A conspiração pernambucana

“Talvez, na história da imprensa brasileira, nunca os autoproclamados grandes tenham sido tão pequenos em seu desamor à liberdade enquanto patrimônio coletivo, quanto naqueles tempos feios da ditadura que ajudaram a construir, pela conspiração ou pela conivência diante da censura”. A frase é de Flávio Aguiar, professor da USP, no livro Jornalistas e Revolucionários, de Bernardo Kucinski.

Aguiar se refere aos grandes jornais, de cuja associação ideológica e de negócios com o poder lhes rendeu o domínio da informação, apoderação e controle da comunicação de massa até os dias de hoje. “A razão essencial desse fenômeno – a formação de oligopólios também na imprensa – vem do caráter de grande empresa assumido pelos grandes jornais”, diz Nelson Werneck Sodré no livro História da Imprensa no Brasil. O tema também é abordado no livro Mídia – Teoria e Política, do pesquisador Venício Lima, que esclarece como se pôde alcançar tamanha poupança patrimonial e poder político. Lima vem secundar a luta pela democratização da mídia, que vem sendo empreendida por sindicatos, comunidades de base, movimentos de bairros e outras instituições do movimento social. Nos jornalões, a informação omitida, distorcida ou intencionalmente criada ampliou em muitas vezes o esforço que a sociedade começa a praticar com a instituição da Comissão da Verdade.

A ação dos movimentos sociais pela verdade era limitada no passado pela pressão da ditadura, interessada e partícipe ativa, por seus censores, da fraude midiática. No entanto, contra as celebridades encasteladas nas direções e editorias dos grandes jornais, a resistência contava com numerosas personalidades de notável saber moral e intelectual, ativos participantes em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Ao seu lado, muitos profissionais da imprensa que, mesmo submetidos ao comando de poderosos donos de jornal e às limitações da atuação clandestina, conseguiam construir uma cidadela da verdade. Informações valiosas, às vezes revestidas do formato jocoso, metafórico, a enganar os censores da ditadura. O tema é relatado no livro Vozes da Democracia – História da Comunicação na redemocratização do Brasil, publicado por Intervozes.

Faz escuro, mas eu canto. Manifestações do jornalismo alternativo articulavam-se, de modo quase espontâneo, natural, com as atividades de amplos setores das artes cênicas, literárias, da música. Todos vigiados pelos agentes do regime infiltrados no movimento. Tudo rotulado de “cultura marginal”, jornais alternativos chamados de “nanicos”. Uma tentativa de depreciar tanto as peças teatrais, livros e músicas quanto jornais e revistas. A reação democrática, no entanto, batizou o que era “nanico” para a ditadura de “imprensa alternativa”, uma forma de dizer aos brasileiros, que havia uma alternativa ao pensamento ideológico das trevas. Para Flávio Aguiar, “não resta dúvida que a imprensa alternativa, nas suas diferentes formas, neste quadro sombrio, era um dos oásis cidadãos e combativos”. Thiago de Mello a recitar: “Faz escuro, mas eu canto/Porque a manhã vai chegar”.

Nesse cenário, lia-se O Pasquim, de conteúdo satírico, De fato, Coojornal e Repórter, de reportagem. Outros vinculados a partidos políticos, como Opinião, Movimento e Em tempo. Surgiram a partir de 1975, após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura. Começava o que Kucinski chama de “crise do padrão complacente da grande imprensa”.

O golpe de 1º de abril encontra uma imprensa servil em Pernambuco. A complacência dos grandes jornais teve sua própria marca em Pernambuco. O Diário da Noite e o Jornal do Commercio pertenciam a grupo Pessoa de Queiroz. O Diário de Pernambuco pertencia aos Diários Associados. Ambos os grupos, embora dependentes em parte de concessões oficiais, mantinham à frente de suas editorias consagrados jornalistas de tendências reacionárias, portanto identificados com o golpe militar. No entanto, nos primeiros momentos do golpe, esses grupos tinham poucas informações a respeito do papel dos militares ante a ilegalidade do movimento. Por isso, ficaram à espreita, em cima do muro, no primeiro de abril de 1964.

Caso emblemático é a posição do grupo Jornal do Commercio, como conta o advogado Paulo Cavalcanti no livro O Caso Eu Conto Como o Caso Foi. Seu presidente, F. Pessoa de Queiroz, fora eleito senador pelo principal partido de sustentação do governo Goulart, o PTB, talvez por isso mesmo, arriscou publicar em seu vespertino daquele dia a seguinte nota, cujo teor dúbio poderia agradar ou não desagradar a qualquer dos lados: “ – deveremos, todos os nordestinos, testemunhar nosso reconhecimento aos chefes militares do IV Exército, ao seu comandante principalmente, que, com serenidade, mas energia, assegura a esta região, em meio à confusão da hora presente, um clima que,intranqüilo embora, é de garantia e ordem”.

Nos dias seguintes, consolidado o golpe militar, os jornais de Pernambuco, como de resto, os autoproclamados grandes do Sul e Sudeste, também consolidaram seu reacionarismo e, mais que isso, sua cumplicidade com a autocracia emergente, refletida em ridículas manchetes encaminhadas pelos milicos, como: – apreendidos pelo Exército 10 mil uniformes dos guerrilheiros de Arraes! – Diretor da Loteria do Estado foge com 60 milhões! – Material subversivo encontrado nos veículos do Movimento de Cultura Popular! – O Exército prende 8 estrangeiros que atuavam no campo! – Inúmeros democratas seriam fuzilados pelos comunistas! – Dólares falsos trazidos por chineses iriam custear a revolução comunista! – Cem veículos da Sudene foram usados pelos comunistas para transportar armas para o campo! – cédulas com a foice e o martelo seriam usadas como dinheiro pelos comunistas!

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