As raízes afro, plantadas, medram e florescem…

“A Cidade do Cabo é muito linda! Parece um paraíso, tamanha a beleza… Onde estamos é lugar de elite. E os negros só estão servindo aos brancos…”

Há três meses mergulhei de corpo e mente na elaboração de análises de indicadores de gênero e raça no Ciclo Orçamentário e Controle Social das Políticas Públicas. O saldo é positivo, comparado ao quase nada da era pré-Lula, mas aquém das mazelas racistas.


 


 


No último mês, a saga analítica foi iluminada por e-mails cheios de dor, vida e amor de minha filha Débora Cristina, feminista, psicóloga e assessora parlamentar, que estava na África do Sul – única brasileira das 30 jovens selecionadas no mundo para um curso de direitos humanos. Senti que seria uma viagem especial, um toque ancestral. A África do Sul mexeu pesadamente comigo na 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, em 2001.


 


 


Escrevi em “Imagens do navio negreiro” ( 21.06.06): “É a primeira vez que escrevo sobre a emoção que foi descer em solo africano. Não encontro as palavras que expressem o que realmente senti. Logo eu que sou visceralmente verbal… Amanhecia quando vi os céus da África e as savanas..) chorei enquanto descia as escadas do avião, pois fui tomada, de repente, pelas imagens dantescas descritas em 'O Navio Negreiro'”.


 


 


No primeiro e-mail, pelo título radiante, senti que havia algo ancestralíssimo: “Diretamente da Cidade do Cabo, África do Sul!: O curso é muitoooooooo bom, mas bem puxadinho, muita coisa pra ler e estudar. Muito bom conhecer gente de tantos países que lutam por melhores condições de vida e por um mundo melhor para as mulheres… A Cidade do Cabo é linda, mas estamos hospedadas em waterfront, na Universidade de Business da Cidade do Cabo (o curso), uma área de elite, tudo muito bonito e caro. Às vezes parece que estou nos Estados Unidos, algo tipo Miami Beach. Estou louca pra conhecer a África de verdade. Onde estamos não tem muito de África”.


 


Em 2 de dezembro, ei-la: “Oi, pretinhaaaaaaa… Sexta-feira fomos ao parlamento da África do Sul. Conhecemos mulheres parlamentares que trabalham com mulheres. À tarde, visitamos uma vila/ favela, com direito a churrasco e tudo… Foi o primeiro dia em que nos sentimos na África… Onde estamos é tudo muito caro, bonito, lugar de elite. E os negros só estão servindo aos brancos nos hotéis, nos táxis, nos restaurantes, enfim um horror! A única coisa boa que vi foi que, ao menos na TV, há apresentadores(as) negros(as) e desenho animado, que adorei porque as crianças são incluídas… Tinha de ser assim aí no Brasil!


 


A Cidade do Cabo é muiiiiiiiiiiito linda! É simplesmente o lugar mais bonito que já vi. E olha que já fui a lugares nas Américas (Sul, Norte e Central) e na Oceania, mas como aqui não há igual! Parece um paraíso, de tamanha beleza e recursos naturais… É lindo demais! Sábado passado fui ao cabo da Boa Esperança. Vi o encontro dos dois oceanos (Atlântico e Índico). Fiquei simplesmente paralisada! É lindo demais! Fiquei sem palavras…


 


Sentei ali e fiquei comigo mesma a pensar por um bom tempo… Ali, naquele momento, entendi toda a história dos negros escravizados. Foi um chute no estômago! Todo brasileiro deveria ter a oportunidade de ver e sentir o que vi e senti pra entender. Foi um absurdo o que fizeram… A África do Sul possui muitos recursos naturais, parece mais um paraíso… Daí os brancos chegaram e fizeram aquilo tudo, que na verdade permanece assim até hoje de certa forma, enfim…


 


 


Ontem, fui a Robben Island, a ilha em que Mandela ficou preso durante 18 dos 27 anos que ele passou na cadeia. Vi a cela dele (dois metros apenas!), sem banheiro, sem nada. Um horror! Uma violação dos seus direitos humanos! Filmei, tirei foto… Mas chorei muito. O guia da cadeia é um ex-prisioneiro! Um sobrevivente! Um resistente! Um lutador! Só hoje estou escrevendo porque fiquei realmente impactada e ainda tava digerindo tudo que vi (…) Te amo muito, muito mesmo e obrigada por me escolher… por escolher ser minha mãe! Tenho muito orgulho de ti, pretinha!”

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