Bolsonarismo e a tentativa de uma revolução passiva tupiniquim

Um dos conceitos mais interessantes de Antonio Gramsci é o de revolução passiva. Segundo o italiano, este é um processo “pelo qual um grupo social chega ao poder sem romper o tecido social, mas sim adaptando-se a ele e modificando-o gradualmente” (GRAMSCI & FORGACS, 1988).

Uma das coisas mais estudados pelo sardo nos tempos de cárcere, a formação do regime fascista italiano, seria um bom exemplo disso, pois ocorreu “(…) uma revolução passiva no fato de que, por intermédio da intervenção legislativa do Estado e através da organização corporativa, teriam sido introduzidas na estrutura econômica do país modificações mais ou menos profundas” (GRAMSCI, 2002).

Bom, não são poucas as similaridades do Brasil atual com a Europa pré-fascista/nazista, podemos enumerar e comentar algumas delas para melhor entender nossa argumentação.

A tentativa de empregabilidade sem direitos básicos talvez seja uma importante característica do governo Bolsonaro, a reforma trabalhista e a carteira de trabalho verde e amarela são bons exemplos disso. Desonerar o patrão onerando o trabalhador talvez resuma essa ideia.

Na Europa do início do século XX isso não foi diferente, basta pensar no crescimento do processo taylorista de produção, invenção estadunidense que busca adaptar o ser humano à máquina tornando-o cada vez mais alienado do seu entorno.

Gramsci, acerca do fordismo e do taylorismo, relata com propriedade em sua obra Americanismo e Fordismo como isso se dá, considerando essa relação, inclusive, uma forma de revolução passiva, já que reorganizou todo o processo produtivo do século XX.

Trazendo para os dias atuais, será que o processo de uberização do trabalho não seria uma nova forma de revolução passiva das relações produtivas no século XXI? Será que esse processo, de lógica similar ao taylorismo (aumento máximo de produção diminuindo o custo com o trabalhador) não representa para a Revolução 4.0 o que Taylor e Ford significaram para a 2ª Revolução Industrial?

Outra similaridade do presente tupiniquim com a ascensão dos regimes totalitários no século XX é a ideia de restauração. No caso da Itália, a emancipação do Vaticano e a defesa da família são muito similares a relação que o governo Bolsonaro tem com a Igrejas Evangélicas Neopentecostais e a sua pauta moral, agindo o tempo todo como se estivessem em verdadeiras batalhas em defesa de um tradicionalismo que não mais parecia existir.

Cabe destacar que essa “luta pela moralidade” é também outra similaridade com os processos produtivos da 2ª Revolução Industrial, onde na década de 1920, a lógica fordista/taylorista, nos EUA, se ocupava sobremaneira do que o trabalhador fazia fora do expediente, inclusive no consumo, das então proibidas, bebidas alcoólicas. Outra coincidência? Não parece…

O mais óbvio sinal fascistóide também precisa ser falado: a perseguição aos diferentes, algo que aconteceu com maior destaque na Alemanha nazista, mas que hoje se apresenta presente em relação a todos os tipos de minorias.

Outro ponto que é interessante se dá acerca das caçadas a todos que questionam o patronato. A reforma sindical em pauta e a trabalhista, já aprovada, buscam destruir todas as formas de negociação que os trabalhadores possuem com seus patrões. Assim, as similaridades da destruição dos sindicatos, na Itália de Mussolini, com a sua precarização no Brasil de Bolsonaro também merecem ser lembradas.

De onde saiu tudo isso?

Para alguns autores, Gramsci em especial, as viradas autoritárias ocorrem quando o velho regime não quer morrer e o novo regime ainda não nasceu. Isso nos faz lembrar de 2013, dos atos pelo país afora que eram, na verdade, também uma crise de hegemonia do chamado do governismo de coalisão petista, somados, obviamente a todo um apoio midiático e logístico internacional. O resultado dessa crise hegemônica nós já vimos: golpe de 2016 e eleição do Bolsonaro.

E aí? Vamos insistir tentando ressuscitar o velho regime decadente e assistir à revolução passiva bolsonarista em curso ou construir uma frente ampla capaz de conter o fascismo?

As cartas estão na mesa!

Referências:

GRAMSCI, Antonio & FORGACS David. The Gramsci Reader: Selected Writings, 1916-1935. Lawrence and Wishart, 1988.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V. 5, edição e tradução de Luiz Sérgio Henriques; co-edição, Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Até a próxima.

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