Além do obscurantismo eleitoral

As eleições de 2010 certamente passarão para a nossa história como aquelas em que o obscurantismo pautou a campanha e os candidatos. As idéias cederam lugar às trevas e a escuridão da ignorância, terreno onde a direita rasteja com desenvoltura.

Repentinamente a evocação de Deus e a “defesa da vida” – repetidos como um mantra como que para expiar pecados inconfessos de nossos candidatos – passaram a ser mais ouvidos do que as reais soluções para a fome, desemprego, crescimento econômico, desenvolvimento da ciência e o desafio de produzir com sustentabilidade.

Esquecem os nossos competidores que, como regra, quem mais alardeia determinada tese menos a pratica. Políticos que fazem da “ética” bandeira política e não um modo de vida sem apologia, de maneira geral não a praticam. São corruptos.

Por outro lado, salvo melhor juízo, um dos pecados capitais é precisamente invocar o santo nome em vão, ou seja, o uso recorrente do apelo a Deus sem motivo justificado é, para os religiosos de fato, uma blasfêmia e não um ato de expiação ou demonstração de fé.

Para um país que se orgulha de constitucionalmente ser laico, de fazer apologia de sua tolerância religiosa, de administrar seus eventuais conflitos étnicos e sociais com uma política crescente de demarcação de terras indígenas e políticas afirmativas para índios, negros e pobres, tal agenda representa um enorme retrocesso.

Fé não se discute. Se aceita e tolera-se, mesmo que eventualmente se discorde. Não é uma questão de governo e muito menos de estado. E ciência, saúde pública, é um direito dos cidadãos, das cidadãs e uma obrigação do estado e de seus governos por decorrência. O governante que eventualmente transpor esse limite é passível de sansões legais, fartamente disciplinadas na nossa constituição e num conjunto de leis ordinárias.

Nesse particular, aliás, o nosso arcabouço legal tem sido bastante operoso ao assegurar, por exemplo, a transfusão de sangue em menores cujos pais professam crenças religiosas que proíbem tal prática. Entre permitir que uma criança morra ou prevaleça a fé religiosa dos pais, tem prevalecido – ainda bem – a vida e o bom senso.

Essa pauta surge e ocupa espaço por duas razoes básicas: pela incapacidade da direita de apresentar uma pauta econômica e social mais avançada do que a atualmente é praticada e pelo seu víeis de fato obscurantista. E tal aberração prospera por uma atitude defensista de certos setores da esquerda e até mesmo por falta de convicção em torno do assunto e daquilo que realmente interessa ao país e não apenas a determinados grupos sociais, por mais expressivos que eles eventualmente sejam.

Mas nem tudo é treva. Dessa campanha surge com força, mesmo que por vias transversas, a pauta da sustentabilidade. Essa pauta se expressou nos 20 milhões de brasileiras e brasileiros que votaram na Marina e cujo tema nem foi tão recorrente como fora, por exemplo, a educação na pregação de Cristovao Buarque, quando igualmente se propôs a ser um candidato presidencial temático.

O PCdoB que sempre esteve na vanguarda dessa bandeira, inclusive fundando as primeiras ONGs ambientais, tem uma nova frente de expansão, a qual já vem se dedicando com certa persistência.

Assim, das trevas, também surgem as luzes. As luzes da sustentabilidade.

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