“Bruna Surfistinha”: Ácido Venenoso
Diretor brasileiro Marcus Baldini trata do mundo das garotas de programa, a partir da cinebiografia da blogueira Raquel Pacheco, a Bruna do título.
Publicado 24/03/2011 21:17
À primeira vista, “Bruna Surfistinha”, do brasileiro Marcus Baldini, publicitário, estreando em longa-metragem, está povoado de lugares comuns. Poderia ser condenável, não fosse a história da paulista de Sorocaba Raquel Pacheco (28/10/1984), a Bruna do título, também um festival de clichês. Pelo simples fato de que a vida das garotas de programa é, em sua maioria, igual: pobreza, falta de perspectivas, frustrações familiares e amorosas. Menos a dela, Raquel (Deborah Secco), de classe média, que entrando no mercado do sexo ganha fama, dinheiro e, para contrariar a escrita, um companheiro em João Correa Moraes (Cássio Gabus Mendes).
Mas o filme, baseado no livro “O Doce Veneno do Escorpião – O Diário de uma Garota de Programa”, escrito pelo jornalista Jorge Tarquini, é também sobre as gargantas profundas da megalópole, São Paulo, com seus dramas, sucessos, fracassos e sonhos. Cheia de famílias classe média que aparentam normalidade, escolas tradicionais conservadoras e ebulitiva pulsação sexual. Então, basta uma faísca para tudo explodir. Com Raquel é a descoberta de que fora adotada pelo casal Pacheco, somada ao assédio sexual do colega de escola e as brincadeiras maldosas dos colegas de classe. O que termina a levando aos 17 anos, por escolha própria, ao mundo das garotas de programa.
No entanto, Baldini cria a partir do argumento de Karin Ainouz e Antonia Pelegrino, e roteiro desta, José Carvalho e Homero Olivetto, ambientes, atmosfera e encenação que evitam que “Bruna Surfistinha” seja mais do mesmo. Numa bela sequência, Raquel chega para a entrevista com Larissa (Drica Moraes). Não encontra a tradicional cafetina, mas uma empresária detrás de uma mesa, usando o computador. Uma imagem que contrasta com o imaginário popular, da descida ao baixo mundo do sexo, ainda que freqüentado por homens da classe média.
O que vem a seguir mostra o quanto as relações no “mercado do sexo” mudaram. Larissa informa a Raquel sobre as regras da casa e a partilha da renda do trabalho. Cada programa custa ao frequentador R$ 100,00, a casa fica com R$ 60,00 e a garota R$ 40,00. Friamente. Afinal, a estréia dela, Raquel, se dá num negócio empresarial, controlado a mão-de-ferro por Larissa. E ela irá conhecer os homens como são longe de seu cotidiano e as origens de suas companheiras, que reafirmam os clichês de sua agora profissão.
Inexiste filme
100% ruim
Esta primeira parte termina por ser a melhor do filme, com cenas fortes, não de sexo, que são repetitivos exercícios de quadris, ombros e faces, mas centradas no drama humano. Sem comiseração, arrependimentos, choros. Até o desencadear de choques entre duas colegas de programa e Raquel, agora Bruna, pelo roubo do dinheiro que ela guardava em seu armário. O centro da ascensão e queda de Raquel/Bruna emerge com uma força desmesurada e ela não percebe: o perigo da droga que a fará oscilar entre a lucidez e a loucura. E atesta o senso empresarial de Larissa: admitir a droga em sua “casa” será o fim de seus negócios. Lição que Bruna não apreende e a atrairá e a repelirá a um só tempo.
Se esta primeira parte tem este equilíbrio e frescor, não se pode dizer da segunda. Baldini abandona o realismo, a sobriedade, entrando no glamour, na iluminação de comercial de TV, no brilho excessivo, na narrativa sustentada na maioria das vezes em closes, planos aproximados e grandes planos aleatórios. É quando Bruna entra no universo virtual, criando o blog que a levará à fama, aos programas de TV, e perde contato com a realidade. Mesmo nestas confusas sequências, que se melhor editadas tornariam a narrativa mais clara, ágil, há um achado e tanto, que ilumina o filme.
Em meio a um embalo, Bruna, já Surfistinha, está à mesa com um “programador”. Este elogia seu blog e diz que há empresários interessados em patrociná-lo. Talvez não fosse esta a intenção de Baldini, mas as mãos e os olhos do capital se introduzem. De repente, o sexo na web pode ser fonte de altos lucros. E só Bruna não percebe, ao contrário de sua nova amiga, que a vê como fonte de renda e a põe no rumo das drogas. O que era a ascensão, dialeticamente se torna sua decadência. E o pó em profusão atravessa sua vida. Ela perde amigas, parceiros, dinheiro, saúde, a fama se esvai para os becos sombrios.
A segunda parte do filme, confusa, sem demarcação dos personagens de apoio, enfadonha, cede lugar ao romance Bruna Surfistinha/João Moraes. E vários flashbacks, que não fazem a narrativa avançar. O filme que se pretendia um longo flashback, por ter-se iniciado mostrando a derrocada de Bruna, passeia por ambientes, situações, personagens, rendendo uma boa sequência: a do frio diálogo entre Bruna e Gustavo (Juliano Cazarré) no apartamento vazio dela, mostrando sua derrocada. Ele lhe diz: ”Tá mal, heim Bruna Surfistinha!?”. No entanto, “Bruna Surfistinha” não é um filme negligenciável. Reforça a tese de que não há filme 100% ruim. Sempre se aprende com eles.
“Bruna Surfistinha”. Drama. Brasil. 2010. 109 minutos. Argumento: Karin Ainouz, Antonia Pellegrini. Roteiro: José Carvalho, Homero Olivetto, Antonia Pellegrini. Fotografia: Marcelo Corpani. Direção: Marcus Baldini. Elenco: Deborah Secco, Cássio Gabus Mendes, Drica Moraes, Cristina Lago.