As seqüelas da política cambial

Apesar de o presidente Lula ter afirmado em sua recente entrevista coletiva que não está preocupado com a queda do dólar e que manterá o cambio flutuante, crescem os temores no governo e na sociedade sobre os efeitos deletérios, imediatos e futuros, das p

De fato, aparentemente, a política cambial tem reflexos contraditórios, como insiste o presidente. Por um lado, a desvalorização do dólar faz, num primeiro momento, cair os preços de alguns produtos e serviços, como o dos eletroeletrônicos importados e das passagens aéreas, o que alivia o bolso dos consumidores – em especial, das camadas ricas e médias da sociedade. “As viagens para conhecer a Disneylândia, que foram esquecidas pela classe média por um tempo, voltaram a ficar em alta”, festeja o jornal Folha de S.Paulo. O “derretimento” do dólar também atrai o capital estrangeiro para o país, tanto que a Bolsa de Valores fechou com forte oscilação na semana passada, registrando novos recordes na sua pontuação.


 


 


“Os custos excedem as vantagens”


 


 


Por outro lado, porém, a valorização artificial do real prejudica as exportações brasileiras e afeta toda a cadeia produtiva. Setores industriais como dos têxteis, calçados e outros perdem competitividade no país e no exterior – o que, a curto prazo, pode aumentar a quebradeira das empresas e o índice de desemprego. Além disso, a atual política cambial serve ao capital financeiro especulativo, que migra para o Brasil em busca do lucro fácil proporcionado pelas mais altas taxas de juros do planeta. Pesando estes dois lados da “moeda”, fica a pergunta: a quem interessa esta política? O economista Paulo Nogueira Batista Jr., que hoje inclusive faz parte do governo, não vacila em afirmar que ela não serve aos interesses nacionais.


 


“Alguns consideram a queda do dólar inevitável ou bem-vinda. Ela refletiria a situação internacional e a melhoria dos ‘fundamentos’ da economia brasileira. Muitos lembram que o real forte ajuda a controlar a inflação… Esses argumentos têm alguma validade. Mas parece estar ficando cada vez mais claro que os custos da valorização excedem suas vantagens”. Entre outros efeitos negativos, ele pontua: “a valorização persistente e crescente do real tende a provocar a erosão gradual das contas externas”; “prejudica o nível de atividade, especialmente no setor industrial”; “deprime a competitividade das exportações e estimula a substituição da produção nacional por importações”; e “estimula a migração de investimento de empresas brasileiras para o exterior”. Em síntese, ele serve para exportar “produção, investimentos e empregos”.


 


 


“Um alerta ao Banco Central”


 


As seqüelas do cambio flutuante já se fizeram sentir no ano passado. Segundo estudos do Ministério do Trabalho, então sob comando de Luiz Marinho, o dólar barato afetou o mercado de trabalho, reduzindo a abertura de vagas. A criação de empregos com carteira assinada em 2006 foi menor do que em 2005 – 4,7% contra 5%. A valorização do real atrapalhou as vendas de produtos dentro e fora do país e reduziu a necessidade das empresas reforçarem a produção com mais contratações. “O nível de emprego poderia ter sido melhor se o juro tivesse caído mais e o câmbio estivesse num patamar que estimulasse exportações e inibisse importações”, criticou, na época, Luiz Marinho, amigo intimo do “tranqüilo” presidente Lula.


 


“Esse resultado é um alerta para a equipe econômica do governo, especialmente para o Banco Central. O câmbio prejudica a indústria nacional e está afetando a tomada de decisões do empresariado”, completou o ex-ministro. No mesmo período, em janeiro passado, a Confederação Nacional das Indústrias divulgou um estudo que corroborava as suas criticas. A pesquisa apurou que as fábricas já estavam se adaptando à queda do dólar, mas à custa da redução dos investimentos – principalmente os voltados à exportação, que já não despertavam tanto apetite do patronato. O estudo revelou que, para as grandes empresas, o preço do dólar é tido como o segundo maior problema para os seus negócios – depois dos “impostos”.


 


Ortodoxos ainda dão as cartas


 


O debate sobre a política cambial sempre gerou polêmicas no interior do governo Lula e, inclusive, já fez algumas vítimas. Recentemente, o Ministério da Fazenda demitiu o seu secretário de Política Econômica, Julio Sérgio Gomes de Almeida, que denunciou, numa entrevista ao O Estado de S.Paulo, que a queda do dólar está “dissolvendo as relações interindustriais e as relações de mercado” e provocando “a dispensa de 350 trabalhadores”. Pressionado pelo Banco Central, o ministro Guido Mantega, que nos bastidores até manifesta temores com a valorização do real, exonerou o seu auxiliar – em mais uma vitória do banqueiro Henrique Meireles. Há quase um “pacto do silêncio” no ministério para inibir críticas à política cambial.


 


O que predomina na equipe econômica do governo, apesar dos espaços conquistados pelos heterodoxos neste início de segundo mandato, ainda é a visão ortodoxa. O Banco Central é o bunker destes adoradores do “deus-mercado”. Para eles, juros e cambio devem ser regulados pela “mão invisível do mercado”, sem maiores intervenções do Estado. Como desvenda o economista Ricardo Carneiro, os neoliberais negam a “centralidade desses preços-chave na definição da trajetória de longo prazo da economia, em aspectos essenciais como o ritmo de crescimento e a distribuição da renda. Mais do que isto, diante de uma gestão ortodoxa da economia neste campo, as demais políticas terminam por assumir um caráter compensatório”.


 


Economia sob graves riscos


 


Em contraposição ao recente triunfalismo do governo, Ricardo Carneiro avalia que as políticas monetária e cambial trarão duras seqüelas. “As taxas de juros elevadas constituem, via de regra, um desestimulo ao investimento produtivo… Já a flutuação exacerbada da taxa de câmbio, produto da crescente liberalização e da abertura financeira, constitui um outro óbice. As experiências exitosas de desenvolvimento mostram a relevância de taxas de câmbio estáveis para definir estratégias consistentes de inserção na economia globalizada, pela sua importância na atração do investimento direto estrangeiro e na competitividade das exportações. Com a alta volatilidade da taxa de câmbio não há cálculo de longo prazo possível”. 


 


No mesmo rumo das preocupações, Elias Jabbour também considera que o câmbio flexível compromete o futuro da economia brasileira. De forma irônica, debocha dos que festejam a queda do dólar. “Os arraiais do entreguismo – dentro e fora de governo – estão em festa. ‘Viva o real forte’. Mais parece um bacanal à custa da independência nacional”. Para ele, essa política agrava a desindustrialização e desnacionalização do país. Ele questiona até os efeitos positivos dos investimentos do PAC. “Quem serão os beneficiados, as cadeias produtivas nacionais ou internacionais? As encomendas de equipamentos serão feitas aonde? Os empregos gerados no Brasil serão restritos às atividades como da construção civil?”. Em virtude do atual câmbio, ele afirma que “o PAC pode significar uma grande janela de transferência monetária ao exterior”.


 


Estudioso da experiência econômica chinesa, Jabbour lembra que “a manutenção de uma taxa de câmbio desvalorizada foi certamente o fôlego que transformou, não somente as suas empresas, mas tais países em grandes agentes nos assuntos internacionais”. Além da desindustrialização e desnacionalização, o câmbio flutuante ainda geraria pesado ônus aos cofres públicos. “Há uma diuturna campanha contra a previdência pública por conta de um ‘prejuízo’ no ano passado na cifra de R$ 10 bilhões. Por outro lado, não é tratado como ‘prejuízo’ e sim como ‘operações de salvamento’ as constantes intervenções (em apenas um dia o BC comprou cerca de US$ 2 bilhões) no sentido de conter a queda do dólar. Impressionante!”, ironiza.


 


Um câmbio a serviço da nação


 


Diante destes e outros efeitos destrutivos, já pressentidos por vários setores da economia, os ortodoxos do Banco Central afirmam que não há alternativas. Mas isto não é uma fatalidade. Paulo Nogueira lembra de três medidas que poderiam evitar o desastre futuro. “A primeira providência teria que ser uma aceleração do ritmo de queda dos juros. A taxa de juro no Brasil continua fora dos padrões internacionais e contribui poderosamente para impulsionar a valorização do real”. A segunda seria “evitar as metas ambiciosas de inflação e até flexibilizar alguns aspectos do regime de metas”. E, numa proposta ainda mais arrojada, o novo integrante do Ministério da Fazenda defende que “sempre existe a possibilidade de erguer barreiras tributárias e de outra natureza contra a entrada de capitais especulativos ou de curto prazo”.


 


Para Elias Jabbour, a política cambial deve servir aos interesses nacionais e não ficar à mercê do mercado. “Nossa verdade cambial deve ser pautada pela adoção de um câmbio – nada neutro – com capacidade de promoção do desenvolvimento. Um câmbio que conduz ao mais completo emprego dos potenciais ociosas da nossa econômica. Um câmbio como instrumento de planejamento econômico e não como expressão da ação especulativa. Um câmbio que nos aproxime não dos custos visíveis e sim dos custos sociais”. Caso não vingue uma política ativa, soberana e planejada do Estado, o cambio continuará sendo forte entrave à aceleração do crescimento da economia e, provavelmente, ajudará a empacar o PAC.

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