A força do yuan

O valor do yuan, a moeda chinesa, vem experimentando uma sensível
valorização frente ao dólar desde julho de 2005, quando o governo chinês decidiu flexibilizar a política cambial do país, abandonando a paridade fixa e adotando um sistema que permite f

Muitos observadores especulam que as autoridades podem permitir uma
ampliação da banda de flutuação, o que resultaria numa depreciação ainda maior do dólar. As mudanças no sistema cambial significam uma discreta concessão dos chineses frente às pressões das potências capitalistas, lideradas pelos EUA, para uma valorização mais substancial do yuan, pressões que deverão ser renovadas nas reuniões do G-7 e do FMI convocadas para 15 e 20 de setembro.


 


Questão de soberania


 


Nos EUA, capitães da indústria e governo julgam as concessões chinesas
frágeis e insuficientes. Parlamentares estadunidenses ameaçam com uma lei que impõe sobretaxa de 27,5% às importações provenientes da China.


 



Argumentam com a necessidade de reverter o assombroso déficit comercial acumulado por Tio Sam, que nas transações com a próspera nação asiática ultrapassou 200 bilhões de dólares em 2005, para exigir o fim de todo e qualquer tipo de controle sobre o câmbio e a adoção pura e simples do sistema de livre flutuação, a exemplo do que ocorre hoje no Brasil para desgosto dos exportadores. O governo chinês não pretende ir tão longe e já deixou claro que considera a política cambial uma questão de soberania nacional.


 


Assim como a liberalização da conta de capitais do balanço de pagamentos (isentando-se o movimento dos investimentos estrangeiros de curto prazo de qualquer controle), a livre flutuação do câmbio foi erigida à condição de dogma capitalista nesta época de globalização neoliberal. É bom ressalvar que nem sempre foi assim. Durante os anos dourados da breve existência do sistema monetário definido pelos acordos de Bretton Woods em 1944, que entrou em colapso com a morte do padrão dólar-ouro decretada em 1971 pelo presidente Richard Nixon, o câmbio fixo ditou as regras do comércio exterior. Deixou de fazer sentido com a decadência do dólar e foi oficialmente abandonado em 1973.


 


Na contramão da ideologia dominante, a experiência indica que a
liberalização do câmbio e do movimento de capitais estrangeiros não favorece necessariamente o desenvolvimento econômico e, muito pelo contrário, tem sido associado às recorrentes turbulências financeiras observadas ao longo dos últimos anos por economistas renomados como o americano Joseph Stigritz, Prêmio Nobel em 2001. A China provavelmente não teria permanecido à margem da chamada “crise asiática” de 1997 se não mantivesse sob estrito controle a conta de capitais e a política cambial. Por esta e outras razões, não é razoável esperar que os chineses adotem o câmbio flutuante, pelo menos em
curto prazo.


 


Efeitos contraditórios


 


A valorização do yuan não deve ser vista como um mal absoluto para a China, embora a intenção perversa de sabotar a ascensão da nova potência econômica da Ásia transpareça nas pressões imperialistas dos EUA a favor da total liberalização do câmbio. Os efeitos das flutuações, para baixo ou para o alto, são contraditórios. Se, de um lado, a valorização de uma determinada moeda nacional tem o dom de deprimir as exportações, elevando o preço relativo das mercadorias destinadas ao comércio externo, de outro lado favorece o mercado interno ao gerar um aumento do poder aquisitivo e das importações locais, podendo se revelar neutra em relação ao crescimento econômico ou mesmo ter um efeito positivo sob certas circunstâncias.



 
Numa perspectiva histórica mais ampla, é preciso notar que a tendência
objetiva de valorização do yuan é originada pelo poderio relativo rescente da economia chinesa no mundo. A força de uma moeda, no final das contas, apenas reflete a força da economia nacional que lhe serve de lastro. É bom lembrar que os EUA não se tornaram uma potência hegemônica e impuseram ao mundo o padrão dólar em função das virtudes intrínsecas de sua moeda, nem mesmo pela força das armas; mereceram tal posição graças ao incontestável poder econômico com que emergiram da 2a Guerra.


 


A China já se consolidou como a terceira potência comercial do planeta e em 2005 alcançou a posição de quarto maior PIB em dólar, além de possuir reservas superiores a 1 trilhão de dólares. Ressalve-se que o dólar não é uma boa medida para o PIB chinês, já que subestima o real valor da produção local. Não é à toa que os governantes dos EUA gostam de usar a chamada paridade de poder de compra em vez do dólar para avaliar (e criticar) o valor dos gastos militares da China (modestíssimos por todos os critérios quando comparados aos do império).


 


Por tudo isto, o yuan deve ser apreciado como uma das moedas mais
importantes do mundo, ao lado do euro, do dólar e do iene. É hoje muito provavelmente a quarta em importância, enquanto o dólar desfruta uma cambiante supremacia como unidade de valor e meio de pagamento no comércio mundial e nas reservas dos bancos centrais e o euro vai se transformando numa referência importante, sobretudo para os inimigos do império. Contudo, essas posições não são fixas e tendem a sofrer notáveis mudanças ao longo dos próximos anos.


 


Apesar da modéstia dos dirigentes comunistas, a China é inegavelmente uma potência em ascensão e seu crescente poderio econômico mais cedo ou mais tarde vai se refletir sobre o valor relativo do yuan. Já o dólar é um padrão em decadência, cujos fundamentos econômicos foram definitivamente corrompidos pelo parasitismo insaciável do Tio Sam, traduzido na acumulação de enormes déficits comerciais, que por sua vez se desdobram num rombo da conta corrente equivalente a 7% do PIB (em 2006) e numa estupenda dívida externa, de longe a maior e mais “respeitável” do mundo. Nessas condições, a tendência histórica de desvalorização da moeda estadunidense é simplesmente irresistível.


 


Não é possível ignorar a força do euro, lastreada no poder da economia alemã (que em 2005 superou os EUA em exportações), e do iene, embora a anemia econômica da União Européia e do Japão possa acabar prejudicando a competitividade desses dois gigantes em médio e longo prazo, enfraquecendo também suas moedas. Por enquanto, o yuan não é sequer plenamente conversível, mas a história está em movimento e não restam dúvidas de que a moeda chinesa está em vias de se transformar numa das maiores rivais do dólar, a menos que a ascensão da China venha a ser interrompida, o que por hoje parece uma hipótese bem remota.



 
Penso que a ascensão da China deve ser bem vinda para os povos e nações que lutam pelo direito à autodeterminação e soberania política e econômica, em oposição ao imperialismo e ao unilateralismo da potência hegemônica. Convém notar neste sentido que a China, diferentemente das potências capitalistas da Europa e do Japão, mantém um relacionamento respeitoso, amigável e mutuamente vantajoso com Cuba, Venezuela, Coréia do Norte, Irã e Síria, demonizados pelo imperialismo e classificados pelo governo Bush como o “eixo do mal”.


 


A emergência da próspera nação asiática como potência já provocou notáveis mudanças no cenário econômico internacional (a favor dos países mais pobres) e não tem sentido imperialista. Creio qeu um dos desafios que se colocam para que a China amplie sua influência econômica e política no mundo é a transformação de uma fatia apreciável das reservas chinesas (hoje em larga medida usadas no financiamento do déficit externo dos EUA – ou, em outras palavras, aplicadas em títulos públicos emitidos pela Casa Branca) em investimentos diretos no exterior. O valor dos investimentos diretos das
empresas chinesas no exterior é modesto, embora em crescimento.


 


Todavia, o potencial de crescimento, dado por reservas superiores a 1 trilhão de dólares, é extraordinário e pode ser usado como poderoso complemento em políticas desenvolvimentistas das nações economicamente mais frágeis e dependentes, sem necessariamente implicar numa expansão imperialista, dado que cabe principalmente ao Estado chinês e não a capitalistas privados a decisão de investimentos sobre as reservas em poder do Banco do Povo.



 
Na medida em que ocorrer na contramão do neoliberalismo e dos interesses da potência hegemônica a ascensão da China vai se revelar uma benção para os povos e um alento para os que alimentam uma perspectiva revolucionária e antiimperialista da sociedade humana.

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