As guerras híbridas

O golpe de Estado na Bolívia alinha-se na tipologia do que passou a ser conceituado como “guerra híbrida” [1] – e dá lugar a um banho de sangue. É que, na teoria que a sustenta, a mistura ou passagem das chamadas “revoluções coloridas” à “guerra não convencional” confluem de uma estratégia unificada à “guerra híbrida”.

Conforme Darc Costa,

“Pode-se considerar que a guerra híbrida é um conflito no qual todos os agressores exploram todos os modos de guerra, simultaneamente, empregando armas convencionais avançadas, táticas irregulares, tecnologias agressivas, terrorismo e criminalidade, visando desestabilizar a ordem vigente em um Estado Nacional”. [2]
 

A combinação de atos (milícias irregulares, desordem criminal organizada, guerra convencional), apoiados na manipulação midiática/redes sociais, ciber-ataques, vias diplomáticas e de espionagem perseguem a desestabilização, seguida da “troca de regime” (regime change). Claros acontecimentos esses estruturados e pensados há tempo, na Bolívia. [3]

As operações em geral se iniciam em semear o caos, e com a tática da “não-violência”, onde a utilização das redes eletrônicas, se associam a grupos, marchas, boicotes contra eleições, símbolos/slogans/caricaturas, protestos nus, greves de fomes etc. Nada de “espontâneo”: o estrategista norte-americano Gene Sharp (1928-2018), conhecido por seus manuais de pensar os golpes de estados modernos, foi o mentor da organização de grupos orgânicos para a resistência (inicialmente) não-violenta, perturbadora, e relacionadas com a fachada da luta pela “derrubada das ditaduras, pela democracia”.

Num ângulo maior, tem-se que um clone da “teoria do caos”, do cientista I. Prigogine (1917-2003), nas relações internacionais foi parcialmente adaptado pelo polonês-americano Z. Brzezinski (1928-2017). Estrategista de extrema-direita, a tese dele visava os processos para a desestruturação dos entornos geopolíticos da China, da Rússia e do Irã, especialmente. O esquartejamento dos países dos Balcãs euroasiáticos é utilizado como exemplo da utilização do cerco geopolítico pretendido nessas teorias.

Enfim, “revoluções coloridas” e “guerras não convencionais” percursaram na Ucrânia, Síria, Venezuela, Líbano, Nicarágua, singularmente em cada país. Além das acontecidas em países árabes, cuja demagogia ideológica lhe popularizaram o nome de “primavera árabe”: Egito, Tunísia, Líbia, Síria, Iêmen e Barein, igualmente, cada qual com suas particularidades e classes sociais e interesses envolvidos.

A quíntupla fronteira boliviana (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Peru) lhe reserva ao país lugar geopolítico estratégico fundamental, ademais de seus fartos recursos minero-energéticos. [4] A ideia de “balcanização” da Bolívia, evidentemente passa a compor no cardápio da rapina imperialista, por inúmeras razões. Em especial, pelo papel do Brasil na ebulição atual do sistema de relações internacionais.

Notas:

[1] O estudo de Andrew Korbyko “Guerras híbridas”. Das revoluções coloridas aos golpes” (Expressão Popular, 2018) é importante contribuição sintética ao tema inobstante certa desconexão na temática.

[2] Ver: “Os novos tipos de guerra”, de D. Costa, em: “Cadernos de assuntos estratégicos” – “Escola Superior de Guerra. Centro de Geopolítica de Estudos Estratégicos” (2019).

[3] O ex-presidente Lula afirmou: “Sobre a Bolívia: ‘Meu amigo Evo cometeu o erro de tentar um quarto mandato, mas o que eles fizeram com ele é um crime’”. (El Diário, Espanha). Estando inteiramente de acordo, neste aspecto expresso por Lula, acrescento que essa é apenas uma das questões. No indispensável estudo “Os 13 momentos da arte da guerra: uma visão brasileira da obra de Sun Tzu” (Record, 2005), do General Alberto Cardoso, ele lembra Chia Lin: “Sun Tzu nos ensina que aquele que dirige o Estado com a espada desembainhada não é um bom soberano” (p.48).

[4] Ver detalhes no ótimo artigo: “A desconstrução da Bolívia: caos institucional abre caminho para a instabilidade permanente”, em: MSIA – Movimento de Solidariedade Ibero-americana (18/11/2019). 

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