As vivandeiras do ditador

FHC costuma pedir que esqueçamos o que ele escreveu. É, no entanto o que ele escreveu que lhe garante ainda algum prestígio em certas rodas internacionais desatualizadas. Agora, ele pede que esqueçamos que foi no seu governo que se concretizou a responsabilização do estado brasileiro pelos crimes de lesa humanidade praticados pela ditadura.

E passa a criticar o Programa Nacional de Direitos Humanos. Para Elio Gaspari¹ (*), trata-se de uma maliciosa expectativa, uma “sedução tucana pelo flerte com a figura abstrata dos militares aborrecidos com a idéia”.

A vivandagem tucana é assinalada por Gaspari na frase dita pelo ex-presidente em recente entrevista ao repórter Gary Duffy: “"Este não é um assunto político no Brasil, mas uma questão de direitos humanos, o que para mim é importante, mas o perigo é transformar isso em um assunto político". Apimentando mais o caldo, FHC afirmou ainda que a iniciativa de investigar os crimes do Estado são um fator de "intranquilidade entre as Forças Armadas".

A vivandagem, conforme identificou o primeiro ditador, Marechal Castelo Branco, remonta aos idos de 30, “vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar". Eram os políticos que iam aos quartéis conchavar com os milicos. O estilo Carlos Lacerda, agora revivido pelo tucanato.

Na contramão da sedução tucana pelo oportunismo golpista e encarando o mérito da questão, manifesta-se o ex-secretário de Estado dos Direitos Humanos, professor Paulo Sérgio Pinheiro² (*), que no governo FHC formulou o segundo Plano Nacional de Direitos Humanos. Ele assinala que nem os atuais militares da ativa na Grécia, na Espanha, em Portugal, na Argentina, no Chile, no Uruguai se solidarizaram com seus antecessores que perpetraram torturas e crimes contra a humanidade. E que nem por isso os exércitos desses países deixaram de se fortalecer na democracia que sucedeu suas ditaduras.

Por isso, o professor considera constrangedor o recuo do governo em retirar da Comissão da Verdade a expressão “repressão política”. Afinal, desde 1995 “ficou patente a responsabilidade incontestável do Estado brasileiro pelas violações de direitos humanos perpetrados pela ditadura militar”, como reconheceu a lei 9.140/95, a lei dos desaparecidos”. Para Pinheiro, "examinar as violações de direitos humanos", da nova formulação, não é o mesmo que "esclarecimento público das violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política". “Retrocede em relação ao reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos crimes da ditadura” diz o professor.

Paulo Sérgio Pinheiro lembra ainda que não há do “outro lado” vítimas de crimes de lesa humanidade e que os militantes da resistência contra a ditadura figuram entre os presos, sequestrados, interrogados, torturados. Os que sobreviveram foram processados e julgados por uma legalidade autoritária construídas por atos institucionais e pela legislação da “segurança nacional”. Em 15 anos, 2.828 réus civis foram condenados pela justiça de exceção dos tribunais militares. Com o recuo, diz o professor, “o Brasil continuará na rabeira de todos nossos vizinhos do Cone Sul que reconstituíram a história dos horrores e já se livraram das trevas das ditaduras”.

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