Ataques a autonomia universitária

“Um dos princípios fundantes da universidade brasileira é precisamente sua liberdade de cátedra e sua relativa autonomia administrativa e financeira, que se traduz no livre exercício do conteúdo programático das disciplinas e na eleição de seus cargos diretivos.”

Tal qual eu tenho repetido que “quando não se reage ao arbítrio em algum momento você também será vítima dele”, acaba de chegar a vez do arbítrio contra as Universidades, a partir da Medida Provisória do governo Bolsonaro que pretende alterar as regras de indicação dos dirigentes das Instituições de Ensino Superior.

Um dos princípios fundantes da universidade brasileira é precisamente sua liberdade de cátedra e sua relativa autonomia administrativa e financeira, que se traduz no livre exercício do conteúdo programático das disciplinas e na eleição de seus cargos diretivos.

Esses preceitos democráticos que – se não impedem – reduzem o grau de intolerância e eventual perseguição a membros da comunidade, sejam docentes, discentes ou técnicos administrativos, acabam de ser duramente golpeados com a edição da Medida Provisória n° 914, de 2019, do governo Jair Bolsonaro, que visa alterar a forma de indicação dos reitores e demais gestores das instituições de ensino superior.

A Constituição Federal (CF) determina que a emissão de MP pelo executivo deve ser exclusivamente para atender a situações de relevância e urgência. Se o parlamento resolver cumprir a CF e zelar por suas prerrogativas, não lhe restará outra alternativa a não ser devolver a matéria por não atender nem a relevância e muito menos a urgência.

As universidades estão funcionamento plenamente, elegendo seus representantes com regras deliberadas nos seus fóruns específicos. Registre-se, por oportuno, que não há sequer uma regra geral, o que indica que as normas e procedimentos expressam o grau de maturidade democrática de cada uma das instituições.

De maneira geral o colégio eleitoral é composto por docentes, discentes e técnicos administrativos, com peso diferenciado de universidade para universidade, revelando que não há uma trama, uma manobra, para fazer valer a vontade desse ou daquele segmento, mas, ao contrário, que a correlação de forças está sendo respeitada, mesmo que eventualmente não concordemos ela.

A MP provisória do governo Bolsonaro, assim, mais do que desnecessária, é uma clara intromissão em assuntos internos das Universidades que, por força de lei, gozam de liberdade de cátedra e relativa autonomia administrativa e financeira.

O governo busca, portanto, impor a sua vontade e não eventualmente aprimorar – o que sempre é possível e necessário – a forma de escolha dos dirigentes das universidades; o governo pretende patrulhar e cercear a liberdade de expressão da comunidade acadêmica sem respeitar o longo processo democrático de gestão das universidades, iniciado com o fim da ditadura militar em 1985.

As regras atuais podem não ser perfeitas e é legítimo que busquemos aprimora-las, o que vem sendo feito nas instituições. Essas regras, todavia, traduzem o acúmulo democrático acumulado até o presente, após anos de repressão e de gestores “chapa branca”. Toda e qualquer interferência autoritária não apenas não contribui para esse aprimoramento, como interfere, decisivamente, no retrocesso de padrões civilizacionais durante conquistados no dia a dia do ambiente acadêmico.

Assim, nossa primeira linha de defesa, além da denúncia sistemática dessa agressão à liberdade universitária, é exigir que os parlamentares devolvam a MP por não atender os preceitos legais e, ao mesmo tempo, aproveitar para fazer um amplo debate sobre a ameaça geral contra a democracia e não apenas dessa agressão específica as universidades.

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