A vigilância mal temperada

O destemperado controle do acesso aos recursos genéticos, amparado em uma legislação equivocada, tem paralisado o progresso do conhecimento cientifico necessário para garantir o próprio controle do patrimônio que eles representam. Seja ele efetivo ou p

Há um imbróglio no exercício das estratégicas funções públicas de produzir conhecimento zoobotânico  e de controlar o acesso ao material biológico ‘in situ’ de modo a proteger os interesses nacionais e  “preservar os equilíbrios ecológicos para as próximas gerações” (Art 225 Constituição ).


 


 


Desatar esse nó é tarefa política e cientifica fundamental, para que essas duas funções , estratégicas para o desenvolvimento e a soberania, sejam efetivamente  cumpridas pelas instituições que as receberam como  missão.


 


 


Hoje os pesquisadores das instituições de ensino superior e de pesquisa são vistos pelos órgãos de vigilancia e ''proteção'' ambiental como potenciais infratores ou perigosos biopiratas. Uma guerra surda  compromete os melhores propósitos de ambas as partes.


 


 


Paradoxalmente, para produzir hoje os conhecimentos necessários para reduzir as nossas incertezas em biologia, é necessário submeter à aprovação da burocracia dos órgãos de controle, o resultado das próprias pesquisas que se deseja realizar…  antes mesmo de alcançar os resultados desejados.


 


 


A ausência de claras diretrizes de Governo e de Estado que orientem a política de proteção do patrimônio genético  tem acirrado os conflitos, causando graves danos tanto à sua proteção quanto ao conhecimento necessário para sua adequada conservação.


 


 


De fato não é possível imaginar que se deva proteger ''tudo o que se move na terra e no ar''. Entender a natureza dos seres vivos é necessário para promover e implementar políticas públicas seletivas de conservação e vigilância da diversidade biologica.


 


 


Há, de fato, uma recorrente confusão que impede um sereno exame dessa questão: não se distinguem, quando se trata da biologia e do meio ambiente, os fatos e fenômenos fundamentais, semelhantes na física à indução magnética ou aos efeitos da força gravitacional, das suas aplicações como por exemplo a produção de luz elétrica ou a construção de uma máquina bate-estacas.


 


 


Se no primeiro caso o conhecimento é de caráter universal e não pode ser considerado propriedade de ninguém, no segundo a aplicação pode vir a ser objeto de patente, nos termos de uma lei de propriedade industrial.


 


 


Um outro exemplo, biológico, seria a classificação de um sapo, que não pode ser propriedade de ninguém, enquanto a utilização de uma secreção, do mesmo sapo, para a produção de um medicamento esta sim pode ser objeto de patente.


 


 


Permitir a livre produção de conhecimentos fundamentais, como classificar e catalogar, e ''controlar'' as aplicações que possam advir destes conhecimentos (não há secreção sem sapo ou fitofarmaco sem planta), constitui um desafio que cientistas e políticos devem equacionar e resolver, para que o interesse nacional seja protegido, tanto de apropriações indevidas como de precauções  exacerbadas.


 



Registrar  a metamorfose de uma lagarta em borboleta, fotografar uma planta, um pássaro, gravar seu canto, são atividades que devem ser necessariamente de livre acesso a qualquer cidadão deste mundo, seja ele brasileiro ou não.


 


 


Se, para observar os astros fosse necessário obter uma licença especial  de algum órgão de proteção das estrelas, não saberíamos porque o nosso Sol continuará a brilhar ainda por muito e muito tempo.


 


 


Houve tempo em que observar os céus era uma heresia. Galileu foi condenado, e abjurou. Vencida a intolerância, os astrônomos  nunca mais atribuíram às estrelas nomes de santos. 


 



Obviamente o comércio das gravações do canto de pássaros pode e deve ser disciplinado, mas a pesquisa para decifrar o seu significado não. Os segredos do canto das aves não é patrimônio de uma ou outra nação.


 


 


Mesmo porque as aves que aqui gorjeiam, atravessam a fronteira sem ''lenço e nem documento'' e lá , na outra margem, também gorjeiam ….para desespero dos agentes de vigilância ambiental.

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