacados dirigentes também manifestaram as suas divergências com a linha reformista, entre eles Carlos Danielli, Calil Chade, Ângelo Arroyo e Orlando Piotto.

O apoio do PCUS às teses reformistas, o prestígio de Prestes, o domínio da máquina partidária e a interferência direta de Prestes na eleição dos delegados ao 5º Congresso garantiram a vitória das propostas reformistas.

O desfecho foi a exclusão de 12 dos 25 membros do CC, entre eles João Amazonas, Maurício Grabois e Diógenes Arruda. Foram rebaixados para a suplência Ângelo Arroyo e Carlos Danielli. Pedro Pomar e Sérgio Holmos permaneceram no Comitê Central, em uma espécie de “representação” da ala revolucionária.

Mas, o plenário não aceitou as acusações de fracionismo contra Amazonas, Maurício Grabois e outros dirigentes defenestrados e rejeitou a proposta de alteração do nome do Partido e de retirada das referências à “revolução” e ao “internacionalismo proletário” dos Estatutos e do Programa, sob o pretexto de obter a sua legalização junto à justiça eleitoral. Só foram autorizadas alterações formais exigidas pela lei, para registro na justiça eleitoral – como o destino a ser dado ao patrimônio, em caso de dissolução; a designação de delegados junto aos tribunais e juízes eleitorais; a não responsabilização de seus membros pelas obrigações financeiras do Partido; etc.

A maior comprovação disso é que os Estatutos aprovados no 5º Congresso afirmavam: “O Partido Comunista do Brasil é a vanguarda política da classe operária […], orienta-se pelo marxismo-leninismo, pelos princípios do internacionalismo proletário […] [tem por] objetivo final o estabelecimento do socialismo e do comunismo […].” (Partido Comunista do Brasil, 1960, p. 155)

É importante registrar que, em 1981, o próprio Prestes reconheceu que a Declaração de Março de 1958 e as Teses ao 5º Congresso significaram uma forte guinada do Partido à direita:

“Modificada, a nova executiva elaborou um documento que marcou época na vida do Partido: é a chamada declaração de março de 58 […] toma uma posição que acho bastante direitista. Era o caminho pacífico. Aí, nós, uma vez mais erramos […]. Nós confundimos a possibilidade da via pacífica ao socialismo com o caminho pacífico. E caímos na passividade. […] muitas ilusões sobre o capitalismo […] acabamos caindo, entre 56 e 60, em posições liberais e direitistas. […] Eram posições direitistas que alimentavam a passividade […] O 5º Congresso […] viveu realmente a euforia do liberalismo vigente […]. Naquela época, nossa posição era realmente direitista. Nós saímos de uma posição esquerdista para cair no desenvolvimentismo do Iseb.” (Moraes; Viana, 1982, p. 151-156)

Anos mais tarde, em 1988, o ex-dirigente comunista Apolônio de Carvalho, referindo-se ao 5º Congresso, afirmaria:

“muitos de nós ficamos em uma situação de dúvida, sem alternativa […]. Mas por João Amazonas, Pedro Pomar, Arroyo, eu tinha imenso respeito. […] Esses companheiros não negaram o marxismo e o Partido de maneira nenhuma. Fizeram uma luta interna limpíssima, aberta, corajosa, decidida, muito positiva. […] eu vacilei […]. Não estava com eles para deixar o Partido e não estava com a orientação do Partido. […] Em 1964, nós daríamos razão a eles.” (Buonicore, 2012, p. 142)

A criação do “Partido Comunista Brasileiro” e a “Carta dos 100

Surpreendentemente, em agosto de 1961, o semanário Novos Rumos publicou o Programa e os Estatutos de um novo partido – um tal Partido Comunista Brasileiro –, deles retirando qualquer menção ao marxismo-leninismo, ao internacionalismo proletário e ao objetivo final de construção de uma sociedade comunista. Totalmente “esterilizados”, os Estatutos do Partido Comunista Brasileiro se restringiram a dizer: “O Partido Comunista Brasileiro […] defende em seu programa a pluralidade dos partidos e o respeito aos direitos fundamentais do homem […] tendo como objetivo programático final o estabelecimento do socialismo.” (Novos Rumos, Nº 127, p. 12)

A publicação informava, ainda, que o Comitê Central encaminharia os documentos do Partido Comunista Brasileiro para registro no Tribunal Superior Eleitoral.

Tais decisões afrontavam o centralismo democrático, pois o 5º Congresso não havia delegado ao Comitê Central o poder de mudar o nome do Partido ou de fazer tão profundas alterações nos Estatutos e no Programa, o que só poderia ser feito com a autorização de um Congresso partidário. Assim, pela segunda vez, a cúpula do Partido dava um golpe contra a democracia partidária…

Frente a isso, uma centena de prestigiados dirigentes comunistas enviaram ao Comitê Central, ainda em agosto, o documento Em defesa do Partido – mais conhecido como a Carta dos 100 –, exigindo que a direção partidária revogasse essa decisão, “ou então convoquem um Congresso Extraordinário para resolver sobre a mudança do nome do Partido e as modificações no Programa e nos Estatutos.”

Carta “Em defesa do Partido” | Foto: Fundação Maurício Grabois

Devido à urgência em recolher as assinaturas, para enviar imediatamente a Carta ao Comitê Central, destacados dirigentes partidários que também se opunham a essas mudanças não alcançassem assiná-la, entre eles Lincoln Cordeiro Oest, Elza Monnerat e Dynéas Aguiar. (Buonicore, 2020)

É imprescindível transcrever alguns trechos da Carta dos 100:

“Tanto o Programa como os Estatutos, a serem apresentados à Justiça Eleitoral, referem-se ao Partido Comunista Brasileiro. Trata-se, portanto, de alteração do nome do nosso Partido, assunto não submetido ao Congresso e que nem consta de suas resoluções. […] É certo que em determinadas circunstâncias se torna necessário mudar o nome do Partido. Tudo depende, porém, das condições concretas […]. Mas sempre como decorrência de decisão do Congresso. Quais os fatos que impõem no Brasil a modificação do nome da organização partidária dos comunistas? […] essa alteração, aparentemente pequena, é uma séria concessão às forças reacionárias. […] É sumamente ridículo pensar que a legalização do Partido está na dependência de chamar-se Partido Comunista Brasileiro e não Partido Comunista do Brasil. […] Na realidade, essa alteração tem sentido mais grave – procura-se registrar um novo partido, com programa e estatutos que nada têm a ver com o verdadeiro Partido Comunista. […] A luta pela legalidade do Partido é uma luta política e não pode ser feita escondendo-se seus objetivos, sua doutrina e suas tradições. […] Mais do que nunca precisamos ter em conta os ensinamentos de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: ‘Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins’.” (Partido Comunista do Brasil, 2000, p. 24-26)

Após questionar a inexistência nos novos Estatutos e Programa do objetivo final de construção de uma sociedade comunista – limitando-se ao “estabelecimento do socialismo” – e criticar a exclusão de quaisquer referências ao internacionalismo proletário e ao marxismo-leninismo, a Carta dos 100 diz ser “bastante oportuna a citação de Lênin sobre o liquidacionismo, ao defini-lo como as tentativas de ‘liquidar […] a organização existente do Partido e substituí-la por uma associação informe mantida a todo custo dentro dos marcos da legalidade […], embora para isso seja preciso renunciar […] ao programa, à tática e às tradições […] do partido’.” (Idem, p. 28-29)

Em 20 de agosto, o Comitê Distrital da Mooca/SP, dirigido por Ângelo Arroyo, aprovou resolução que dizia:

“O Comitê Distrital da Mooca [… resolve continuar lutando pelo cumprimento das decisões do 5º Congresso; defender a existência e manutenção do Partido Comunista do Brasil; solicitar ao Comitê Central o reexame e anulação do registro do Partido Comunista Brasileiro […]. Que o CC trave a luta pela legalidade do Partido sem violar os princípios partidários.” (Buonicore, 2012, p.148)

E o Comitê Estadual do Rio Grande do Sul – onde João Amazonas era o principal dirigente – aprovou em setembro resolução afirmando:

“O Comitê Central apresentou […] uma versão dos Estatutos, para efeito de registro legal, que deixa de proclamar o marxismo-leninismo como base ideológica do Partido e a fidelidade ao princípio do internacionalismo proletário, além de modificar o nome […] do Partido […]. Apresentou também um Programa que […] carece de uma clara definição dos verdadeiros objetivos revolucionários […]. A necessidade de assegurar a unidade do Partido […] recomenda a urgente convocação de um Congresso Nacional Extraordinário para o debate das questões apontadas.” (Idem, p. 149-150)

A resposta do CC foi tomar medidas autoritárias e administrativas contra os principais signatários da Carta dos 100, expulsando-os e dissolvendo os organismos onde atuavam militantes divergentes, os quais apenas exigiam o cumprimento das decisões do 5º Congresso e o respeito aos Estatutos.

Assim, em fins de 1961, o Jornal Novos Rumos estampou em sua capa a manchete: “João Amazonas, Grabois e Calil Chade expulsos das fileiras comunistas”. Na página 3, os “paladinos da democracia interna” – sob o título Fracionistas expulsos do Movimento Comunista – comunicaram a expulsão no Rio Grande do Sul de João Amazonas e Guido Enders; no Rio de Janeiro de Maurício Grabois e Manoel Ferreira; em São Paulo de Calil Chade e Valter Martins; em Niterói de Lincoln Oest e Alzira Grabois; e em São Gonzalo/RJ de Ary Gonçalves. (Novos Rumos, nº 151, 1961, p. 3)

Manchete do jornal Novos Rumos divulgando a expulsão de João Amazonas, Maurício Grabois e Calil Chade | Foto: Portal Grabois

Logo depois, foram expulsos diversos militantes e dirigentes partidários, entre eles Pedro Pomar, Carlos Danielli, José Duarte, Ângelo Arroyo, José Delgado, José Maria Cavalcanti. Muitos outros foram advertidos ou suspensos.

Em São Paulo, em seguida ao anúncio dessas “expulsões”, os comitês distritais do Tatuapé e da Mooca divulgaram o documento Aos trabalhadores e ao povo de São Paulo, afirmando:

“os referidos militantes jamais abandonaram seu partido nem se prestaram a dividir suas fileiras, mantendo-se fiéis à causa do socialismo e do comunismo. Ao passo que os atuais detratores não têm autoridade de excluí-los de coisa alguma, já que eles é que deixaram o velho partido do proletariado, o Partido Comunista do Brasil, e renegaram seus princípios a fim de obter as boas graças da justiça das classes dominantes, em favor do registro de um novo partido, o Partido Comunista Brasileiro.” (Bertolino, 2013, p. 563)

Diante das perseguições aos que divergiam da liquidação do PC do Brasil, foi lançado o manifesto Aos comunistas e amigos do Partido – assinado, entre outros, por João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Calil Chade, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli e José Duarte – dizendo:

“a direção nacional, sem nenhum sentido unitário, enveredou pelo caminho das medidas administrativas. Na capital de São Paulo, foram dissolvidos os Comitês Distritais do Tatuapé e da Mooca e destituídos dois secretários do Distrital do Brás. No Comitê de Empresa da Estrada de Ferro Sorocabana foram destituídos dois secretários, inclusive o 1° secretário, bem como foram afastados dois membros do Comitê Distrital de Belém. Em Campinas, um dos secretários foi alijado do Comitê Municipal. Ainda na capital de São Paulo foi dissolvida a organização dos jovens do bairro Santa Cecília. No estado do Rio foi afastado um membro do Comitê Municipal de São Gonçalo e foram advertidos e suspensos […] alguns militantes de Niterói; em Nova Iguaçu, o Comitê Municipal está ameaçado de dissolução. No Comitê de Empresa da Estrada de Ferro Leopoldina […] criou-se uma situação tão intolerável que a maioria dos membros foi obrigada a se afastar.” (Buonicore, 2012, p. 151)

Não é preciso dizer que a tentativa dos reformistas de obter o registro no STE, mudando o nome do Partido e abandonando os seus princípios e objetivos, não deu em nada e o pedido foi engavetado. E quando ocorreu o golpe militar de 1964, esse pedido ao STE facilitou as perseguições aos seus signatários.

A 5ª Conferência Nacional Extraordinária do PC do Brasil

Diante das medidas punitivas e da impossibilidade de alterar – através da democracia interna – a orientação reformista e liquidacionista do Comitê Central, os membros da corrente revolucionária concluíram que a única saída possível era a reorganização do antigo Partido.

Para isso, foi convocada a 5ª Conferência Nacional Extraordinária do PC do Brasil. Seus principais organizadores foram João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo, Lincoln Oest, Elza Monnerat e Calil Chade.

A 5ª Conferência Nacional Extraordinária realizou-se em São Paulo, em 18 de fevereiro de 1962, na Rua do Manifesto, Bairro Ipiranga. Dela participaram cerca de 100 delegados de São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul:

Reunião da Reorganização do PC do Brasil | Foto: Fundação Maurício Grabois

“O Rio Grande do Sul […] foi o local em que o PCdoB teve maior expressão num primeiro momento […]. Conquistou vários aderentes, alguns dos quais haviam sido expulsos junto com Amazonas, como Adamastor Bonilha, Otto Alcides Ohlweiler, Paulo Mello, Gregório Mendonça, Guido Enders, Fernando Paula Dias, Carlos Aveline, Carlos Magalhães e a poetisa Lila Ripoll.” (Buonicore, 2012, p.154-155).

A 5ª Conferência manteve o nome de Partido Comunista do Brasil, aprovou o seu Manifesto Programa e o documento Em Defesa do Partido – historiando os fatos que levaram a reorganização do PC do Brasil – e elegeu um novo Comitê Central, de 25 membros. Destes, 11 haviam sido eleitos no 4º Congresso do Partido, em 1954, e 8 no 5° Congresso, em 1960.

O cargo de secretário-geral foi extinto e substituído por uma direção colegiada. Estima-se que em torno de 10% da militância comunista se manteve no Partido Comunista do Brasil (reorganizado), entre eles um bom número de militantes com mais de 20 anos de partido. A sua base social era predominantemente operário-popular. A partir do final dos anos 60, cresceu nele a participação da juventude estudantil.

O Manifesto Programa aprovado indicou que as principais causas do atraso do país eram a dominação imperialista, o monopólio da terra e os grupos monopolistas da grande burguesia e definiu que os principais inimigos eram o imperialismo, em especial o estadunidense. Afirmou ser “impossível resolver os problemas fundamentais do povo nos marcos do atual regime”, descartou nas circunstâncias de então “o caminho pacífico da revolução” e apontou para a necessidade de um novo governo, popular e revolucionário:

“O Partido Comunista do Brasil, que se orienta pelo marxismo-leninismo e que objetiva o socialismo e o comunismo, considera que na presente situação a principal tarefa do povo brasileiro é a luta por um governo revolucionário, inimigo irreconciliável do imperialismo e do latifúndio, governo de liberdades, cultura e bem-estar para as massas. […] as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução. Por esse motivo as massas populares terão de recorrer a todas as formas de luta que se fizerem necessárias […] ações por conquistas parciais […] participação nas eleições […]. Mas só a luta decidida e enérgica, as ações revolucionárias de envergadura, darão o poder ao povo.” (Partido Comunista do Brasil, 2000, p. 38, 40-41)

O imperialismo, o latifúndio e a burguesia monopolista são os principais inimigos do povo e só um governo popular revolucionário – antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista – viabilizará as transformações estruturais que o Brasil necessita. Para isso, é necessária uma ampla frente social:

“Em consequência da pilhagem do imperialismo, do domínio do latifúndio e da ação nociva de grandes capitalistas, o atraso e a miséria campeiam […]. O imperialismo, o latifúndio e os grupos monopolistas da burguesia são […] os principais entraves ao progresso da Nação […]. (Idem, p. 34)

“Há os que falam em reformas e, até mesmo, em reformas de base. É óbvio que o Brasil necessita de reformas profundas em sua estrutura econômica, tais como a reforma agrária que proscreva o latifúndio e medidas que liquidem a exploração imperialista. Todavia, essas reformas não podem ser realizadas nos marcos do regime vigente. […] Impõe-se a instauração de um novo regime, antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista […].” (Idem, p. 36-38)

“Os operários e os camponeses, núcleo fundamental da unidade do povo, junto com os estudantes, os intelectuais progressistas, os soldados e marinheiros, sargentos e oficiais democratas, os artesãos, os pequenos e médios industriais e comerciantes, os sacerdotes ligados às massas e com outros patriotas constituirão o elemento indispensável para conseguir um governo popular que realize um programa revolucionário. A unidade da esmagadora maioria da nação é necessária e possível e, sob a direção da classe operária, será a força capaz de varrer todas as barreiras que se ergam no caminho da emancipação nacional e social do povo brasileiro.” (Idem, p. 41)

A Conferência também decidiu retomar a publicação do jornal A Classe Operária – que estava registrado na ABI no nome de Maurício Grabois e que havia sido abandonado pelos reformistas. Sua primeira edição foi às ruas em março de 1962, com uma tiragem de vinte mil exemplares (inteiramente esgotada), na qual foi divulgado o Manifesto Programa. A partir de então A Classe Operária passou a ser publicada a cada 15 dias, se esgotando rapidamente, o que mostrava a sua boa aceitação.

As primeiras relações internacionais e a Resposta à Kruschev

Ao contrário do que afirmam alguns, a reorganização do PC do Brasil se deu a partir das contradições que se deram entre “reformistas” e “revolucionários”, no interior do Partido Comunista do Brasil, sem qualquer participação ou influência do PC da China ou do Partido do Trabalho da Albânia, que nesse momento sequer haviam iniciado a sua polêmica pública com o PCUS, que só foi desencadeada em março de 1963.

Aliás, o primeiro relacionamento internacional do PC do Brasil se deu com Cuba revolucionária, através da visita de João Amazonas e Maurício Grabois a Havana, convidados a participarem das comemorações do Primeiro de Maio. Na ocasião, ambos se entrevistaram com Fidel Castro e Che Guevara, ainda que de forma rápida, e aproveitaram para estabelecer os primeiros contatos com as representações da China, Albânia e Coréia. Só em março de 1963, João Amazonas e Lincoln Oest fizeram uma primeira visita à China, sendo recebidos pessoalmente por Mao Tse-Tung, com quem mantiveram uma conversa de três horas. E a primeira viagem à Albânia só ocorreu em 1963, com uma viagem de Pedro Pomar e Consueto Callado à Tirana.

João Amazonas em encontro do PC do Brasil com o PC da China | Foto: Fundação Maurício Grabois

É nessas circunstâncias que, em 14 de julho de 1963, o CC do PCUS publicou “carta-aberta” à direção do PC da China, acusando-a de apoiar grupos que “atuam contra os partidos comunistas dos Estados Unidos, Brasil, Itália, Bélgica, Austrália e Índia […]. No Brasil, são apoiados pelos camaradas chineses frações expulsas das fileiras do partido (como, por exemplo, o grupo Amazonas-Grabois)”.

Essa tentativa dos revisionistas soviéticos de responsabilizar a China pela divisão dos comunistas no Brasil foi respondida poucos dias depois, através de uma carta que ficou conhecida como Resposta a Kruschev, tornando o PC do Brasil o primeiro partido comunista do mundo, fora do poder, a manter uma polêmica pública com os revisionistas soviéticos. Após relatar as divergências políticas e ideológicas que tornaram imperativa a reorganização do PC do Brasil, o documento afirma:

Resposta do Partido Comunista do Brasil a Nikita Kruschev, divulgada na Classe Operária | Foto: Fundação Maurício Grabois

“Ao apontar os camaradas chineses como responsáveis pela divisão do movimento comunista no Brasil, os dirigentes do PCUS […] não concebem que diante da traição dos oportunistas, inevitavelmente surgiriam em nosso país os elementos dispostos a erguer a bandeira revolucionária. […] Quando se iniciou a discussão no Comitê Central do PC do Brasil, os camaradas que posteriormente procuraram reorganizar o Partido não conheciam as divergências no movimento comunista internacional. Mais tarde, ao se inteirar da existência de questões controvertidas, ignoraram sua real profundidade. Somente com a publicação de uma série de artigos no Diário do Povo e na Bandeira Vermelha, de Pequim […] puderam os membros do PC do Brasil […] constatar que […] trata-se de luta de significação histórica entre o marxismo-leninismo e o revisionismo contemporâneo.” (Partido Comunista do Brasil, 2000, p. 50)

Na mesma “Resposta a Kruschev”, o PCdoB afirmou:

“O Partido Comunista do Brasil apresenta um programa revolucionário, proclama seus fins socialistas, afirma abertamente sua adesão aos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, não esconde seu nome nem sua natureza de classe. O Partido Comunista Brasileiro renega o velho Partido, renuncia ao programa revolucionário, oculta se nome, deixando em realidade de ser o Partido do proletariado”. (Idem, p. 49)

O surgimento da sigla “PCdoB”

O historiador Augusto Buonicore nos explica como foi surgiu a sigla “PCdoB”, com o objetivo de diferenciar o velho Partido Comunista do Brasil do recém criado Partido Comunista Brasileiro, o qual se apropriou da sigla “PCB. Nos diz ele que segundo o dirigente comunista Dynéas Aguiar:

“a sigla PCdoB, para a qual não existia precedente, surgiu numa dessas reuniões em Brasília, com a participação de Amazonas. Nos primeiros documentos ainda se escrevia Partido Comunista do Brasil, sigla PCB. A ideia de incluir o DO se deu numa reunião com alguns jornalistas. Alguém falou: ‘vem cá, que negócio complicado é esse, tem PCB e PCB? Dois PCBs? Como podemos diferenciar os dois partidos? Não poderia ficar PCB e PCdoB’, pondo a tônica no DO. Não sei precisar exatamente quem teve a brilhante ideia […]. Isso, possivelmente, deve ter acontecido em meados de 1963. Nascida num clima descontraído, acabou pegando. O Partido Comunista do Brasil tinha agora uma nova sigla: PCdoB”. (Buonicore, 2012, p.166)

De toda forma, é preciso ter claro que as siglas “PCB” ou “PCdoB” – como ficou conhecido o Partido Comunista do Brasil na sua primeira fase (40 anos) e na sua segunda fase (60 anos), respectivamente – nunca constou dos Estatutos partidários, sendo somente uma maneira usual de abreviar o seu nome. O que efetivamente nunca mudou foi o seu nome – Partido Comunista do Brasil.

O PCdoB e o golpe militar de 1964

O PC Brasileiro viveu “momentos de glória” durante o governo João Goulart, do qual participavam diversos de seus dirigentes. A ponto de afirmarem – às vésperas do golpe militar – que os comunistas estavam no poder.

Eloy Martins, então membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, registra:

“No segundo semestre de 63, os comunistas, com relativa hegemonia no movimento operário e camponês […] começaram a levar ao extremo sua política oportunista […]. As ilusões que […] estavam se imbuindo eram por demais reboquistas. Tudo ficava em torno do Presidente João Goulart […]. A direção do PCB […] ao invés de continuar mobilizando as massas para a defesa do Presidente da República, aconselha a expectativa e confiar no ‘dispositivo militar’ do governo. […] A direção do PCB estava completamente equivocada. Nosso objetivo deveria ser o de continuar organizando, mobilizando e educando as massas, confiando nelas e não no dispositivo militar do governo burguês” (Martins, 1989, p.131-132, 140)

Enquanto isso, o PC do Brasil, recém reorganizado, “remava contra a maré”, fazendo um esforço hercúleo para conquistar a militância que divergia da política reformista do PCB e para estabelecer vínculos mais estreitos com as massas. A sua Comissão Executiva – formada por João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli, Calil Chade e Lincoln Oest – percorria o Brasil de norte a sul, estruturando o Partido e participando das mais variadas ações de massas. A Classe Operária era um importante instrumento nessa empreitada.

Conforme é relatado na Resposta a Kruschev, “em um ano e meio de trabalho, o Partido passou de centenas de membros para alguns milhares, estruturou-se em todo o país e aumentou sua influência entre as massas. Elevou sua atividade política e cresceu de modo significativo a difusão de sua imprensa.” (Partido Comunista do Brasil, 2000, p. 45)

Já o PC Brasileiro se mantinha totalmente atrelado à burguesia nacional e a Goulart e afirmava não ser viável um golpe de direita no país, apostando tudo no chamado “dispositivo militar” de João Goulart:

Poucos dias antes do golpe militar de 1964, que derrubou o governo Goulart e implantou uma ditadura que só iria terminar em 1985, como secretário-geral do PCB, Prestes disse no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, que não havia condições para um golpe no Brasil. E que, se tentassem dá-lo, os golpistas “teriam suas cabeças cortadas.” (Emiliano, 1997, p. 197-198)

Anos mais tarde, Dinarco Reis, destacado dirigente do PC Brasileiro, reconheceria:

“Em última instância, esperava-se que Goulart, como chefe supremo da nação e de suas forças armadas, assumisse posição de efetivo comandante dessas últimas […]. Julgava-se que com tais medidas poderiam ser enfrentadas com êxito as ações das unidades militares comprometidas com o golpe. […] Tudo isso, porém não passava de elocubrações subjetivas, determinadas pela falsa análise da realidade em curso.” (Reis, 1981, p. 146)

Em contrapartida PC do Brasil assumiu uma postura “esquerdista”, fazendo uma crítica extremamente dura à Jango ao mesmo tempo, porém, que alertava de forma insistente sobre o golpe em preparação.

No dia 28 de março, ocorreu uma reunião com a participação de cerca de 20 membros do Comitê Central do PCdoB – entre eles Amazonas, Grabois, Pomar, Lincoln Oest, Elza Monnerat, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo, Calil Chade, José Duarte e Vergatti – que reavaliou a postura errônea de oposição total ao Governo Goulart e, diante do golpe iminente, decidiu apoiá-lo em determinados aspectos. Lançou, então, o manifesto “Nós e o Governo do Goulart. (BERCHT, 2013, p. 129)

Quando o golpe militar ocorreu – em 1º de abril de 1964 – o PCB foi pego totalmente desprevenido, sendo duramente golpeado pela repressão.

Já o PCdoB – como relata o documento O Golpe de 1964 e seus ensinamentos (agosto de 1964) – “em que pese a brutalidade da repressão, que também atingiu suas fileiras […] não ficou perplexo e pôde resguardar a maior parte de suas forças. […] Infelizmente, o PC do Brasil não dispunha de suficiente influência entre as massas para levá-las a interferir de maneira adequada nos acontecimentos.”. (Partido Comunista do Brasil, 2000, p. 77)

A sede d’A Classe Operária foi fechada, mas já em maio de 1964 ela voltou a circular clandestinamente.

A partir de então, foram 21 anos de combate à ditadura militar e outros 37 anos de lutas em defesa da soberania nacional, das liberdades democráticas e dos direitos dos trabalhadores, após a redemocratização.

A vida acabou por dar razão àqueles homens e mulheres que, em uma atitude de enorme coragem política e ideológica, enfrentando todo o tipo de dificuldades, souberam “remar contra a maré reformista” dos anos 60 e – ao reorganizarem o Partido Comunista do Brasil – preservaram a história e a política revolucionária dos comunistas brasileiros.

Com o passar dos anos o PC do Brasil fortaleceu-se, agregou outras forças revolucionárias com destaque para a Ação Popular” e o Partido Pátria Livre” e tornou-se um Partido Comunista com mais de 400 mil filiados, enraizado no conjunto dos movimentos sociais, com presença real na luta de ideias e na vida política do país.

Enquanto isso, o PC Brasileiro entrou em processo acelerado de desagregação, dando origem a inúmeras organizações, a maior parte das quais já não existe. Em 1992, no seu 10° Congresso, retirou de seus Programa e Estatutos quaisquer referências ao comunismo, ao marxismo e à revolução, renegou o seu símbolo e o seu nome e passou a denominar-se Partido Popular Socialista (PPS), que logo se tornou uma linha auxiliar do neoliberalismo no Brasil.

Por ocasião de seu 10º Congresso, um grupo de militantes e dirigentes do PCB se insurgiu contra à liquidação do PC Brasileiro, retirou-se dele e convocou um novo “10º Congresso” para março de 1993. Nele, foi aprovado manter o nome “Partido Comunista Brasileiro”, a referência ao marxismo-leninismo e a sigla PCB. O registro do PCB na justiça eleitoral só foi obtido após um longa batalha jurídica, concluída em 1995, pois a direção do PPS tudo fez para impedir que isso acontecesse. Dessa forma, foi mantida a existência do PCB até os dias de hoje. (Kieller, 2002, 72-73, 84-86)

Controvérsias e conclusões

Como conclusão, vamos examinar quatro falácias sobre a reorganização do PC do Brasil:

O Partido Comunista do Brasil surgiu em 1962 sendo uma dissidência do PCB,

Essa é uma das mais recorrentes falácias, que circula entre os desavisados…

O partido fundado em 25 de março de 1922 se chamou “Partido Comunista do Brasil” (Diário Oficial da União de 07.04.1922, pg. 6.970). Apesar de em seus Estatutos não constar qualquer sigla, após algum tempo passou a ser conhecido pela sigla “PCB”, de uso popular.

O partido que foi legalizado em fins de 1945, que nas eleições de 1946 fez 10% dos votos, elegeu um senador e 15 deputados federais foi o “Partido Comunista do Basil”. O partido que em 1947 teve o seu registro cassado e em 1948 teve todos os seus parlamentares cassados foi o “Partido Comunista do Basil”. O partido que realizou os 1º, 2º, 3°, 4° e 5° Congressos foi o “Partido Comunista do Brasil”.

A primeira vez que apareceu a denominação “Partido Comunista Brasileiro” foi em 11 agosto de 1961, no jornal Novos Rumos nº 127, que publicou os Estatutos de um novo partido, nos quais desapareceram quaisquer referências ao marxismo-leninismo, ao internacionalismo proletário e à luta por uma sociedade comunista. Isso ocorreu poucos meses após a realização do 5º Congresso do Partido, o qual não havia autorizado qualquer alteração no nome ou nos princípios do PC do Brasil.

Portanto, quem surgiu em 1961 foi o PC Brasileiro.

O PC do Brasil só foi reorganizado em 18 de fevereiro de 1962, frente ao seu abandono pelo Comitê Central eleito no 5º Congresso

A divisão dos comunistas brasileiros colocou democratas, defensores da democracia partidária e renovadores contra stalinistas, autoritários e dogmáticos

Falso! O chamado “pântano”, que empolgou a direção do Partido e depois criou o PC Brasileiro o fez burlando a democracia interna, utilizando métodos autoritários – como na aprovação da Declaração de Março de 1958, no processo de tirada de delegados ao 5º Congresso, na mudança do nome, Estatutos, princípios e objetivos dos comunistas partido (em frontal desrespeito às resoluções congressuais) e com a expulsão sumária dos que resistiram à liquidação do Partido.

Os adeptos do novo partido copiaram, de forma servil e dogmática, as teses revisionistas do XX Congresso do PC da União Soviética (inclusive a tese do “caminho pacífico para o socialismo”) e se aferraram à superada tese de que a burguesia era “revolucionária”, porque tinha contradições antagônicas com o imperialismo e porque necessitava da reforma agrária para poder desenvolver o capitalismo. Assim, a contradição entre toda a nação e o imperialismo era a principal.

Enquanto isso, os ditos “dogmáticos” inovavam, mostrando que o desenvolvimento do capitalismo podia ocorrer conservando a grande propriedade da terra – o chamado “caminho prussiano” e mantendo a subordinação ao imperialismo. Por isso, os principais inimigos do povo brasileiro eram o imperialismo, o latifúndio e a burguesia monopolista.

E os testemunhos acerca da correção pessoal, amplitude, respeitos às normas e à disciplina partidárias, inexistência de mandonismo ou de culto à personalidade, de parte de João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar – para ficar só nas principais lideranças responsáveis pela reorganização do PC do Brasil – são incontroversos, desde Eloy Martins a João Aveline, Jorge Amado, Apolônio de Carvalho, Victor Márcio Konder e tantos outros. Aliás, se houve algum culto à personalidade no PC do Brasil, ele nunca o foi em relação a Amazonas, Grabois e Pomar…

A divisão dos comunistas brasileiros decorreu das divergências no movimento comunista entre China e URSS

Falso! A polêmica aberta entre o PCUS e o PCCh só se tornou aberta e pública a partir de março de 1963.

Ora, as divergências em relação à política reformista e revisionista no interior do PC do Brasil tiveram início já em 1957 – seis anos antes – com a aprovação do Manifesto de Março de 1958 – e a reorganização do PC do Brasil ocorreu em fevereiro de 1962, um ano antes da referida polêmica pública.

Em sua Resposta a Kruschev – respondendo às acusações do CC do PCUS, de 14 de julho de 1963, de ter sido uma “cisão” em favor da China – o PC do Brasil esclareceu que naquele momento sequer tinha conhecimento dessas divergências e que quando soube delas, não aquilatou em um primeiro momento sua profundidade.

Assim, o Manifesto Programa aprovado na 5ª Conferência afirmava que “a revolução brasileira se processa numa época de grandes transformações. Países com mais de 1 bilhão de habitantes construíram ou constroem o socialismo. A União Soviética marcha para o comunismo […].” (Partido Comunista do Brasil, 2000, p. 41)

Na verdade, os primeiros contatos internacionais do PC do Brasil só ocorreram por ocasião do 1° de Maio de 1962, em Cuba, oportunidade em que foram mantidas conversações com diversos partidos comunistas, entre eles Cuba, China Albânia e Coreia.

O debate sobre quem deu continuidade ao Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922, é uma discussão bizantina, semelhante a querer saber ‘quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?’.”

Quem diz isso é incapaz de entender a importância política e histórica da decisão tomada por um punhado de comunistas de – remando contra a maré reformista dos anos 60, desafiando a liderança de Prestes e a “Pátria do Socialismo” – reorganizar o Partido Comunista do Brasil, preservando a história, os princípios e os objetivos da luta comunista no Brasil.

Para aquilatar a grandeza desse acontecimento, basta dizer que o PC do Brasil foi o primeiro partido comunista fora do poder a enfrentar o revisionismo soviético e a impedir a degeneração do Partido em um agrupamento reformista e oportunista. Ali, o que se travou foi um combate entre a corrente revolucionária e a corrente reformista sobre os rumos da luta comunista no Brasil.

Passados 60 anos desses acontecimentos, o próprio Prestes abandonou o PC Brasileiro – acusando-o de ser um partido reformista e oportunista – e ele desintegrou-se, dando origem a diversas organizações, a maior parte das quais já não existe, gerando ao final o PPS, uma força política de caráter neoliberal, com exceção de uma pequena parcela que, inconformada, reorganizou o PC Brasileiro.

Em contrapartida, nesses 60 anos, incorporaram-se ao PC do Brasil diversas organizações revolucionárias e ele tornou- se o maior e o principal partido comunista do Brasil, presente com força nos movimentos sociais, na luta institucional e na luta de ideias.

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