“A Rede Social”: À moda do sistema

Filme do diretor estadunidense David Fincher mostra o que há por trás do capitalista

           Na galáxia da internet, a luta pelo domínio das criações e negócios não tem nada de virtual. A ferocidade com que os competidores se atiram na garganta um do outro, literalmente, só confirma a máxima de que no sistema capitalista a ética é a primeira vítima. Nesta cinebiografia do criador, (um dos), do site Faceboook, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), “A Rede Social”, o diretor David Fincher e seu roteirista Aaron Sorkin não endeusam o nerd, que passava (ou passa) suas horas diante do laptop e ainda mostra-o como cínico e perverso no trato com as mulheres. Notadamente Érica Albright (Rooney Mara), sua paixão, a quem destrata na web, abrindo caminho para o surgimento da mais influente rede social deste início de Terceiro Milênio.

          Cinebiografias de grandes personalidades normalmente tendem para o bajulatório ou a comiseração pura e simples, Fincher preferiu entrar no mundo das “ponto com” (.com) pela janela dos fundos. Dalí pôde observar o que de real. não virtual, existe numa galáxia ainda em formação. E não é nada simpático para com o jovem Zuckerberg. Toda sua inclemência irá se desdobrar nas sequências seguintes, até culminar no confronto pessoal e jurídico de Zuckerberg com os irmãos Winklevoss, Cameron (Armie Hammer) e Tyler (Josh Pence), e o próprio Eduardo Saverin (Andrew Garfield), seu sócio e amigo brasileiro, co-fundador do Facebook.

          Fincher e Sorkin, a partir do livro de Bem Mezrich, penetram nos alojamentos de Harvard, onde Zuckerberg e seus colegas usam a internet para conquistar garotas e boicotar sites alheios. Mas não vacilam quando vêm perspectivas financeiras em seus projetos. Há pouco idealismo neles, o que os move é o ego e a supremacia. Zuckerberg trata-os com desdém, ouvindo só o que lhe interessa e fazendo o que bem entende. A diferença entre ele e os outros está no tempo que os demais se dedicam a outros afazeres: os Winklevoss ao esporte e Saverin às festas e garotas. Ele, não, é centrado, criativo e vingativo, e os outros parecem amadores perto dele.

         O resultado deste comportamento é um gigantesco insight: ganha o ódio de Érica e a atenção e simpatia de Saverin e dos irmãos Winklevoss. E permite ao espectador entrar no complexo mundo da internet e da web de maneira simples e atraente. O faz navegar na galáxia de bytes, placas de memória, torpedos, processadores, blogs e sites, tão comuns no cotidiano da juventude atual. Não é necessário ser especialista em informática para entender o que se desenrola na tela. Fincher lhe facilita a tarefa, emocionando-o.

         Construíndo um império
sobre ódio e ganância
Mas Fincher trata também do mercado das “ponto com”. Surgido na década de 80, ele fez a fortuna de alguns e, quando entrou em crise dez anos depois, levou centenas “de empreendedores” à falência e milhões de especuladores ao prejuízo. Um deles, Sean Parker (Justin Timberlake), criador do Napster, site de música grátis, simboliza, mais que Zuckerberg, este meio em que fortunas se fazem e se perdem da noite para o dia. Oportunista, egocêntrico, falastrão, sem ética alguma, Parker o ajuda a transformar, mais que Saverin, o Facebook numa potencia.  E saltar do acesso de poucos usuários de três universidades para o mercado mundial.

        O que começara com 600 usuários pula, em pouco tempo, para 4 milhões. Para Zuckerberg, antes um hacker, interessado em desestruturar sites alheios, Parker foi de grande ajuda. E uma empresa que tinha apenas mil dólares em caixa, em 2003, chegou em oito anos a impressionantes 500 milhões de usuários, em 207 países, cotada no mercado em US$ 25 bilhões. Todos esses números estão sustentados por manobras escusas, negativas e perdas de amizades. Zuckerberg é o protótipo do capitalista que conquista seu nicho de mercado através de seus prepostos, fingindo desconhecer as consequências. Mas Fincher, por não serem inocentes, não tem pena de suas vítimas.

      O Facebook, site de relacionamentos, que funciona com matrizes, fotos, dados e convites a amigos ou não é uma das principais vias de comunicação da juventude do século XXI. Sua eficiência pôde ser testada não só nos relacionamentos pessoais, mas também na mobilização das massas. Haja vista sua utilização maciça nas revoltas populares no Egito, Tunísia, Bahrein, Iêmen, Líbia. Põe cartas, telegramas, panfletos e telefone na idade da pedra. Amplia com o Twiter e o e-mail o conceito da galáxia de comunicação criado por Marshall McLuhan nos anos 60.

       Esses mecanismos são uma combinação de serviços, diversão, relacionamentos e ampliam a liberdade de expressão. Ainda assim, Fincher não fez uma obra-prima, à altura de “Cidadão Kane”, de Orson Welles, ou até mesmo do desmistificador “Rede de Intrigas”, de Sidney Lumet, sobre o fanatismo gerado pelos programas de auditório. No entanto, o uso que faz dos diálogos, assimilando-os aos bytes, notadamente as falas de Zuckerberg, são eficientes. O que vale mesmo é a sem cerimônia com que desvenda Zuckerberg, que não é nenhum Kane. Mas terminou lhe rendendo três Oscar: roteiro adaptado, trilha sonora e edição, dos cinco aos quais era candidato. Ficou de bom tamanho.

A Rede Social” (“The Social Network”). Drama. EUA. 2010. 121 minutos. Roteiro: Aaron Sorkn, baseado no livro de Bem Mezrich. Diretor: David Fincher. Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Justin Tamberlake, Rooney Mara.

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