Adeus, Buonicore!

Ficamos nós, com a tarefa de emergir da dor e de dar continuidade a sua luta, a luta de toda uma vida.

Adeus, amigo!

Poderia parar por aqui, bastaria esse adeus. Mas, sinto-me impelido a continuar, a dizer da grandeza do amigo que partiu, a falar algo além de um seco adeus. Entretanto, parece que já disseram tudo sobre ele. Da sua bondade, da sua serenidade, da sua calma perturbadora que nada parecia abalar.

Mais do que um camarada valiosíssimo, perdi um grande amigo. Convivi com Augusto Buonicore ao longo dos últimos vinte anos, quase sempre em torno das ações da Escola Nacional de Formação do PCdoB. Quando da reorganização da Escola Nacional eu compus o grupo inicial de alunos e, convidado por ele, passei a integrar a equipe de professores do Núcleo de Estado e Classes, com José Carlos Ruy, Fernandinho Niedsberg, Júlio Vellozo, Diorge Konrad, Sílvio Costa e Lilian Martins, que também partiu tão cedo.

Augusto estava sempre questionando, sempre incentivando o questionamento, sempre incentivando que buscássemos a história dos comunistas e a história do povo brasileiro. Parecia saber de tudo que se produzia sobre os comunistas no Brasil inteiro. Volta e meia enviava uma mensagem, em busca de um livro que se publicara no Ceará, ou de uma dissertação de mestrado, ou de uma tese de doutorado. Via de regra, sabia mais sobre o que se produzia aqui do que eu próprio que, não raro, era surpreendido por alguma solicitação sua:

– Veja se você encontra livro tal, que foi publicado aí pela Universidade Federal.

– Você conhece tal dissertação, do fulano de tal, aluno das Ciências Sociais?

Estava sempre em busca de conhecer mais, e contagiava a todos que conviviam com ele a fazer as mesmas buscas. Fico lhe devendo muito. Fico devendo por tudo que aprendi com ele, e não foi pouco. Fico devendo pela confiança que depositava em mim. A sua generosidade era tanta que punha fé em uma capacidade que eu próprio achava que não tinha, que era por conta dele, que valorizava tanto o outro.

Fico devendo o artigo sobre o Padre Cícero, que ele tanto insistia.

– Já pensou, uma visão marxista sobre o Padre Cícero?

Fico devendo o ensaio sobre a abolição da escravidão no Ceará.

– Você precisa escrever sobre isso, é um assunto muito importante, precisamos conhecer mais.

Generoso, dizia que aprendia conosco, tentava nos forçar a produzir.

– Que tal escrever sobre as revoluções nordestinas? Eu quero muito aprender sobre isso.

Como se precisasse aprender qualquer coisa conosco, como se não fôssemos nós a estarmos, permanentemente, aprendendo com ele.

– Transforme as aulas em artigos, em pequenos ensaios. É assim que eu faço.

Era assim que fazia, dono de uma escrita que nos levava a todos a seguir o seu texto, tão fluido, tão bom de ler, e ao mesmo tempo tão refinado, com tanta profundidade.

Agora, Augusto partiu. Num momento tão difícil para nós, numa quadra tão dura para o povo brasileiro, num tempo de tanto ódio e de tanta desesperança, vai fazer imensa falta.

Ficamos nós, com a tarefa de emergir da dor e de dar continuidade a sua luta, a luta de toda uma vida. Ficamos nós, com a tarefa de sermos solidários a Dolores, a Sônia, a Clara.

Ficamos nós, com a tarefa de honrarmos a sua memória, de sermos fiel ao seu legado.

Adeus, amigo!

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