A grande cidade indiana e o Cinema de Arte Coliseu

Satyajit Ray e Nelson Pereira dos Santos foram grandes mestres de um cinema autêntico. Alguns gestores municipais, por sua vez, se movimentam por um fajuto marketing populista e demolidor das cidades.

Mahanagar e o Cine Coliseu com homenagem a Celso Marconi

Coloquei no título o adjetivo “indiana” porque no Brasil tem também um filme chamado “A grande cidade”, que foi realizado em 1966 pelo cineasta Cacá Diegues. É um dos melhores filmes da filmografia de Diegues e a temática realmente se assemelha. Só que em nosso filme a questão feminina é muito mais ligada ao sexual. Enquanto no filme indiano, do grande cineasta Satyajit Ray, a principal questão feminina é a possibilidade de a mulher trabalhar e ser o chamado arrimo de família.

“Mahanagar” (A grande cidade) foi lançado em 1963 e o mais importante é que com essa distância de tempo ainda encontramos uma obra de grande densidade e beleza dramática. Não houve um afrouxamento. É uma obra construída com uma forma narrativa simples, porém muito pessoal. Numa entrevista de Ray, ele declara que aprendeu a fazer cinema com os mestres de Hollywood. E claro que isso aconteceu, mas o resultado pessoal vai muito além. As tomadas de cena não são simplesmente condutoras da narrativa. É a forma de colocar o ângulo da câmara. Todas as cenas são em planos médios. Não há praticamente cenas em plano geral e nem tampouco em primeiro plano. E isso é realmente uma forma de narrar próxima dos hollywoodianos. Porém Satyajit Ray tem a sua própria forma de juntar os planos. Você tem os atores num plano e o seguinte vem muitas vezes em outra total dimensão e não apenas como sequência. São centenas de maneiras de um plano que se seguem um a outro. E isso dá essa dimensão particular à narrativa.

Do ponto de vista da própria história, temos nesse “A grande cidade” uma forma de viver no núcleo da família indiana e assim os personagens principais vão se acrescentando em suas formas humanas. É claro que Ray era influenciado pelo neorrealismo italiano, mas de uma forma diferente do que aconteceu por exemplo com um Nelson Pereira dos Santos. Os dois foram grandes mestres de um cinema autêntico do ponto do vista cinematográfico e cultural. Cada um com as peculiaridades do seu país.

Satyajit Ray morreu em 1992, alguns meses depois de receber um Oscar honorário pelo seu trabalho em conjunto. Recebeu também um Leão de Ouro especial em Veneza. Assim, o seu sucesso internacional foi maior do que o ocorrido com o nosso cineasta maior Nelson Pereira dos Santos. Mas isso são questões que não significam do ponto de vista da grande arte. E eles próprios sabiam disso.

“A grande cidade” indiana está para ser visto no site Making Off.

Olinda, 16.06.2021

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Cinema de Arte Coliseu

Pela minha já larga experiência em jornal, sei que a política é, também, a arte de chamar a atenção. Existe até a estória daquele administrador que gastava cem contos numa obra, mas gastava um milhão para dizer que havia feito a obra. O atual prefeito de Olinda, por exemplo, é mestre em chamar a atenção: para fazer uma obra, ele fecha os pontos principais de trânsito, muda tudo, bota ônibus para subir as piores ladeiras. Pode não fazer muito, mas que chama a atenção, chama. 

Soube que o atual Secretário de Educação da Prefeitura do Recife, o amigo Edmir Régis, está pensando em acabar com o Cinema de Arte Coliseu – tirando-lhe a ajuda do município – visando, segundo seu pensamento, fortalecer a sua ideia de transformar o Teatro do Parque em cinema. Se ele realmente está pensando nisso – o que, na verdade, eu não acredito -, está caminhando dentro do princípio do, simplesmente, fazer política / administração “chamando a atenção”. 

O Cinema de Arte Coliseu vem funcionando há 10 anos. Embora num prédio precário, cinema tecnicamente velho, vem prestando um serviço ao público de bom gosto da cidade, É um grande esforço que os críticos de cinema fazem, principalmente para manter uma programação de bom nível, coisa que nenhum outro cinema no Brasil tem conseguido, mesmo no Rio e em São Paulo.     

(Jornal do Commercio, Recife, 28.08.1971)     

Aos 93 anos, é o crítico de cinema mais longevo em atividade no mundo. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8.

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