A chama do Pan

Acho que era por volta das 09h00min da manhã do dia 07 de junho quando recebi uma ligação da comissão de esporte da Funcaju e ao contrario das conversas corriqueiras me surpreendi com o enunciado:
– Alô! Ganso?*
– Sim.
– Seu nome completo é An

Gelei! Afinal minha ligação direta com o esporte teve um esfriamento em 2002 quando parei de praticar Skate Board como atleta, mas…

– Você foi escolhido por ser uma figura do movimento hip-hop de Aracaju.
– Ham?
– Tire todas as duvidas no sitio da prefeitura: www.aracaju.se.gov.br

Achei até fosse brincadeira, pois do outro lado da linha falava comigo um velho amigo de trabalho – o Aquiles. Fiquei alegre, confesso. Mas, me preocupou um pouco como seria a reação dos descontentes do Movimento com tal indicação, afinal era eu o suposto representante de um movimento sem dono!

Acessei o tal endereço e conferir meu nome entre tantos nomes dos tais escolhidos e cheguei a seguinte conclusão: entre estes havia outros importantes representantes de movimentos, foi merecida a indicação e por que eu não poderia ser um destes. Sorri! Vendo neste ato um reconhecimento de longos anos de trabalhos em comunidades periféricas da cidade em que nasci e cresci – obrigado pela indicação!

Após essas preliminares aguardei com ansiedade a reunião de esclarecimentos sobre o modo como conduzir a tocha. Tamara, uma carioca de sotaque denunciador falou para todos e todas presentes no salão do hotel-sede e responder, também as perguntas freqüentes e eu fui na parte que me interessava.

 – Pode usar algo na cabeça: tôca, bombeta, bandana…?
 – Não!

Foi taxativa! E continuou…

– Deixe seus pertences, pois não temos onde guardar. Leve apenas RG.

Fiquei pensativo… Eu sem nada na cabeça?!

Deixa eu explicar. Há um ano fui vitima de uma alopecia proveniente de um trauma psicológico familiar, contudo tive o couro cabeludo afetado por isso o resultado: fiquei careca! Nada contra os irmãos carecas, não! É que tinha que dar um bronze pra sair em grande estilo e o sol “num tava” dos melhores.

E o dia chegou…
Mesmo sem muito sol fui à praia e catei umas duas horas entre mergulhos e caminhadas depois fui em ''mi casa'' tomar um banho pra tirar o sal. Coloquei a roupa que me deram e fui ao local combinado. Mesmo sabendo que não podia levar mais nada arrisquei uma testeira branca e uma bandana laranja nas cores do fardamento pra pôr um naipe, né?

Cheguei e dei de cara com a Tamara que olhou e disse:

– Esses manos do hip-hop… Sempre metendo estilo. (risos)

Esperamos um pouco e lá estávamos (eu e mais 19 dos 60) cada um contando para todos os presentes qual a razão de ser escolhido, entre tantos nomes na cidade e lá falaram: Wellington Elias – radialista esportivo com seus oitentas anos, Orlando Vieira – ator e diretor, já protagonizou filmes e novelas na rede Globo, Sidraque Marinho – arbitro profissional, já apitou finais de campeonatos brasileiros e jogos da Seleção, mano tinha até ex-atleta de outros jogos Panamericano e eu falei…

Sou Anderson. Mas a rua me deu o nome de Ganso ou Hot Black. Não foi o esporte que me trousse até aqui e sim minha caminhada social. Apesar de praticar skate, hoje com menos freqüência que antes, atuo no campo dos trabalhos socias. Sou militante do movimento hip-hop aqui em Aracaju, onde moro. Desenvolvo com meus manos e aliados atividades em bairros de periferia. Projetos como FACE, Rima’racaju, Caminhada do hip-hop e Grito da Periferia foram algumas das atividades que tive o prazer de realizar nas periferias da minha cidade mostrando a centenas de milhares de jovens que a música, a arte, assim como o esporte salva. Eu sou uma prova disso. O hip-hop me salvou das armadilhas que caíram meus amigos de infância, o crime e as drogas, muitos morreram. Esse movimento me deu valor, não preço. Se cheguei até aqui é por que tenho muito chão ainda pra trilhar e trilharei, hoje com a certeza do que faço tem respaldo em outros ambientes. Muito obrigado!

Fui aplaudido, e sentir uma coisa boa neste momento a sensação de ser visto como vencedor aos vinte e nove anos utilizando o hip-hop. Ainda lembro-me da Tamara reforçando:

– Cada um de vocês tem uma importância imensurável para sua cidade.

E o toque foi dado via radio amador…
Uma voz agitada pedia que todos fossem para dentro da van que logo logo seriamos deixados nos respectivos locais de condução. Corremos pro ônibus e na espera fui solicitado a fazer um freestyle ao som de palmas e agitação. Rimas e mais rimas até o condutor de numero 40 receber a tocha…

– Vamos motorista. Agora é a hora.

Partimos rumo aos nossos pontos e a cada deixada via no olhar dos “tocheiros” – como éramos chamados, a imensa satisfação de ser um dos 60. A ficha caiu quando uma das meninas de sobrenome “Amador” disse: o numero 47 desce no próximo.

Pronto! Era o meu momento de conduzir por um percurso de 400 metros o símbolo do Pan: a tocha. Das mãos do campeão de fullcontact, Falcão – esse que se recuperou dum gravíssimo acidente de moto – repassou para as minhas mãos e disse: – Agora é a vez da periferia, do hip-hop… Seu momento.

Aos olhares dos moradores da Coroa do Meio – local onde antes moravam-se em palafitas, hoje, em casas dum novo conjunto, foram calorosos com a minha pessoa e eu pouco pude desfrutar do momento. Quando dei por mim fui avisado que entregaria nos próximos metros a tocha ao condutor 48. Confesso que foi tão rápido que não notei a distância e no pique que ia eu correria uns dois quilômetros ou mais.

A menos de uma semana pro inicio dos jogos Pan-americanos Rio 2007 a mídia insiste em mostrar mais a violência do Rio de Janeiro que a própria importância desse fato pro Brasil e seus competidores, mas por outro lado exibem com glamour as casas cheias em campeonatos de futebol carioca com seus “clássicos”.

Bom, não acredito que serei lembrado pro resto vida por isso, mas sei que me lembrarei disso pro resto da minha vida. Acredito que fui o único representante do hip-hop a conduzir a tal “tocha” o que não me envaidece e nem me expõe e sim reforça ainda mais o compromisso de fazer o que faço com seriedade e amor, pois o que tiver de ser: será.

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