A crise no hip-hop preocupa o Estadão

Eu estava a caminho de uma pizzaria em Santo André, onde aconteceria a atividade de lançamento municipal do livro Hip-Hop a Lápis – Literatura do Oprimido, a terceira nesta semana. Foi quando me encontrei com Aliado G, o rapper do grupo Face da Morte faz a apresentação do livro e participaria comigo, Beto Teoria e Célio Turino da atividade.

Ele me perguntou se eu havia lido a matéria no O Estado de S. Paulo sobre o hip-hop. Com minha negativa me passou o jornal aberto com a reportagem de página inteira dizendo: "Olha isso!".

Julio Maria é nome do repórter que assina o texto. Como esse povo é lento para notar transformações. No Capão Redondo como em qualquer outra periferia Brasil a fora as ruas se modernizaram, os celulares se tornaram as rádios de mão em mão, lan-house estão pau a pau com os bares e igrejas… Mas talvez eles façam matéria sobre isso ainda, em um, quem sabe, dois anos.

O velho truque de colocar pobre contra pobre, irmão contra irmão… deixaria Charles Lynch, com inveja.

O culpado da tal crise do rap, segundo o jornal é o funk "…só tem refrão" define o jornalista. E no box com letras grandes… "O funk tem mais mulher".

Sabe por que "A música que sai alta de uma casinha no miolo do Capão Redondo…" preocupa o Estadão? Por que sendo rap, ou sendo funk é música feita pelo e para o gueto, a música do oprimido e esta cultura eles não dominam.

É impressionante como um monte de verdades pode servir, como uma luva, para contar uma grande mentira. Vamos aos dados: "O Capão tem 215 mil habitantes dos quais apenas 9% chegaram a uma faculdade". O "apenas" dá a impressão de pouco, e de fato é. O que camufla que este é o maior índice de jovens pobres dentro das universidades, uma verdadeira invasão. O Prouni é responsável por muitas dessas vagas e certamente o hip-hop também é culpado.

"Cultura, educação, livros, escolas…" (Racionais MC's)

A reportagem acaba assumindo que há uma rivalidade e uma deliberação para não existir shows de rap. Eu chamo isso de "boicote". E o marco se deu no show dos Racionais durante a Virada Cultural de 2007.

A matéria ao menos apresenta duas versões para o fato: "A PM disse que foi provocada, os rappers também." Mas um pouco acima entrega quem iniciou o tumulto: "homens da polícia militar entraram em confronto com o público".

Também admite o constrangimento que provocaram no ano seguinte: "Com revista corporal, cachorro e detector de metais".

O encerramento do Indie Hip-Hop que acontece há uma década no Sesc Santo André é creditado ao comportamento dos integrantes do movimento, com a pixação nos banheiros. Conhecidentemente participo depois de amanhã de um festival de hip-hop que acontece nesta semana inteira no Sesc Ribeirão Preto. (Clique para saber mais)

Sem entrar no mérito favorável ou contrário as pixações. É que lembrei agora de uma reportagem que ví na tv sobre um trabalho de conclusão de curso dos estudantes de letras da USP, que pesquisavam as pixações e frases nos banheiros públicos. Diziam que mesmo na universidade os banheiros eram forrado dessas pixações, inclusive cheia de erros ortográficos. Nem por causa disso nunca ví nenhuma instituição dessas sendo fechada.

Tá lá nas páginas do Hip-Hop a Lápis que fomos promover o lançamento: "Aprendi mais nos ditos populares do que nos jornais." E há um ditado que diz que ninguém chuta cachorro morto. Por que agora, neste momento tentam desqualificar o rap?

Em plena turnê do 50 Cents no Brasil. Sete anos após a morte de Sabotage, quando seu algóz foi condenado. Justo quando temos pela primeira vez em nosso país um edital público específico para o movimento hip-hop. (leia mais) É neste cenário que afirmam que há uma "Virada silenciosa na música que os representa." fiquei pensando se é música como pode ser silenciosa?

A matéria afirma que "apenas 16% leem jornais e revista". No mês em que o Jornal do Brasil com quase 120 anos deixará de circular em papel, estaria o Estadão "A procura da saída perfeita" para seu jornal?

Sei lá, talvez eu seja louco, por que as vezes dá impressão que é tudo metáfora, como se estivessem falando da falta de saída para seu candidato a presidência. Estariam as elites orfãos de líderes e o culpado disso também seria o rap?

Quer saber? Gostei de ver meus parceiros bonitões nas fotos que ilustram a materia, Preto Wil, Negro Chic e Kamau. Valeu a pena.

Devolvi o jornal para o Aliado G e entrei mais tarde no meu twitter. Ví que por lá um monte de gente comentavam a matéria. Uns preocupados, outros acham que não há crise alguma, diziam quantos cds venderam ou quantos shows fizeram.

Um dos comentários não achava nem uma coisa nem outra. Era uma mina chamada Marta Celestino perguntando uma questão para o rapper Jucka. "Será que estão com medo pois os garotos do rap estão se candidatando nessas eleições?"

Fiquei pensando…
Será?

Leia a matéria do Estadão

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