A Agricultura do Futuro
A produção de alimentos no Planeta precisa continuar crescendo, em especial em regiões onde prevalecem a miséria e a fome. Espera-se, contudo, que esse progresso ocorra a partir da adaptação das sementes aos solos, não aos agrotóxicos, como tem ocorrido em boa parte do globo, inclusive – ou principalmente – no Brasil.
Publicado 05/02/2013 12:13
É certo que uma das entidades de pesquisa agropecuária mais respeitadas mundo afora é a Embrapa. Nossa empresa pública tem sido requisitada por organismos e governos para desenvolver projetos em várias partes, especialmente na África, por já acumular sólido conhecimento sobre a relação entre solos e lavouras.
Mas é certo, também, que nossa agricultura tem sido vítima de largo uso de agrotóxicos que há muito estão proibidos na Europa, Estados Unidos, China e em outras plagas. E de sementes patenteadas, que nos custam fortunas em direitos de uso, o que se contrapõe à nossa capacidade de pesquisa.
Os ingredientes ativos de mais de uma centena de produtos agrotóxicos são importados quase que livremente, com raras exceções. Seguem as rotas normais, sendo taxadas e fiscalizadas, ou entram como contrabando pelas fronteiras com países vizinhos ou pelos portos da nossa extensa costa.
Boa parte da produção agrícola brasileira segue para outros países do jeito que é colhida, ou seja, sem passar por beneficiamento que agregue valor ao seu preço. Chega a colocar dúvidas sobre se vale a pena plantar e colher, já que o seu alto custo financeiro e ambiental é igual ou maior do que se ganha nessas exportações.
O alto grau de intoxição provocado por esses insumos não se restringe aos produtos agrícolas. Começa pelo solo, que é degradado em poucos anos. E seus vasilhames infectados, por lei, deveriam ser devolvidos aos seus fabricantes. Mas ficam amontodos em fazendas ou lixeiras públicas, quando não são usados para envasilhar água por trabalhadores bóias-frias, por exemplo.
O caso mais notório é o da soja, que a Embrapa adaptou para outros climas e solos para atender a interesses japoneses, criando a chamada “soja tropical”. A pesquisas e os projetos agrícolas para sua plantação em larga escala, de início na região Centro-Oeste, foram financiados desde décadas atrás pela JICA (Agência Japonesa de Cooperação Internacional).
Mas esta não é a marca da Embrapa. Até porque a empresa nada tem a ver com políticas de aplicação de suas pesquisas, que, no caso, libertou o Japão da dependência que tinha da soja dos Estados Unidos. Uma questão estratégica para os japoneses, que contou com a parceria do governo brasileiro.
De igual modo, porém, são notáveis os cuidados que a Embrapa tem com o conhecimento tradicional. É célebre o caso do milho dos índios Krahô remanescentes em Goiás e Tocantins. Sua cultura tinha no milho muito mais do que um alimento. Da colheita ao preparo, tudo virava festas e rituais.
A comunidades daqueles índios tiveram que mudar de vida e até de local de morada. Foi a degradação completa. Bebidas alcoólicas e depravação sexual passaram a dominar suas vidas. Até que um pesquisador da Embrapa descobriu espigas de milhos secularmente usados por aquele grupo, congeladas, e promoveu sua reintrodução. A vida dos Krahô voltou ao normal.
Todo o patrimônio genético de plantas nativas é alvo da biopirataria por partes de grandes grupos econômicos estrangeiros que atuam nos ramos de medicamentos, perfumes, cosméticos e alimentos. Esses piratas roubam nossas espécies de plantas e registram patentes até das sementes.
Foi por essa razão que em 1991 nasceu na Índia o movimento “Navdanya” (Nova Semente), sob a líderança da física nuclear e militante ambiental Vandana Shiva, que no ano passado esteve duas vezes no Brasil. Seu objetivo é proteger as sementes nativas contra as manipulações dos grande conglomerados.
Um alvo central do movimento é a empresa Monsanto, dos EUA, que atua em larga escala aqui no Brasil, cobrando pelo uso de “suas” sementes e fomentando o uso de agrotóxicos.
Esse monstro entra rachando na zona rural, mas é sutil em sua propaganda. Por exemplo: um dos programas mais vistos da TV Cultura de São Paulo, que é pública, traz a assinatura “apoio cultural da Monsanto”.
Esta e outras empresas congêneres têm muita gente infiltrada (ou bem remunerada) em órgãos públicos brasileiros, em especial no Ministério da Agricultura e em várias instâncias da Justiça. Todas as tentativas do Ministério da Saúde de restringir o uso de agrotóxicos esbarram em pareceres dúbios da outra pasta e decisões da Justiça favoráveis a esses invasores.
Para sair dessa enrascada e voltarmos a ter nossas sementes e nossas técnicas agrícolas saudáveis, o tema precisa virar objeto de amplo debate nacional. Com o Governo Federal e o Congresso Nacional à proa.