A Fênix uruguaia

Após quase duas décadas de ostracismo, o Uruguai volta a dar sinais de vida no futebol. Foram 40 anos fora das semifinais da Copa do Mundo e 20 fora de, pelo menos, semifinais da Libertadores da América. O próximo desafio é a Copa América, onde o jejum dura 16 anos. E há tempos o Uruguai não chega tão bem cotado para a competição.

O Uruguai apareceu para o planeta bola antes mesmo do Brasil.

Enquanto o primeiro título de maior expressão do futebol brasileiro foi em 1958, da Copa do Mundo disputada na Suíça, na mesma época, o pequeno país ao sul que margeia o Rio da Prata já era bicampeão olímpico (1924/28), título que até hoje o chamado “país do futebol” persegue, e bicampeão mundial (1930/50). Sendo este último mundial conquistado no Brasil, contra a seleção da casa, em pleno estádio Mário Filho, na tragédia, para os brasileiros, conhecida pelo alcunha de Maracanazo.

Estes títulos, até hoje, são motivos de grande orgulho para o Uruguai. Em especial a vitória no Maracanã, da qual sempre recordam nos confrontos contra brasileiros. Sejam da sua seleção, sejam de seus clubes.

Para tornar inegável a colocação do Uruguai como uma potência do futebol, até hoje nos referimos ao gol marcado, direto, em cobrança de escanteio como gol olímpico.

Isso se deve a um amistoso contra a Argentina, comemorando o título olímpico de 1924, onde Cesáreo Onzari marcou o tal gol e os argentinos, ironizando o mesmo, chamaram-no de “olímpico”. O Uruguai venceu o jogo por 2 a 1, e o apelido pegou!

Até a camisa uruguaia tem nome. É a Celeste Olímpica, outra referência às medalhas de ouro conquistadas.

Seus clubes já venceram oito Libertadores da América. Peñarol e Nacional, que protagonizam uma das maiores rivalidades do futebol sulamericano e mundial, possuem cinco e três títulos, respectivamente. Mais que o Peñarol, só Independiente e Boca Juniors, da Argentina. Nenhum brasileiro.

Tais vitórias revelaram ao mundo inúmeros talentos para o futebol.

Desde Héctor Scarone – o primeiro grande artilheiro da Celeste -, Ángel Romano, José Pedro Cea e José Nasazzi, responsáveis pelos primeiros títulos da seleção uruguaia. Passando por Juan Alberto Schiaffino, Obdulio Varela e Alcides Ghiggia, o carrasco da seleção brasileira na Copa de 50. Chegando à Pablo Forlán, Darío Pereyra, Hugo De León, Rubén Sosa, Rubén Paz e Enzo Francescoli.

Esta última geração levou os clubes uruguaios, brasileiros, argentinos e europeus a grandes vitórias.  O zagueiro De León foi campeão mundial com o Grêmio, dando sangue pela vitória. Forlán e Darío foram ídolos no São Paulo. Sosa e Paz formaram excelente dupla no meio-campo uruguaio que foi vice-campeão da Copa América de 1989, perdendo somente a final para o Brasil, que jogava em casa e contava com Romário e Bebeto no ataque.

O último grande craque, antes do interstício uruguaio no futebol, foi Enzo Francescoli. Um jogador fino, daqueles camisas 10 que elevam a qualidade do espetáculo. Fez sucesso no futebol europeu, foi ídolo no River Plate, da Argentina, e jogou nos dois maiores clubes do seu país. Pela seleção, foi três vezes campeão da Copa América, sendo a última dentro de casa, em 1995, já com 34 anos de idade.

Sua participação na seleção uruguaia até alta idade já evidenciava o enfraquecimento do futebol uruguaio. Sua decadência acompanhava a do próprio país. Com uma população empobrecida, depois de anos de tortura militar e desmandos administrativos que jogaram o Uruguai em uma duradoura crise econômica, seus jogadores de futebol passaram a deixar o país cada vez mais cedo.

O Campeonato Uruguaio chegou a um nível técnico baixíssimo, pois dispunha somente do que “sobrou” em atividade no país. Os dois grandes clubes estavam à beira da falência, o que abriu espaço para equipes menores passarem a frequentar mais os torneios sulamericanos de clubes.

O título da Copa América de 1995 foi o último suspiro do que, durante longo período, foi um gigante adormecido. A última boa participação em Copas havia sido em 70, derrotados pelo Brasil e sua constelação de craques nas semifinais. A última vitória na Libertadores, em 88, com o Nacional. Depois disso, uma série de frustrações.

O jogo começou a virar em 2009, quando o Nacional voltou a figurar, ao menos, entre os quatro primeiros colocados na Libertadores da América, o que não ocorria desde o Danubio, 20 anos antes.

Porém, o melhor ainda havia por vir. Em 2010, em uma campanha épica e comovente, o Uruguai retornava a uma semifinal de Copa. O time, comandado por Diego Forlán – filho do ex-ídolo sãopaulino -, misturava a tradicional garra uruguaia com a técnica que parecia esquecida.

Aliás, durante todo este período tenebroso vivido pelo futebol uruguaio, a tal garra nunca se perdeu. Às vezes se confundia com violência, devido à falta de qualidade técnica, mas foi essa garra que fez com que o futebol e o próprio país sobrevivessem.

A cena de Luís Suárez, na última Copa, saindo de campo, após sua expulsão contra Gana ao “defender” uma bola que entraria no gol de Muslera. Profundamente abatido, em contraste a imensa felicidade ao ver que o pênalti não foi convertido, entrou para a história do país e da competição.

O próprio Suárez, juntamente a Lugano, o imprevisível Loco Abreu, o goleiro Muslera e o craque Forlán se tornaram heróis. O resgate do orgulho de um povo, no esporte que mais amam.

Em 2011, o Uruguai confirma sua ressurreição. O Peñarol chegou a final da Libertadores, contra o Santos, reeditando uma das rivalidades mais bonitas da história da competição. O time uruguaio venceu as duas primeiras edições (1960/61) e o alvinegro da Vila Belmiro, as seguintes (1962/63).

Tecnicamente, o Santos era muito superior. Amplo favorito ao título. Mas também o eram os três adversários anteriores do Peñarol – Internacional (BRA), Universidad Catolica (CHI) e Vélez Sarsfield (ARG) – que ficaram pelo caminho.

Na final, não deu. O Santos venceu, mas teve que jogar muito pra isso.

Se os uruguaios não conseguem formar times mais qualificados para fazer frente aos demais, carregam em si toda essa história, sua tradição e sua garra estampadas em suas camisas, que jogam e decidem. Além do sentimento que, desta vez, o Uruguai está de volta!

Seu povo e sua torcida esperam que para sempre. Diante do que, o futebol ficará eternamente agradecido.

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