A Vez do Campo

Ao afirmar, na sua primeira entrevista à imprensa, que “vamos fazer uma revolução no campo”, a futura presidente Dilma Rousseff sinalizou para avanços na Reforma Agrária. Ela sabe muito bem que as condições para isso estão postas, basta uma ação enérgica para cruzar a porteira aberta.

Desde logo, ela tocou em dois pontos chaves. Um é o da titulação da terra, para “transformar todo pequeno produtor em proprietário”. Outro, é que só a terra não resolve o problema dos assentados. É preciso ter dinheiro pelo menos para o custeio da atividade.

Dilma falou com segurança porque só o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) tem R$ 16 bilhões para a safra 2010/2011, uma soma nunca vista. É recurso para investimento (do resfriador de leite ao trator) e custeio, para o trabalho fluir.

Mas esses são apenas alguns aspectos da questão. O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, se apressou em lembrar que, hoje, há 100 mil famílias acampadas em beiras de estradas, que precisam ser assentadas.

O problema da disponibilidade de terras acaba de ter forte ajuda do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão fez serem entregues ao Incra perto de 6 mil ha de terras griladas (áreas da União ocupadas ilegalmente por grandes proprietários), no Pará.

É um precedente que abre caminho para o governo ganhar mais de mil ações semelhantes que tramitam na justiça, principalmente no Centro-Oeste e na Amazônia. Somadas, a disponibilidade de terra, o crédito fácil e barato, seguro de safra, garantia de preço e de compra da produção, educação para os filhos, atendimento de saúde e infra-estrutura eficiente são a base da política para o setor.

O chamado agronegócio é, em verdade, um péssimo negócio. Destrói e polui de modo avassalador. Expulsa o pequeno e quase não usa mão-de-obra. O grão, em especial a soja, já devastou o Cerrado em Goiás, Minas, Mato Grosso, Tocantins, Piauí, Maranhão e até no Pará.

De quebra, exporta a produção in natura, sem agregar valor. A estrutura familiar produz 85% do alimento consumido no País, com o dobro da produtividade do grande, segundo o Censo Agropecuário de 2006, do IBGE. Mas o pequeno sabe que o agronegócio também está ao seu dispor, de um modo completamente diferente.

O próprio Pronaf tem uma série de sub-programas que dão nova dimensão à pequena produção. A agroindústria já se prolifera em todo o País, seja pela associação de produtores, seja pela parceria com empresas privadas, que processam os alimentos próximo das áreas produtoras, gerando empregos e agregando valor ao produto.

Um único município de Goiás, por exemplo, está implantando quatro indústrias, que vão gerar 5 mil empregos diretos.Vão produzir extrato de tomate, conserva de pepino, cenoura, batata, legumes congelados e por aí vai. Boa parte é de empresas européias que descobriram a possibilidade de obter várias safras no ano.

O governo cria facilidade para os investimentos, mas exige em contrapartida que a matéria-prima seja adquirida de pequenos produtores, já tradicionais ou recém-assentados. Esse é o caso de um programa chamado “Produzir”, que se assemelha ao sistema coligado, implantado há um século em Santa Catarina, onde estão as bases da Sadia, Perdigão, Ceara, Chapecó, Confiança etc.

Após a Guerra do Contestado (1912/16), com a reforma agrária ali feita, os pequenos produtores se uniam para mandar a produção para os grandes centros, pela ferrovia São Paulo-Rio Grande. Galinhas e porcos morriam na viagem. Então, por que não mandar salame, toucinho, frango processado?

O sistema acabou centralizado em empresas, que fizeram contratos com os pequenos produtores. É assim que funciona até hoje. As novas tecnologias, do plantio ao armazenamento são desenvolvidas em parcerias, inclusive com o governo. O mesmo ocorre com a melhoria genética das espécies.

Deste modo acabou-se de vez o tempo de plantar mandioca, feijão e outras espécies do sustento. Agora, programas são direcionados para áreas e mercados específicos. Champignon, aspargo, temperos de todo tipo e produtos exóticos para nós entram na roda.

Não se trata, é claro, de uma Reforma Agrária socialista, onde tudo seria coletivo, nada privado. É uma reforma capitalista, que leva em conta os aspectos culturais e as condições locais. Mas segura a família no campo, produzindo, com boa qualidade de vida.

Semana passada mesmo, o presidente Lula assinou Decreto que regulamenta o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronara) já aprovado pelo Congresso. A partir de agora, as escolas terão mais incentivos para fixarem períodos letivos, adequarem o próprio conteúdo ao seu meio ambiente e piso salarial para os professores.

Pelo andar da charrete, a tendência é mesmo a de evitar que o MST “seja caso de polícia”, como disse a futura presidente. Autoridades das diversas instâncias do governo e de entidades civis são unânimes em que, de fato, chegou a hora de mudar a cara da agropecuária brasileira.

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