A senzala falou e disse

“A derrota de Lula significava concordar com a idéia de que um
presidente vindo do povo não consegue mesmo ser bom presidente”

A eleição de Jackson Lago ao governo do Maranhão e a reeleição de
Lula soam como um acalanto. A esperança enterrou o medo. Tenho a honra
de jamais ter votado num Sarney.


 


 
A tarefa de Jackson Lago é melhorar os indicadores do Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M): educação, saúde e renda. Não
será fácil. Mas precisa ser possível. O IDH-M maranhense é o mais baixo
do país: 0,543.


 


 
Revela a miséria absoluta resultante do poder oligárquico dos
Sarney, que por 40 anos elegeram todos os governadores, inclusive o
atual. A senzala – pobres, majoritariamente negros – cerrou fileiras,
confirmando Férrez: “a população se sente mais voltada a votar no Lula.


 


 
Ela pensa: 'pô, os caras ficaram oito anos e não fizeram nada. Pelo
menos na questão social o Lula tem bastante respaldo'. É isso que dá
poder para ele ficar mais quatro anos. É o povo que está decidindo. A
mídia está batendo de frente, está levando para o outro lado.


 


 
O povo está íntegro, querendo votar nele mesmo. Fechou com ele e já
era. Que Lula acerte mais. Que a gente também comece a governar com ele,
e que a gente também se comprometa; porque esse é um governo nosso”.


 


 
Lula soube captar o sentimento popular e o traduziu no discurso de
campanha: “Qual é a razão do ódio? A razão do ódio é que eles
descobriram, depois de 44 meses, que a inteligência do homem ou da
mulher não é medida pelos anos de escolaridade que a pessoa teve.


 



Inteligência é uma coisa e conhecimento é outra coisa. E eles perceberam
que de repente um torneiro mecânico de formação pode cuidar do Brasil
melhor do que eles; pode cuidar do povo melhor do que eles, pode cuidar
da educação melhor do que eles. É isso que incomoda: a maldita inveja…


 


Este país não é feito de números, este país é feito de mulher, de homem
e de criança, e nós temos de governar é olhando essas pessoas. E o que
eu tô falando, essas mulheres conhecem, porque eu não posso fazer
merchandising. Mas o pacote de arroz Tio João era R$ 13,00 tá R$ 5,90
agora. O saco de cimento era R$ 23,00 em março de 2003, é R$ 10 agora. A
lata de óleo, que era R$ 2,80, tá R$ 1,30. Então eles falam: como é que
esse metalúrgico conseguiu fazer o que ele tá fazendo? A resposta é
simples: eu ainda não consegui ler a quantidade de livros que eles
leram, mas eles nunca vão conhecer o povo brasileiro como eu conheço.
Nunca!”


 


 
A filósofa e feminista negra Sueli Carneiro, logo após anunciada a
reeleição, era pura emoção: “Você vai escrever e dar nosso recado. A
senzala falou, confiou e fez a sua parte: garantiu Lula. Depositamos
nele a nossa confiança mais uma vez. Não podemos ser traídos. Queremos
mudar o paradigma do projeto de nação. Que Lula faça jus à nossa
confiança. Apesar de tudo (e não é pouco esse tudo), nós votamos de
novo. Só esperamos que ele esteja à altura de nosso gesto de confiança.
Votar em Lula era votar em nós”.


 


 
 
Para Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi de Pesquisas: “Por
essas razões, a alternância era muito mais que política e na política,
envolvendo sentimentos profundos de auto-imagem e amor-próprio. Era uma
alternância 'deles' por 'nós' e por 'mim'… A derrota de Lula seria a
admissão que não há saída fora da elite. Era concordar com a idéia de
que um presidente vindo do povo não consegue mesmo ser bom presidente e
que nem sequer o direito de completar seu trabalho lhe deve ser
estendido. Com ele, perderiam muitos outros Lulas. Ainda bem que ganhou”.


 


 
O simbolismo é grande. As responsabilidades de Lula, bem maiores.


 


 
Domingo cedo, saindo do plantão, à espera de minha seção eleitoral
abrir, passei na feira e ouvi, maravilhada, uma conversa entre dois
montadores de barracas: “Hoje tem churrasco na favela. Na outra eleição
não teve. Ninguém podia. Mas hoje vai ter churrasco em tudo quanto é
favela. Vamos comemorar a eleição de Lula”.


 


 
Parei. Sorri. Largamente. Espantados, também sorriram.

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