A Esquerda deve apoiar o Governo Lula?
Diante do avanço conservador e da fragilidade da esquerda, apoiar o Governo Lula é uma questão estratégica para quem defende os direitos dos mais vulneráveis.
Publicado 24/03/2025 12:30 | Editado 24/03/2025 10:49

Nos últimos dias, tem-se observado um intenso debate em plataformas midiáticas, como o YouTube, acerca do caráter neoliberal do Governo Lula e, consequentemente, da tese de que a esquerda não deveria oferecer apoio a tal governo.
Determinados setores da esquerda têm criticado o Governo Lula, argumentando que este adota uma postura neoliberal, o que justificaria, em sua visão, a ausência de apoio por parte das forças progressistas.
Embora considere esse debate legítimo, defendo que ele deve ser fundamentado em premissas claras, a fim de evitar interpretações oportunistas.
Nesse sentido, questiono: qual é o propósito dos partidos de esquerda? Qual é a função dos movimentos sociais? Em minha perspectiva, tais entidades existem para defender os direitos dos trabalhadores, assegurar a cidadania aos excluídos e proteger segmentos marginalizados, como a comunidade LGBTQIA+, o movimento negro e o movimento de mulheres. Compreendo que a luta política deve estar intrinsecamente vinculada a um projeto político emancipador, não podendo ser analisada de maneira abstrata.
Na minha compreensão, a luta política se estrutura em três dimensões fundamentais: a luta social, a luta institucional e a luta de ideias.
A luta social refere-se às ações promovidas pelos movimentos sociais no cotidiano político, como a mobilização, a conscientização, a formação de quadros e a produção de lideranças. Exemplos incluem o movimento sindical, o movimento ambiental, o movimento estudantil e o movimento de mulheres, entre outros.
A luta institucional, por sua vez, ocorre no âmbito do Parlamento e do Executivo. No Parlamento, são propostas medidas e projetos de lei que visam proteger, garantir ou, em alguns casos, retirar direitos. No Executivo, a luta institucional se manifesta na implementação de políticas públicas, como políticas de inclusão social, políticas do Sistema Único de Saúde (SUS), políticas ambientais e de redistribuição de renda, entre outras.
Por fim, a luta de ideias consiste na disputa pela concepção de sociedade que se almeja construir. Trata-se de defender uma sociedade justa e solidária, buscando conquistar corações e mentes para a construção de um modelo social mais avançado, no qual o ser humano seja o fundamento central.
Diante dessas dimensões, é essencial avaliar como está organizada a atuação dos movimentos sociais em cada uma delas.
No campo da luta social, é necessário questionar: qual é a situação dos sindicatos, das associações de moradores, do movimento negro e do movimento estudantil? Os movimentos sociais estão conseguindo mobilizar a população, promover debates significativos sobre suas pautas e engajar a sociedade de maneira ampla?
Na realidade atual, vivemos um período marcado pela desorganização e apatia nos movimentos sociais, o que resulta em um enfraquecimento significativo dessa forma de luta.
No âmbito da luta institucional, que abrange o Parlamento e o Executivo, o cenário também não é animador. No Congresso Nacional, observa-se uma predominância do campo conservador, com uma presença expressiva da extrema-direita. No entanto, no Executivo, destaca-se o Governo Lula, que, por meio da presidência da república, desempenha um papel crucial na implementação de políticas públicas. Essas políticas, na prática cotidiana, têm o potencial de mitigar a fome e reduzir as desigualdades estruturais da sociedade contemporânea.
Quanto à luta de ideias, o panorama também exige atenção. Observa-se que as pautas apresentadas pela extrema-direita têm encontrado ampla aceitação na sociedade brasileira. O campo conservador demonstra maior organização e mobilização, com a extrema-direita, composta por setores como o Movimento Brasil Livre (MBL), grupos evangélicos e bolsonaristas, consolidando-se como uma força militante que afirma sua identidade sem hesitação. É importante ressaltar que esse fenômeno não se limita ao contexto nacional, mas reflete uma tendência global, marcada pela ascensão das ideias conservadoras.
É plausível afirmar que a esquerda, atualmente, encontra-se em uma posição de fragilidade. Essa constatação baseia-se no fato de que, das três formas de luta política existentes, a esquerda dispõe apenas de uma parte delas: o Executivo.
Por outro lado, como se configura a atuação da direita nas diferentes dimensões da luta política? No campo da luta social, observa-se que o campo conservador apresenta um caráter mais mobilizador. A direita contemporânea demonstra uma postura ativa e de enfrentamento político, estando presente nas ruas, mobilizada e defendendo suas pautas. No âmbito da luta institucional, verifica-se que a direita possui uma presença significativa no legislativo federal, o que lhe confere capacidade de resistência aos objetivos da esquerda, especialmente no que tange à implementação de seu projeto político. Já na luta de ideias, constata-se uma ascensão das pautas conservadoras, fenômeno que não se limita ao Brasil, mas reflete uma tendência global.
Dessa forma, a conjuntura atual caracteriza-se por uma fragilidade da esquerda na luta política, enquanto o campo conservador se apresenta mais organizado e mobilizado.
Diante desse cenário, surge a questão: quais ações devem ser tomadas? Considerando que, na política, não há espaço vazio, enfraquecer o Governo Lula significa, inevitavelmente, abrir caminho para o retorno do campo conservador ao Governo Central.
É possível defender propostas aparentemente revolucionárias, vestindo boina, fumando charutos, e citando Lenin, para justificar suas propostas radicalizadoras. Tal postura pode gerar impacto em vídeos, atrair curtidas e engajamento. No entanto, a realidade é que, ao abrir mão do apoio ao Governo Lula, estaríamos renunciando a um espaço essencial para a melhoria das condições de vida da população, além de abrir espaço para o retorno do campo conservador ao Executivo Federal.
A decisão de abandonar o Governo Lula pode ser explicada, em minha opinião, por duas razões principais. A primeira seria uma interpretação equivocada da conjuntura atual, levando à conclusão errônea de que a esquerda possui condições de formar um governo superior ao atual. Creio já ter demonstrado que tal conclusão não se sustenta.
A segunda explicação seria o oportunismo. Pequenos setores da esquerda enxergam, nas críticas ao Governo Lula, uma oportunidade de crescimento político. Aproveitando-se do descontentamento com determinadas políticas do governo, esses grupos buscam aglutinar indivíduos insatisfeitos, visando ampliar sua base de apoio.
Esse é o pano de fundo das críticas direcionadas ao Governo Lula. Reconheço que o governo enfrenta problemas; qualquer análise realista da conjuntura atual indicaria que isso é inevitável. Contudo, defender o abandono ao Governo Lula significa desamparar os setores mais excluídos da sociedade. Basta recordar os impactos devastadores da pandemia para compreender a importância de políticas públicas inclusivas.
Portanto, a questão vai além da implementação de políticas econômicas neoliberais pelo Governo Lula. Trata-se de decidir se abriremos mão do único instrumento disponível atualmente para ajudar a população e, consequentemente, entregaremos o poder ao campo conservador nas próximas eleições.
A luta política não se desenrola conforme nossas expectativas e desejos, mas sim de maneira contraditória e complexa. Nesse contexto, é fundamental que, ao longo do processo de construção da luta política, demonstremos um compromisso genuíno com os grupos que buscamos defender.
Conforme mencionado anteriormente, este debate possui relevância significativa. No entanto, é imprescindível estabelecer parâmetros concretos que permitam compreender o que está em jogo e, com base nesses parâmetros, tomar decisões que garantam a continuidade e a coerência com nossos objetivos políticos táticos e estratégicos.
No canal do Youtube “A questão Política” pretendo aprofundar mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para que se inscrevam no canal. (https://www.youtube.com/@Aquestaopolitica).