Amor não tem cura

Na atualidade o amor é sublimado – embora o capitalismo, com seu toque de Midas mercadológico, transforme até o amor em valor de troca e objeto de consumo. Caetano Veloso chegou a protestar, numa canção, que o exces

Na sua “História do amor no Brasil”, Mary Del Priore lista uma série de argumentos físicos contra o amor, apresentados pela medicina antiga, que considerava o amor excessivo “ruim para a saúde”. No século XIX, o doutor Mello Moraes relatou o caso de uma moça que “sem causa conhecida, sem moléstia física, ficou triste e pensativa; seu rosto fez-se pálido, os olhos se encovaram e as lágrimas correram. Ela sofria cansaços espontâneos, gemia e suspirava; nada a ocupava, tudo lhe aborrecia. Evitava seus pais, suas amigas; veio a febre, depois o marasmo, por fim a morte. Ela levou consigo seu segredo para a sepultura; a pobre moça amava!”
Priore conta que para a doença do amor os remédios “poderiam ser dietéticos, cirúrgicos ou farmacêuticos. Ao ‘regime de viver’, que se esperava, fosse tranqüilo, somavam-se sangrias nas veias de braços e pernas. E, ainda, remédios frios e úmidos, como águas de alface, grãos de cânfora e cicuta, que deviam ser regularmente ingeridos. Contra o calor das paixões tomavam-se sopas e infusões frias, recomendando-se, também, massagear os rins, o pênis e o períneo com um ‘ungüento refrigerador feito de ervas, pedra bezoar ou de alface’”. Ainda era recomendado: “Dormir, só de lado, nunca de costas, porque a concentração de calor na região lombar desenvolve excitabilidade aos órgãos sexuais”. Já no século seguinte Luiz Gonzaga cantaria em baião que “o doutor nem examina” o mal da idade de quem “só quer, só pensa em namorar”. A medicina evoluiu…
Alguém já disse que não existe nada mais ridículo do que as manifestações de apaixonados e, contra o amor, sempre é invocada a razão (como se o amor não fosse razoável…) Omnis amans amens (Todo amante é demente), reza o provérbio resumido por Terêncio (Amantes amentes). Em 1836, apaixonado por uma mulher quatro anos mais velha, um jovem de 18 anos cometeu estes versos:
com desdém jogarei minha luva
bem na cara do mundo,
e verei o colapso deste gigante pigmeu
cuja queda não sufocará meu ardor.
Então errarei divino e vitorioso
pelas ruínas do mundo
e, dando uma força ativa às minhas palavras,
me sentirei igual ao criador.
A destinatária respondeu numa carta em que tentou puxar pela razão, dizendo que sua angústia consistia “precisamente no fato de que teu amor belo, tocante e apaixonado, tuas descrições indescritivelmente belas dele, as arrebatadoras imagens evocadas por tua imaginação, que encheriam qualquer outra moça de prazer inefável, servem apenas para me tornar mais ansiosa e freqüentemente incerta. Se eu me entregar a esta felicidade, então meu destino seria mais horrível se teu fogoso amor morresse e se tu te tornasses frio e relutante”. Disse que por isso não era “tão completamente encantada com teu amor como deveria; é por isso que eu muitas vezes me preocupo com coisas externas, com a vida e a realidade, em vez de agarrar, como gostaria, o mundo do amor, perdendo-me nele e encontrando a uma mais alta unidade espiritual, mais cara e contigo me capacitando a esquecer todas as outras coisas”.
O jovem mandou a poesia à crítica dos ratos e passou a se interessar mais por filosofia e economia. A moça, por sua vez, deixou-se encantar pelo rapaz, com quem se casou e teve cinco filhos. Chamavam-se Karl Heinrich Marx e Jenny von Westphalen. Os comunistas também amam.

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