Abutres de plantão

Abutres ou urubus são aves notáveis e entre os ornitólogos é comum serem apreciadas pela maneira altiva de voar e distinguidas pelo imprescindível papel desempenhado na teia alimentar. Mas existe uma nova “espécie” que precisa ser catalogada, bem difer

Enquanto o hábito alimentar necrófago dos abutres foi determinante ao longo da história da humanidade para sua associação a todo tipo de azares, infortúnios, males e desgraças, os “abutres de plantão” da mídia conservadora são repugnados cada vez mais pela sociedade por outros motivos: o proveito de desgraças para fins políticos e a busca encarniçada pela maior audiência (quanto mais sangue mais “ibope”). Se o primeiro age por instinto para sobreviver, o segundo sobrevive justamente de sua consciência (de classe).


 



Quem assistiu as transmissões ao vivo do acidente da empresa TAM no aeroporto de Congonhas e, mesmo sendo ferrenho opositor ao atual governo, mas dispondo de um senso civilizatório elementar, deve ter ficado constrangido com a tentativa escancarada de associar o acidente ao governo Lula desde os primeiros momentos da tragédia. Como em um toque de mágica, todos os apresentadores que cobriam o acidente “em primeira mão” se transformaram em especialistas em aviação, Ph.Ds em engenharia aeronáutica, peritos em pilotagem de Airbus, expertos em acabamento asfáltico…. Foi um festival de sentenças, veredictos e conclusões unânimes e convergentes em torno da tese da derrapagem.


 


Já diz o adágio popular que, para quem sabe ler um pingo é letra. Derrapagem significaria a culpa dos órgãos governamentais (leia-se Planalto, mesmo tendo sido em um aeroporto situado na cidade de São Paulo e se mantido até hoje por pressões notadamente locais) que entregou uma pista sem as tais ranhuras (groovings). Os mesmos “abutres de plantão” que pressionaram por celeridade na entrega das obras em Congonhas agora se posam como as pombas do divino Espírito Santo dissimulando uma pretensa sapiência celestial.


 



Se o governo (seja ele qual for) tiver responsabilidade no ocorrido deve ser repreendido. Mas quem em nossa sociedade tem o direito de, simultaneamente a uma tragédia, tripudiar sobre o sofrimento alheio buscando culpados antes mesmo que os bombeiros tivessem apagado o fogo que ardia o avião? Todo e qualquer estímulo a uma “caça às bruxas” em momentos de comoção nacional é uma irresponsabilidade criminosa.


 



Em meio às condolências e às notas de pesares de instituições e governos pela impressionante tragédia que assolou o país, eram ventiladas acusações e ilações pela mídia hegemônica que chegou a acusar o presidente Lula de assassino! Chamou atenção particular a feição de certos apresentadores de alta plumagem que não eram capazes de esconder contentamento em associar o acidente ao tal “apagão aéreo”. Depois de apenas meia hora de achincalhamento o urubu-rei José Luis Datena soltou o seguinte grunhido: “pode até ser que não tenha nada a ver com a pista, mas alguma coisa o apagão aéreo contribuiu!!!”


 



Para se ter uma melhor idéia do desatino oportunista dos carniceiros da (des)informação, foi sistematicamente cobrada uma explicação do Presidente da República ao vivo e em meio a uma enxurrada de acusações quando nem mesmo a TAM sabia informar a lista de passageiros que estavam no vôo. Forçavam pronunciamentos para explorar possíveis contradições, normais em qualquer situação onde não se tem conhecimento pleno do ocorrido.


 



O “instinto” midiático é devorar o governo ainda vivo, a começar pelas suas entranhas. Diante a qualquer tragédia há de se defender sempre a tese da culpabilidade de uma autoridade que esteja ligada ao governo Lula, usando de todos os métodos e expedientes (legais ou não).


 



Todavia tal presteza nas apurações não ocorre em outros acidentes envolvendo atores diferentes. Mesmo na região norte de nosso país onde muitas vezes princípios básicos de segurança são desrespeitados em embarcações que, quando naufragam, vitimam dezenas de pessoas, não encontramos a mesma sede de responsabilização e investigação por parte desses mesmos “abutres”.


 



O problema da viação brasileira é estrutural e não vai ser corrigido da noite para o dia. O ritmo de crescimento da frota aérea e do número de vôos é o maior do mundo e somando-se a especulação imobiliária (própria do capitalismo), que fagocita a maioria dos aeroportos metropolitanos no Brasil, temos uma equação que só poderá ser resolvida mediante vultosos e contínuos investimentos, além de coragem política para enfrentar poderosos interesses.


 



Enquanto isso os “abutres de plantão” sobrevoam nosso país aproveitando um “céu de brigadeiro”. Alguns até mesmo se especializaram na arte da camuflagem e são vistos como arapongas, quando, de bico em bico, tomam imagens clandestinas de membros do governo para sobreviverem. O hábito predatório é o mesmo e agem sorrateiramente se posicionando à espreita da presa. O dito flagrante do assessor da presidência, tomado de forma clandestina e em ato privado, é um exemplo disso, onde um nítido sinal de extravaso ante uma notícia que contradizia a denúncia da grande mídia foi vendida como uma macabra comemoração.


 



Nos campos de batalha, em diversas guerras, era comum haver pessoas destacadas para espantar os abutres entre os cadáveres e mesmo dos soldados feridos. Na atualidade e em nosso campo de batalha popular, necessitamos de milhares de soldados(as) brasileiros(as) para espantar de uma vez por todas essa grande imprensa agourenta, que por vezes mais parecem acauãs (com todo respeito a nossa ave sertaneja), clamando por desgraças e torcendo pelo “quanto pior melhor”.
 


 


Enquanto não houver uma democratização dos meios de comunicação, mesmo que parcial, os “abutres de plantão” continuarão sobrevoando nossas cabeças. O ninho dessas criaturas precisa ser deposto o mais prontamente possível, mas para isso faz falta convicção e disposição política por parte do governo para enfrentar os monopólios midiáticos no país.


 



É preciso cortar as asas desses “abutres” enquanto há tempo, impedindo vôos mais rasteiros. A memória das vítimas da tragédia de Congonhas e a imensa maioria do povo brasileiro merecem.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor