Bush na Quebrada

Esses dias estava pensando o que aconteceria se George Bush (pai), durante a guerra da Coréia (1950-53), fosse convocado para participar da agressão àquele país?

Talvez este seria o dia em que a coragem da família Bush terminaria e George deixaria a "democracia" americana rumo a algum país grande, próspero, em fase de industrialização, fácil de entrar e de viver como clandestino.

Será que é exagero dizer que o Brasil seria um seríssimo candidato?

George desembarcaria talvez em Salvador, Bahia, trazendo poucos pertences, sua esposa e no colo o pequeno George Walker Bush.

Viveriam em hotéis luxuosos com um bom padrão de vida, até que a remessa de dólar dos EUA pra cá fosse incompatível com sua clandestinidade, obrigando-os a deixar o nordeste rumo às grandes cidades do sudeste.

Com pouco dinheiro a família Bush viria para São Paulo como muitos outros nordestinos; na carroceria de um caminhão sem conforto conhecido como "pau de arara". À moda de Seara Vermelho de Jorge Amado.

O pequeno George aprenderia a jogar futebol, empinar pipa, rodar pião, falar palavrão.
Não é difícil imaginar que George pai teria dificuldades de conseguir emprego. "O que você sabe fazer?" perguntam no armazém de secos e molhados, "Tem registro na carteira", ouve do porteiro da empresa, "Sinto, mas você não apresenta os requisitos mínimos"…

Passaria, então, a catar papelão, reciclaria não por consciência ambiental, mas por falta de opção. Ganharia pouco, o suficiente para comer e pagar sempre com atraso o aluguel de um pequeno barraco de um cômodo feito de madeira, ao lado de um córrego malcheiroso que os visitaria a cada chuva.

O pequeno George certamente teria que trabalhar cedo e talvez não aprenderia a escrever o próprio nome, jamais assinaria tratados e documentos importantes que resultassem na destruição de outros povos.

E na periferia conheceria gente de todo tipo, gente de bem e gente que é mal atrasa.

Aí queria ver a valentia dele em querer acabar com armas de destruição em massa; aliás, qual arma não é de destruição em massa?

Drogas, polícia, revólver, me diz o que resolve? — Gog.

A pior arma de destruição em massa é a exploração capitalista, de que George W. Bush seria vítima caso vivesse aqui para São Paulo, se vivesse com o próprio suor ao invés de viver do sangue de inocentes.

Ah!, como eu queria ver qual seria a alternativa de paz na guerra do dia-a-dia que só quem é do fundão, só quem é proletariado sabe qual é que é — queria ver se ia dar uma de "libertador" do povo iraquiano. Iria estar tão envolvido na guerra particular que o sistema nos condena a ponto de ignorar uma guerra tão maior, igual um monte de mano fala: "Tô nem aí pra guerra, já vivo a guerra".

De repente o doido até ia ouvir um rap, dançar um breack e riscar umas paredes e uns vinil, vai saber!?

Se George W. Bush tivesse nascido e crescido na quebrada talvez se importaria com as pessoas, mesmo com aquelas que não conheceu. E iria até procurar saber o significado de "soberania dos povos", que é a liberdade para as pessoas decidirem o rumo de seu próprio país.

Iria achar comédia os filmes de aventura "hollywoodianos" que têm aqueles fortões enviados ao Vietnã e que sozinhos vencem a guerra, por que saberia que na vida real a guerra foi vencida pela República Socialista do Vietnã.

Se ele vivesse no mesmo mundo que eu, que o seu, saberia que se existe uma coisa que este mundo não precisa é de mais uma guerra.

E que a única guerra justa é aquela do oprimido contra o opressor.

Aprenderia com os personagens que atuam neste palco chamado mundo e viveria cenas como a do mês passado quando perdi minha carteira com todos os documentos, talão de cheques, cartão… Antes de sair para fazer o boletim de ocorrência recebi um telefonema de um tal Edenildo, mais conhecido onde mora por Toninho, dizendo que havia achado minha carteira e perguntou quanto de dinheiro tinha dentro dela. Falei "ontem precisei sacar cinqüenta reais". Ele nem deixou eu terminar de falar corrigindo tem cinqüenta e um. Toninho é pedreiro desempregado e pensa em voltar para a Bahia com sua mulher e seu filho, encontrou minha carteira quando ia buscar o seguro desemprego, mas descobriu que não tem direito a ela, me devolveu com os bilhetes de metrô, os bilhetes de trem, o cartão, os cheques e os cinqüenta e um reais exatamente como eu havia perdido.

Gostaria que pelo menos uma única vez George W. Bush acordasse bem cedo, ainda escuro, para ir ajudar um vizinho ou parente encher a laje de sua casa. Ele ia saber o quanto é duro o trabalho do qual Toninho chama de profissão, iria conhecer o significado da palavra cooperação e jamais destruiria cidades pensando no lucro de suas empresas na reconstrução.

Aprenderia na favela a respeitar os mais velhos, ao contrário da forma que respeita a ONU.

Não teria todo conforto e luxo que tem hoje, mas iria chegar do serviço, deitar a cabeça no travesseiro e dormir de consciência limpa.

Quem mora nas capitais dos grandes centros urbanos com suas lojas de conveniências, seus shoppings, seus deliveris, deve achar que as periferias são a pré-história da sociedade.

Rousseau já dizia: "O homem nasce bom, a sociedade o corrompe".

Bush está numa posição onde não mais é possível reconhecê-lo como homem, não mais vejo como minha mesma espécie.

"- Apresento meu amigo.
– Daonde que ele veio?
– De lá da minha quebrada.
– O que ele merece?
– Pagar pela mancada."
(Thaide e DJ Hum)

E se alguém precisar de um bom pedreiro me avisa conheço uma pessoa de confiança.

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