Cabe uma coalizão de novo tipo?

Os atos de domingo (13) mantiveram, no fundamental, o conteúdo das manifestações anteriores e o perfil dos manifestantes: ricos, bem empregados, ideologicamente de direita.

Embora a pauta contemple temas difusos, como o combate à corrupção, ela se resume à deposição da presidenta Dilma e do fim do ciclo de governos do PT. O ódio de classe é indisfarçável, embora se esforcem para camuflar. Mas foram atos expressivos e o movimento popular precisa responder não apenas com manifestações igualmente expressivas, mas procurando apontar saídas para o impasse.

Há evidentes sinais de que a pauta difusa começa a ganhar adeptos em setores médios que não são tradicionalmente de direita e até já foram eleitores do PT. Entre esses temas difusos estão o combate à corrupção e a repulsa à política de maneira geral. A expressiva manifestação de hostilidade a Aécio e Alckmin, ambos do PSDB, no ato de São Paulo, expressa sem retoques essa assertiva.

E aqui está o impasse e o dilema para os “líderes” desse movimento e a “massa” que vem atendendo aos seus apelos: eles têm pauta distinta.

Enquanto os líderes do “Movimento Brasil Livre” e “Vem pra Rua”, dentre outros, defendem pautas reacionárias e procuram alianças formais com a direita política convencional (PSDB, DEM, etc.), a massa os hostiliza e defende propostas como a valorização dos serviços públicos e o respeito às liberdades individuais, como atesta a pesquisa feita por pesquisadores da USP (www.goo.gl/QtDsIz).

Os dados dessa pesquisa confirmam o perfil elitista dos manifestantes. Indica que eles desconfiam tanto do PT quanto de todos os demais partidos e políticos. Desconfiam também dos meios de comunicação. Mas defendem, igualmente, serviço público de qualidade e respeito aos direitos individuais, como a união homoafetiva.

Como conciliar a pauta da massa com a dos “líderes” do movimento, que odeiam o PT mas adoram os partidos e os políticos de direita? Que falam em combate à corrupção abraçados com políticos formalmente denunciados por corrupção? Que querem privatizar todo tipo de serviço público, a começar pela saúde e educação e chegando na entrega completa do pré-sal às petroleiras estrangeiras?

E há uma margem cinzenta que a própria “massa” precisa responder: se apoiam os direitos individuais, como toleram grupos homofóbicos e racistas (tipo skinheads) em suas manifestações? E como não se insurgem contra as reiteradas violações dos direitos individuais dos investigados, sistematicamente praticados pela dita operação lava-jato?

Talvez respondam que só assim é possível fazer avançar as investigações. Todas as ditaduras responderam dessa forma para justificar a tortura, inclusive no Brasil pós golpe militar e nos horrores praticados pelo governo dos Estados Unidos na “caçada aos terroristas”. Sempre que deixamos o arbítrio prosperar ele terminou na supressão da liberdade e dos direitos individuais de todos.

A omissão de muitos, inclusive do povo alemão, diante do avanço do nazismo liderado por Hitler, caracterizado pela violação de direitos individuais e perseguição aos comunistas, judeus, sindicalistas, clero progressista e a juventude ativista redundou no pior período de trevas da nossa história recente. Como ninguém protestou, talvez porque “não fosse problema seu”, o nazismo e as suas tragédias se implantaram completamente.

Quando em 1964 manifestações parecidas com essa e de igual forma estimuladas pelos meios de comunicação conservadores ganhavam o apoio de uma “massa” igualmente sensibilizada por pautas incrivelmente semelhantes, seus “lideres” tinham consciência que iriam implantar uma ditadura a serviço dos Estados Unidos, mas a “massa” só descobriu, tarde demais, que ela apenas participou de uma grande encenação.

E qual é a saída?

Em primeiro lugar procurar responder à altura com manifestações que claramente denunciem o caráter golpista e reacionário dos atuais “líderes” desse movimento. Cabe à presidenta Dilma enfrentar o debate ideológico comparando os feitos de cada governo. Também cabe à presidenta, ouvindo os aliados, definir uma pauta que reafirme a manutenção e a ampliação dos avanços até aqui obtidos, busque dialogar com os anseios dessa “massa” e, principalmente, assegure a retomada da economia.

E, não menos importante, é preciso analisar a formatação de uma nova coalizão política de conteúdo mais programático que lhe permita, a um só tempo, governar e sinalizar à sociedade práticas menos fisiológicas.

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