Aos inimigos, a lei

O velho dito brasileiro “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” continua muito atual e verdadeiro. A rigor, temos leis para todos os campos da atividade humana, mas essas são aplicadas ou ignoradas ao sabor das circunstâncias, sob a influência política ou financeira dos momentos ou ambiências em que os crimes ocorrem.

Isso vale tanto para questões que chegam às alçadas superiores da Justiça quanto para normas de postura feitas para proteger o cidadão. Por exemplo, recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e a tragédia em discoteca de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que descumpria as regras de proteção aos seus usuários. 

Como de costume, na esteira dos acontecimentos chovem alegações de que são casos exemplares, que terão efeitos no futuro. E fica por isso mesmo. Os dois pesos e duas medidas seguem faceiros, na perspectiva de que logo ali, na outra esquina, haverá caso parecido e, aí sim, a justiça será soberana, isenta e justa.

O caso que a grande mídia batizou de “mensalão” foi um flagrante no tratamento diferenciado por parte do STF. A começar pelo momento (período pré-eleitoral) em que se resolveu colocar em pauta um tema que desde cinco anos antes corria, ou dormia, nas mesas de ministros. E ainda há quem diga que a data não foi escolha política.

Ademais, muitos outros processos de maior gravidade, mas relativos a governos de outro matiz, dormem sonos de roncar nas gavetas do mesmo tribunal. Processos sobre as vergonhosas privatizações do período FHC são amostras mais gritantes.

Talvez seja essa a razão dos altos índices de desaprovação popular da Justiça brasileira, a toda hora confirmados por institutos de pesquisa dos mais confiáveis. A impressão que fica na cabeça dos cidadãos é a de que não se pode confiar nos togados de todas as instancias judiciais.

Todo mundo vê que a Justiça brasileira protege o mais forte, ou o mais endinheirado, na atividade legal ou na ilegal. Todo bandido que é preso é apresentado com o complemento “com tantas passagens pela polícia e pela justiça”. Mas, não está preso por quê? Quem o permite estar nas ruas e gabinetes praticando seus crimes?

Assim, os corruptos dos órgãos executivos e legislativos, ou os bandidos comuns, acabam sendo inocentados pelos do Judiciário. E os do Judiciário seguem impunes, porque só se submetem à corregedoria, que é exercida por colegas. No próprio Conselho Nacional de Justiça, criado há poucos anos, a maioria dos membros vem de tribunais. Fica tudo em casa, portanto.

Não é de surpreender, pois, que as pessoas achem que a lei existe para os outros e sintam-se no direito de transgredi-la. Isso vale para a simples regra de trânsito de veículos ou para crimes de grandes falcatruas, cujos autores vestem terno e gravata e se escondem em insuspeitos ambientes.

Estão incluídas nesse faz de contas as casas de diversão, como discotecas semelhantes à da desgraça de Santa Maria. Em cidades de médio e pequeno portes, então, a convivência desses logradouros com as autoridades estabelecidas chega às raias da promiscuidade.

Os donos são bem relacionados com juízes, prefeitos, vereadores, outros empresários e representantes de órgãos estaduais e federais. Para isso, mesmo que não tenham lá grande influência política, sempre têm contas bancárias e cofres bem aquinhoados. A ganância acima de tudo.

Até os profissionais de segurança dessas casas, em grande parte, dividem seu tempo com a atividade de policial, bombeiro ou instrutor de academias de lutas ou de condicionamento físico. E são contratados para a proteção de patrimônios materiais, não de vidas humanas.

Resta, por fim, a esperança de que o caso de Santa Maria sirva para que haja mudanças de postura por parte de proprietários e de autoridades responsáveis pela vigilância sobre essas atividades. Com a devida punição dos responsáveis.

Novas leis nem são necessárias, basta cumprir as que já existem. E que sirvam igualmente para todos, não apenas para os inimigos.

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